A corrida mundial por energia limpa pode, literalmente, ficar de vento em popa. Basta investir mais na matriz eólica. De acordo com duas pesquisas publicadas recentemente pelas revistas americanas Nature Climate Change e Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas), recurso natural é o que não falta: o mundo tem vento suficiente para abastecer a demanda total por energia até 2030.
;Pela primeira vez, nós mostramos que há energia que pode ser extraída de ventos da Terra para atender as demandas do mundo. Também mostramos que, mesmo produzindo energia eólica em grande escala, isso resultaria somente em pequenas mudanças climáticas;, afirma Kate Marvel, autora do artigo publicado na revista Nature. Segundo ela, o objetivo principal da pesquisa realizada no Laboratório Nacional de Lawrence Livermore, na Califórnia, foi quantificar o máximo de energia passível de ser extraída de ventos globais e, dessa forma, determinar os efeitos climáticos decorrentes dessa exploração em larga escala.
Utilizando um modelo climático que considerava apenas os limites geofísicos e excluía aspectos técnicos e econômicos, os cientistas mensuraram não só o vento estocado próximo à superfície da Terra, como também as possibilidades encontradas em grandes altitudes, onde eles são normalmente mais estáveis e rápidos. O resultado mostrou que as turbinas eólicas atualmente instaladas poderiam extrair energia cinética a uma taxa de pelo menos 400 terawatts (TW). Se considerados os ventos em altas altitudes, que não são acessíveis à tecnologia convencional baseada na superfície, o valor sobe para mais de 1,800TW.
Portanto, tendo em vista que a atual demanda é de 18TW, teríamos condições de produzir até 100 vezes a mais que o necessário para manter o mundo abastecido de energia elétrica. Isso com base somente nos recursos naturais disponíveis no planeta. A partir dessa constatação, os pesquisadores afirmam que as únicas barreiras para o crescimento da energia eólica seriam de ordem política e econômica.
Para simular a extração dos ventos, foi adicionada uma força de arraste às camadas perto da superfície. ;As turbinas eólicas funcionam por meio da conversão de energia no vento em energia mecânica da turbina. Isso acaba por retardar o vento. Arrastar é uma forma de modelar esse processo de desaceleração dos ventos;, explica Marvel. A pesquisadora complementa que, quando o arraste é adicionado uniformemente próximo à superfície da atmosfera, a taxa de extração de energia cinética (KEE) aumenta. Entretanto, no limite da resistência infinita, a atmosfera se torna sem movimento e não há energia para extrair. ;Isso sugere que deve haver alguma quantidade certa de arrasto que, quando adicionada, maximiza a KEE;, defende Marvel.
O estudo mostrou também as consequências ambientais da dependência em larga escala por energia eólica. Em consonância com a literatura anterior, foi constatado que, próximo à atmosfera, as turbinas eólicas provocam um leve efeito de aquecimento da superfície. Entretanto, tendo como base toda a atmosfera, a taxa de extração de energia cinética tem um efeito de arrefecimento. Em ambos os casos, foi observada uma diminuição mundial da precipitação média.
Na mesma linha dos resultados encontrados por Marvel, um estudo desenvolvido por pesquisadores da Escola de Engenharia da Universidade de Stanford e da Universidade de Delaware criou o mais sofisticado modelo de clima disponível para mostrar a força e o potencial da energia eólica. Segundo os estudiosos, não somente existe abundância de vento sobre a terra e perto da costa para fornecer metade da potência do mundo, como também há o suficiente para ultrapassar, em muitas vezes, a demanda total de energia, mesmo após a contabilização das reduções na velocidade do vento causadas pelas turbinas.
Publicado na revista Pnas, o estudo utilizou um programa de computador conhecido por Gator-GCMOM, que consiste em um modelo atmosférico tridimensional que simula o clima, o tempo e a poluição atmosférica. A partir desse programa, os cientistas puderam calcular o máximo potencial téorico de energia eólica no planeta. O modelo assumiu o postulado de que as turbinas eólicas podem ser instaladas em qualquer lugar, sem levar em conta considerações climáticas, sociais, ambientais, ou econômicas.
;Nós consideramos tanto um caso prático, 4 milhões de turbinas para alimentar metade de todo o uso final de energia no mundo, e também casos teóricos, com até 1,2 bilhão de turbinas cobrindo todo o mundo;, esclarece Mark Jacobson, autor do artigo. Segundo ele, o novo método proposto foi baseado no conceito de saturação. ;A saturação do potencial eólico (SWPP) é a potência máxima do vento que pode ser extraída mediante o aumento do número de turbinas eólicas dispostas sobre uma extensa região geográfica.;
Jacobson explica que, uma vez que o SWPP é atingido, o aumento do número de turbinas não aumenta a potência gerada. Individualmente, uma turbina pode extrair não mais do que 59,3% da energia cinética do vento. ;Cada turbina reduz a quantidade de energia disponível para as outras;, explica Jacobson. A redução, no entanto, torna-se significativa apenas quando se instala um grande número de turbinas, valor esse muito maior do que o necessário. Segundo o autor, esse foi o ponto importante a ser encontrado.
Sabendo da existência do potencial de saturação, os pesquisadores voltaram a sua atenção para a quantidade de turbinas necessárias para atender metade da demanda mundial por energia, cerca de 5,75TW, em uma economia referente ao ano 2030 baseada na energia limpa. Os resultados mostraram que 4 milhões de turbinas de 5 megawatts de potência, operando a uma altura de 100 metros, poderiam fornecer 7,5TW de energia, valor maior do que a metade da energia demandada pelo mundo para todos os fins. Isso tudo sem impacto significativo sobre o clima.
;Temos um longo caminho a percorrer. Hoje, temos instalada um pouco mais de um por cento da energia eólica necessária;, pondera Jacobson. Sobre a disposição das turbinas, o autor afirma que fixaria metade desses 4 bilhões de aerogeradores na água. Já os 2 milhões restantes requereriam um pouco mais do que 0,5% da superfície terrestre, o que representa cerca de metade da área do Alasca. Entretanto, praticamente nenhuma dessas regiões seria utilizada somente para capturar vento. Elas também poderiam servir como campos agrícolas, espaço aberto, terreno para pecuária e diversos outros fins.
Custo menor
A matriz energética brasileira é a mais renovável do mundo. Enquanto os países desenvolvidos utilizam 14% de fontes renováveis, o Brasil utiliza 45%, e deve elevar esse patamar a quase 47%, conforme previsão do Plano Nacional de Energia 2030. De acordo com Elbia Melo, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica, entre os programas que mais crescem no país, está a energia eólica. Melo explica que, em 2004, foi a primeira vez que o Brasil investiu nos ventos enquanto fonte energética. ;Antes, era muito caro, mas, desde 2009, os custos vêm reduzindo drasticamente. Hoje, temos a energia elétrica mais competitiva do mundo.;
Segundo ela, são três os principais fatores responsáveis por colocar o Brasil no topo dos países investidores. O primeiro é o avanço tecnológico. ;Em 2004, nossas torres tinham 40m. Atualmente, elas alcançam 100m de altura, o que aumenta também o diâmetro dos rotores e melhora a capacidade de captação dos ventos.; O segundo fator é a própria qualidade dos ventos. ;O vento no Brasil é forte, constante e sem rajadas, um dos melhores do mundo, e isso nos favoreceu em termos de produção.; Melo complementa que o terceiro fator diz respeito a uma conjuntura internacional favorável. Segundo ela, os países que foram menos abalados pela crise econômica nos Estados Unidos, como é o caso do Brasil, se tornaram importantes locais de investimento.
Geração rápida
Terawatts significa 1 trilhão de watts. Um watt é a unidade de potência (energia por unidade de tempo, equivale a um joule por segundo). A taxa, portanto, corresponde à produção de potência elétrica, basicamente, o quão rápido a energia pode ser gerada.