O que a cultura do estado de Goiás, o universo LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros) e a Universidade de Bauhaus na Alemanha teriam em comum? A resposta está na atuação de Matheus Opa, 25 anos, formado em artes visuais pela Universidade de Brasília (UnB) e um dos dois brasileiros convocados em meio a 20 projetos este ano pela universidade alemã. Matheus conseguiu a aprovação para um curso de especialização na mais célebre universidade de artes visuais alemã, referência mundial na área.
Centro-Oeste é objeto de estudo
Matheus baseou seu projeto na sua própria vivência, usando as experiências pessoais como modelo e, a partir delas, desenvolveu todo o embasamento. O objetivo dele é mostrar que elementos da região onde nasceu, como a fauna e flora típicas do cerrado, a religiosidade, a festa divino e a presença feminina na cultura sertaneja, podem ajudar no combate ao preconceito. O estudante terá dois anos para realizar sua pesquisa em Bauhaus e retornará ao Brasil com o título de Master in Fine Arts (MFA) que, transposto para o português, significa mestre em belas artes.A aceitação do projeto é rara e sintomática. A Universidade de Bauhaus não se notabilizou, ao longo dos anos, pela boa aceitação de elementos artísticos de outro continente. Um trabalho do Brasil ; e, mais que isso, do centro-oeste do país ; normalmente não teria muito espaço. ;Essa pesquisa tem de ser valorizada. Quem imaginaria que a maior escola de artes visuais do mundo aceitaria um projeto de estudo sobre a cultura do interior de um país longe da Europa? É uma conquista muito importante;, acredita Matheus.
A Universidade de Bauhaus, sediada na cidade de Weimar, foi criada em 1919 e ainda tem forte influência na arte contemporânea. Bauhaus teve impacto fundamental no desenvolvimento das artes e da arquitetura do ocidente europeu, e também dos Estados Unidos, Israel e Brasil. A Cidade Branca de Tel Aviv, em Israel, que contém um dos maiores espólios de arquitetura Bauhaus em todo o mundo, foi declarada como Património Mundial em 2003.
A escola também influenciou imensamente a América do Sul, tendo como seu principal representante o arquiteto Oscar Niemeyer. Brasília foi projetada em 1957 sob as tendências modernas e funcionalistas inauguradas pelo bauhasianismo. Todo o plano-piloto, incluindo tanto os edifícios residenciais quanto as construções públicas, são influência e ícones desta arte, em sua excelência.
Matheus participou de projetos de extensão na UnB
Matheus cursou artes visuais e se formou no primeiro semestre de 2017. Ele conta que, durante a vida acadêmica, manteve-se financeiramente na capital federal dando aulas de línguas estrangeiras, inglês, espanhol e francês. Além disso, também recebia bolsa de pesquisa paga pela universidade, uma vez que realizou diversos projetos acadêmicos na área, em temáticas como ;Fotografia e o Vazio;, ;Religião e Consumismo; e ;Espaços culturais do DF;.Com as bolsas e o seu trabalho na escola de línguas, conseguiu juntar algum dinheiro para chegar à Bauhaus e se manter por um tempo até conseguir emprego. O estudante confessa que irá demorar a aprender o alemão perfeitamente e para isso recorreu ao crowdfunding, um meio de financiamento coletivo e colaborativo, alternativa para viabilizar sua permanência no país, economizando dinheiro e tempo para os estudos.
Além de todas essas atividades, Matheus também integrou o grupo Corpos Informáticos. O grupo de performance é coordenado e dirigido pela professora Maria Beatriz de Medeiros, conhecida como Bia Medeiros, formada em artes visuais pela Universidade de Sorbonne, em Paris, e em filosofia pelo Colégio Internacional de Filosofia, também na capital francesa.
Matheus esteve no grupo por mais de dois anos e a professora Maria Beatriz fala como era performar ao seu lado. ;A performance tem uma certa estrutura a ser seguida, mas trabalhamos com o improviso. Para isso funcionar, as pessoas precisavam saber improvisar e ter uma ligação certa com os membros e Matheus tem tudo isso;, diz. A professora também falou dele como seu aluno, ela também lhe deu aulas durante a graduação. ;Uma das capacidades mais importantes de um aluno é a curiosidade porque ela move o saber, e Matheus sempre teve isso, sempre buscou o conhecimento e aprender;, relata.
Bia Medeiros também foi professora de artes visuais da UnB por 25 anos, dando aulas na graduação, mestrado e doutorado. Há 26 anos, ela criou o grupo como projeto de pesquisa, a fim de pensar o corpo humano diante das novas tecnologias. O Corpos Informáticos formou vários doutores e mestres, e teve suas criações experimentais apresentadas em países como Chile, Peru, Berlim e França.
LGBTfobia cresce no Brasil
A violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros vem crescendo no país. Apenas em 2017, 387 pessoas LGBTs foram assassinadas e 58 cometeram suicídio. Esse dado representa um aumento de 30% em relação a 2016, que teve 343 mortes. Essas informações constam no relatório realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), entitulado Pessoas LGBT Mortas no Brasil.O documento apresenta também a violência em cada estado brasileiro. São Paulo lidera com 59, logo seguida por Minas Gerais, com 43, e a Bahia, com 35. No Distrito Federal, foram oito pessoas mortas. Em 17 anos, o país teve um aumento de mais de 300 mortes em relação a 2000, onde tiveram 130 casos documentados. Esse contexto mostra bem o perfil do preconceito no país. De acordo com a GGB, 2018 registrou, só até meados de maio, a morte de 153 pessoas LGBTis mortas no Brasil.
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá