Sumaru, barujó, castanha-de-burro, coco-feijão, cumbary, meriparagé, castanha-de-ferro. São inúmeros os nomes dados ao baru, fruto típico do Centro-Oeste que costuma aparecer nas matas do cerrado em dezembro. Também são incontáveis as propriedades medicinais atribuídas pela sabedoria popular à fruta e à sua castanha, que costumam ser transformadas em um óleo que poderia ser usado no tratamento de diversas enfermidades. Atraída pelas místicas propriedades do vegetal, uma cientista de alimentos escolheu a leguminosa como objeto de sua pesquisa de doutorado na Universidade de Brasília (UnB). O resultado foi surpreendente.
Autora do estudo, publicado na revista especializada Food Research International-Elsevier, Miriam Rejane Bonilla Lemos demonstrou que a castanha do baru tem um alto potencial antioxidante, uma arma poderosa contra processos inflamatórios e doenças crônicas e degenerativas. Os fitoquímicos presentes na leguminosa, aponta a pesquisa, controlam os radicais livres que causam problemas como a hipertensão e a artrite, além de doenças como o câncer e o diabetes. ;Os radicais livres são moléculas instáveis que, quando atingem o DNA, vão produzir doenças. A célula afetada pode produzir um câncer, atingir proteínas ou afetar o metabolismo;, explica a pesquisadora.
De acordo com a especialista em ciência de alimentos, em diversos aspectos, a leguminosa tem mais possibilidades medicinais do que alimentos semelhantes, como o pistache, a macadâmia ou o amendoim. A amêndoa também é rica em ômegas 3, 6 e 9, e tem alta taxa de ácidos graxos insaturados. O grande trunfo do baru, porém, está em seus oito compostos fenólicos: as substâncias, como a catequina e os ácidos gálico e elágico, têm poderes anti-inflamatórios e antivirais, e estão presentes em peso na semente do fruto. A ingestão diária de 50g da amêndoa torrada com a casca é suficiente para causar efeitos positivos na saúde (mas é necessário lembrar que essa porção também tem 250kcal).
A variação e a riqueza de compostos bioativos, aponta Lemos, são resultado do mecanismo de defesa do baru. Como o fruto cresce no ambiente rígido do cerrado, ele desenvolveu uma composição que o faz resistir a lesões e à falta de água por longos períodos de tempo. Essa resistência às condições adversas também deu ao núcleo do baru uma grande quantidade de antocianinas e tocoferóis, que evitam a produção de radicais livres e melhoram a circulação sanguínea. Essas características reforçam a crença popular, que já associava o baru ao tratamento do reumatismo e à regulação do período menstrual.
A então doutoranda adquiriu amostras da amêndoa de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais, e analisou o alimento na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mesmo sabendo dos benefícios que a leguminosa havia causado aos ratos, a equipe gaúcha se espantou com o que encontrou. ;Os resultados foram muito interessantes, demonstrando alto conteúdo de alguns compostos bioativos na amêndoa. O conteúdo de gordura no baru também é muito expressivo, incluindo alto conteúdo em ácido oleico, os quais são benéficos em termos nutricionais;, avalia Rui Carlos Zambiazi, professor da UFPel e co-orientador do projeto.
A professora de ciências da saúde Egle Machado havia orientado o estudo com ratos em conjunto com a professora Sandra Arruda, do Departamento de Nutrição da UnB, e também decidiu acompanhar Miriam Lemos em sua pesquisa aprofundada. ;Foi muito bom encontrar compostos com reconhecida atividade biológica na amêndoa do baru. Na literatura científica, têm sido reportadas as atividades anti-inflamatória, anticancerígena, antimicrobiana e antioxidante dos compostos fenólicos. Porém, estudos adicionais são necessários para que possamos afirmar qual dos compostos encontrados na castanha é o mais bioativo;, avalia a especialista.
Em sua pesquisa de pós-doutorado, também na UnB, Miriam deve continuar examinando as propriedades farmacológicas do baru. Ela vai colocar à prova os fitoquímicos da castanha no tratamento contra enfermidades como o envelhecimento precoce, o câncer e o vírus HIV.
Para saber mais
Produto ultiuso
O baru amadurece na época da seca e serve de alimento para diversos animais do cerrado. Assim como o núcleo, também podem ser aproveitados a polpa e o endocarpo, que correspondem a 95% do fruto, muito usado na alimentação do gado na estiagem. Além de Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso, o baru também é encontrado no Paraguai e em cercanias do complexo do Pantanal. A árvore pode alcançar até 25m e produzir 150kg de frutos numa única estação. A amêndoa é consumida torrada como aperitivos ou usada em receitas similares às do amendoim, como paçocas e bolos. A semente também é matéria-prima de bebidas alcoólicas e tem o óleo extraído para fins medicinais ou para aplicações industriais, como lubrificante de equipamentos.