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Saber compartilhado

Diferentes projetos buscam aproximar o conhecimento científico da comunidade e despertar o interesse de crianças e jovens pela pesquisa. As atividades incluem a observação do céu com telescópios e visitas a laboratórios da Universidade de Brasília

De férias em Brasília, a pernambucana Cristiane Mendes tira a noite de sábado para conhecer alguns dos monumentos da capital com o marido e os cinco filhos. Quando chega à Praça do Três Poderes, a família encontra uma movimentação inesperada. Dezenas de pessoas se revezam entre 20 telescópios espalhados pelo local ou aguardam na fila a vez de entrar em um planetário inflável. Depois de observar crateras da Lua, anéis de Saturno e várias estrelas, e de visitar o mundo astronômico projetado nas paredes do planetário, Cristiane se mostra entusiasmada: ;É muito legal, um ótimo incentivo para as crianças. Meu filho Miguel, de 5 anos, fez várias perguntas. Queria saber como nasce uma estrela. Esse tipo de atividade aguça muito a curiosidade deles;.

O que a família de Cristiane teve a chance de experimentar se repete todos os meses na monumental praça de Brasília. O projeto Astronomia na Praça existe há cinco anos por iniciativa do Clube de Astronomia de Brasília (CAsB) e chega a reunir 800 pessoas por encontro. A atividade é uma das diferentes iniciativas que buscam tirar o conhecimento científico das universidades e centros de pesquisa e levá-lo para mais perto da comunidade.

Ricardo Melo, diretor do CAsB, diz que, além de disseminar o saber do público leigo, o projeto pode ajudar as pessoas a entender sua própria história. ;Nas palavras de Carl Sagan, um dos grandes pesquisadores dedicados à divulgação da astronomia, estudar o Universo é uma viagem ao autoconhecimento. Somos parte deste Universo. Somos o Universo. Somos o Universo tentando entender a nós mesmos;, diz.

Pelo entusiasmo demonstrado pelos participantes, a demanda por iniciativas como essa é grande. Outra família presente no evento de observação era a de Rosimere e Washington Sousa, que levaram os dois filhos e um telescópio adquirido pela família à praça. O instrumento foi um brinde trocado em um programa de resgate de pontos de fidelidade. ;Poderíamos ter trocado por eletrodomésticos, computadores, celulares, mas escolhemos o telescópio porque é algo diferente e também uma alternativa para unir a família;, explica Rosimere.

Escolas Além dos telescópios, o Astronomia na Praça conta às vezes com o planetário inflável, fruto da parceria do CAsB com o Escola nas Estrelas, projeto itinerante da Universidade de Brasília (UnB) que leva aos alunos do ensino fundamental e médio os saberes da astronomia. Responsável pela atividade de extensão, o professor de física Paulo Brito conta que as duas atividades que mais chamam atenção dos jovens são o lançamento do foguete de garrafa PET construído pelos próprios alunos e a aula realizada dentro do planetário inflável, de 3,5m de altura por 6m de diâmetro. Lá dentro, é simulada a posição dos astros em uma noite de céu estrelado. ;É muito instrutivo, pois, de forma dinâmica, mostramos a importância do conhecimento da posição e do movimento aparente das estrelas para a orientação, tanto no tempo como no espaço;, explica o professor.

Durante a simulação no planetário, a euforia de crianças e jovens é grande. A cada movimento projetado, é possível ouvir uma exclamação diferente: ;Que demais, que máximo!”. O professor Brito, que faz as exposições no planetário, acredita na iniciativa como uma maneira diferente de despertar o gosto pela astronomia, ;mostrando que a ciência, apesar da lógica e da racionalidade, não perde o sentimento de se maravilhar diante da grandeza do Universo;.

Outro projeto da UnB direcionado às escolas é o Tour Científico, realizado pela Diretoria de Esporte, Arte e Cultura (DEA). Desde 1999, a universidade recebe alunos do ensino médio e fundamental para uma visita guiada a quatro laboratórios: o Hospital Veterinário, a Física Experimentoteca, o Laboratório de Química e o Museu de Anatomia. Em cada um deles, os alunos encontram diferentes explicações e podem participar de experimentos que os ajudam a entender os conteúdos que fazem parte de seu currículo escolar.

No Laboratório de Química, desde o começo do projeto os alunos são recepcionados pelo professor Bob Silva, que não deixa de realizar a atividade nem mesmo em períodos de greve. ;Isso está acima de qualquer questão salarial, porque os alunos que chegam aqui para conhecer não podem ser prejudicados;, defende. Engraçado e dinâmico, o professor, em mais de uma hora de experimentos, consegue prender a atenção e tirar boas risadas dos alunos.

;A química é um problema. Estudo recente mostrou que ela é a ciência de que os jovens menos gostam, e isso não é só no Brasil;, conta Silva. Segundo o professor, isso ocorre porque a disciplina é muito abstrata, e grande parte das pessoas tem dificuldade de estabelecer uma relação entre o fenômeno e a teoria. ;Os alunos decoram o conteúdo, não o aprendem, e isso só serve para a prova e o vestibular;, lamenta.

Inteligível
O grande desafio para Silva e os alunos de mestrado que o auxiliam no projeto é tornar a química palpável e inteligível. Para isso, lançam mão de uma aula cheia de experimentos e curiosidades que fazem parte do cotidiano dos jovens. Eles explicam, por exemplo, por que um tipo de milho vira pipoca e outro não. Os experimentos são simples, baratos e podem ser repetidos em qualquer escola, ou mesmo em casa.

A cada semestre, o tema abordado muda. O mais recente foi a água. Durante uma das aulas que abordavam as propriedades do líquido, o falante estudante Ranslei Vinieli, 14 anos, mostra-se animado e tira fotos de tudo. ;Caraca, que doido! Vou fazer isso em casa e falar: ;Mãe, sou um aluno exemplar;;, brinca o garoto. No fim da aula, o menino conta que aprendeu vários conteúdos que já tinha visto nos livros didáticos, mas que tinha conseguido absorver. Antes de se despedir dos alunos, contra pedem para que a aula continue com mais experimentos, Silva alerta: ;Isso daqui não é show, não é piquenique, tem uma função pedagógica. Vocês têm de sair daqui com um conhecimento, falando sobre alguma coisa;.

O professor critica a postura de pesquisadores que têm um discurso sobre sua importância da divulgação científica, mas não a promovem. ;Eu acredito na mudança a partir da base, nas salas de aula, na formação de professores. É diferente de uma divulgação em que um grande cientista faz uma palestra para 400 pessoas e fala de suas descobertas e feitos;, opina Silva.

Para Oviromar Flores, decano de Extensão da UnB, o papel das universidades públicas na divulgação da ciência é proeminente. Segundo ele, a universidade só se realiza em sua função social e política se trabalha sobre o tripé ensino, pesquisa e extensão. O último, por sua vez, é o lugar por excelência do diálogo entre a comunidade e a universidade. ;Há autores modernos, como o Boaventura de Sousa Santos, que dizem que no momento em que as universidades cumprirem sua meta de democratização e universalização do conhecimento, elas se transformarão em universidades extensionistas;, afirma.

Em 2011, foram 240 projetos de extensão na UnB e, segundo Flores, a meta é aumentar ainda mais esse número. ;Temos que nos cuidar, porque, às vezes, os intelectuais estão um passo atrás da história. O diálogo com a população tem de ser permanente, devemos estar atentos ao que temos a ensinar, mas também a aprender. O caminho nunca acaba, sempre haverá mais e mais necessidades;, conclui.