Segundo a mitologia chinesa, o arroz surgiu para salvar a humanidade quando ela estava à beira da inanição. ;Em uma história, a deusa Guan Yon apiedou-se dos seres humanos famintos e espremeu seus seios para produzir leite, que escorreu para as espigas antes vazias dos pés de arroz e se transformou em grãos;, conta o pesquisador britânico Tom Standage, no livro Uma história comestível da humanidade (Editora Zahar). Agora, porém, a bem-sucedida relação do homem com a planta, que há milênios nutre pessoas em todo o planeta, está estremecida. O crescimento rápido da população mundial, que já ultrapassa os 7 bilhões, e os efeitos das mudanças climáticas fizeram com que a produção do grão chegasse perto do limite, criando um desafio para cientistas e agricultores.
Em um artigo publicado na revista Science, cientistas chineses mostram que deram um passo importante na luta para ampliar consideravelmente a produção de arroz no mundo. Os pesquisadores, da Universidade Agrícola Huazhong, conseguiram isolar os três genes responsáveis pela esterilidade do arroz índico-japônico, uma espécie híbrida maior e mais produtiva que os tipos que lhe dão origem, o zhenshan 97 e o nipponbare (veja arte). A partir do feito, será possível tornar a planta mais resistente e produtiva.
Na natureza, ocorrem outros casos de hibridismo animal e vegetal, ou seja, o surgimento de uma nova espécie a partir do cruzamento de outras duas. É o caso, por exemplo, do burro, surgido após o cruzamento da égua com o jumento. De maneira geral, a espécie resultante traz características positivas das que lhe deram origem ; o que na genética é chamado de heterose. Em todos os casos, porém, o resultado do cruzamento é estéril, ou seja, não pode produzir descendentes.
;Essa é uma descoberta muito esperada. Híbridos entre arroz índico e japônico geralmente apresentam heterose forte, que pode potencialmente aumentar o rendimento. Entender o mecanismo que causa a esterilidade dos híbridos nos permitirá desenvolver estratégias para a utilização da heterose forte de tais híbridos para aumentar a produção de arroz;, explica Qifa Zhang, principal autor da pesquisa.
Na trilha de Darwin
;Sempre cultivar a melhor variedade conhecida, semeando essas sementes, e, quando uma variedade ligeiramente melhor por acaso aparecer, selecioná-la, e assim por diante.; Com essa frase, o cientista Charles Darwin, em seu famoso livro A origem das espécies, explicou como o arroz se tornou uma das bases da alimentação humana, a partir de 7.500 a.C., quando começou a ser cultivado na China. O que os pesquisadores chineses tentam fazer é seguir o que Darwin formulou: plantar a melhor variável do arroz já encontrada, continuando o ciclo de melhoramento genético da planta e assim evitar a falta do grão, que já começa a ser sentida.
Na Indonésia, famosa por seus milenares terraços de arroz, a demanda pelo alimento já ultrapassou a capacidade do país de produzi-lo, o que fez o governo estimular a substituição por outros produtos. Por lá, a nova esperança é uma espécie de sagu feito de palma desenvolvida por cientistas do país. No entanto, há uma enorme resistência a outros produtos, como mostra um ditado popular do país: ;Se você não comeu arroz durante a vida, você não comeu nada;.
A crise assola também outros países, como o Japão e a Índia, e chegou até mesmo ao Brasil, onde o preço do alimento subiu 75% entre 2005 e 2010. Uma seca destruiu os arrozais dos Estados Unidos e obrigou, no mês passado, a China, maior consumidor do grão em todo o mundo, a lançar mão de suas reservas do alimento, aumentando o risco da falta do produto até as próximas colheitas, que só devem acontecer em outubro.
Os dois países se viram recentemente envolvidos em um escândalo científico depois que o Greenpeace denunciou que 20 crianças foram alimentadas com arroz geneticamente modificado e utilizadas como cobaias em estudos conduzidos por pesquisadores das duas potências. ;É incrivelmente perturbador pensar que um organismo de pesquisa americano utilizou crianças chinesas como cobaias para alimentos geneticamente modificados;, disse a ONG. A pesquisa, feita em 2008, tentava desenvolver o ;arroz de ouro;, uma variante mais produtiva da planta.