No site da consultoria britânica Quacquarelli Symonds (QS), o perfil da Universidade de Brasília (UnB) vem acompanhado de gráficos de desempenho em rankings. No diagrama das comparações mundiais, a linha do tempo da universidade foi pintada de verde entre 2012 e 2016 (ocasião em que se classificou na faixa 491-500), indicando resultados melhores ou pelo menos iguais a cada ano. Daí até 2020, o traço ficou vermelho, cor usada pela QS para demonstrar queda. Com o resultado de 2021, a reta voltou a se tornar verde porque a UnB conseguiu manter o mesmo desempenho do ano anterior, classificando-se no último intervalo de colocações do ranking, entre a 801ª e a 1.000ª posição.
A consultoria batiza os estudos usando o nome do próximo ano. Assim, a lista liberada em 10 de junho é chamada de ranking de 2021, apesar ter sido publicada em 2020. No ranking divulgado recentemente, a UnB foi listada pela QS em 10º lugar entre as universidades brasileiras (duas posições acima da edição anterior), apesar de, globalmente, ela estar empatada no mesmo intervalo que outras cinco instituições de ensino. Em entrevista ao Correio, a reitora Márcia Abrahão atribui o declínio mundial da UnB em anos anteriores a problemas pré-existentes e comemora que a instituição passa a se recuperar.
“Mesmo num cenário de extrema escassez orçamentária, nós revertemos uma tendência de queda de indicadores pela qual a UnB passava. Isso que começa a acontecer agora, sim, é resultado do nosso trabalho: reverter a tendência de queda que eu herdei da gestão do professor Ivan (Camargo)”, afirma. Ela observa que os rankings não analisam apenas o que acontece no momento. O indicador de citações da QS, por exemplo, considera os últimos cinco anos. “Então, o índice de citações de agora pegou de 2014 a 2019”, diz. Para melhorar nesse quesito especificamente, a gestão dela lançou editais para apoiar publicações desde 2017. “Aí agora as citações começam a aparecer em revistas internacionais”, diz.
Tensão pré-eleitoral?
“O melhor resultado da UnB no QS em 2016 veio porque considerava os cinco anos anteriores. Depois disso, começou a cair. Você precisa computar para trás. Infelizmente, a queda (antes da edição atual) reflete a gestão do meu antecessor”, argumenta Márcia. “Agora, não houve queda, estamos segurando a queda para começar a subir”, defende. “A UnB está em período pré-eleitoral. Então, há pessoas que, querendo atacar a figura da reitora, acabam prejudicando a figura da universidade. E isso se acirra agora.” A graduada, mestre e doutora em geologia confirmou que ela e o vice-reitor, Enrique Huelva, estão pensando em se candidatar à reeleição. A chapa deles assumiu a Reitoria em novembro de 2016, sucedendo Ivan Camargo, que foi empossado na posição em novembro de 2012.
Em reportagem publicada pelo Correio ontem (26), o ex-reitor destacou que a UnB caiu entre as instituições latino-americanas. Além do levantamento global, a QS tem uma pesquisa específica da América Latina, na qual a linha da universidade ficou verde de 2013 a 2017 (ano em que era a 9ª melhor da região), tornando-se vermelha daí até 2020, quando chegou à 29º posição. O resultado de 2021 ainda não foi liberado. Procurado pela reportagem, o ex-reitor Ivan Camargo não quis se pronunciar sobre as afirmações de Márcia, dizendo que a resposta dele é a dedicação que deu “à nossa querida universidade” nos últimos 40 anos. Ele esclareceu também que “não é candidato a nada”.
Contexto externo
Márcia Abrahão observa que, a cada ano, fica mais difícil subir nos rankings internacionais pelo fato de muitas universidades estrangeiras, em especial asiáticas, terem se tornado fortes concorrentes. Desse modo, várias instituições nacionais que costumavam aparecer no levantamento da QS não estavam na lista este ano. Isso tem a ver também com o investimento na área. “Muitas universidades brasileiras, várias federais saíram do QS enquanto a UnB está melhorando”, aponta.
“Enquanto o Brasil não investir fortemente em educação, ciência e tecnologia e de maneira contínua, nós vamos ser ultrapassados, principalmente pelas asiáticas”, diz. “Enquanto o Brasil está reduzindo o investimento em pesquisa, China e Coreia do Sul estão colocando muito investimento nisso”, acrescenta. “A gente conseguir se manter neste ranking internacional é uma grande vitória e conseguir reverter a tendência de queda que existia quando eu assumi é uma grande vitória da nossa comunidade. É fruto de esforço dos nossos professores que fazem pesquisa de qualidade”, reflete.
Destaque em levantamento
Em outro ranking divulgado esta semana, o Times Higher Education (THE) Golden Ages, a UnB subiu faixa entre as 151 e as 200 melhores para o intervalo entre as 101 e as 150 melhores. O estudo reúne as mais bem-conceituadas instituições de ensino superior fundadas entre 1945 e 1967, a denominada época de ouro. “Nós estamos melhorando nos rankings e, para melhorar mais, devemos seguir com a política que adotamos de investir em pesquisa, investir nas unidades acadêmicas e investir na qualidade do gasto internamente”, diz Márcia.
“Conseguimos reverter a tendência de queda nos rankings e estamos muito felizes porque nossa comunidade, com muito trabalho, dedicação, competência e menos dinheiro, está na tendência de subida. O Golden Ages é mais um indicador que mostra a melhoria da UnB”, celebra. A pontuação da Universidade de Brasília melhorou em ensino, pesquisa, citações e panorama internacional. O aspecto em que a UnB não avançou é o chamado de “indústria”. Em vários levantamentos, é levada em conta a relação com a indústria e a inserção de alunos nesse mercado de trabalho.
Márcia pondera que este é um ponto em que a UnB nunca se sai bem justamente porque o DF não é uma região com muitas fábricas, diferentemente do que acontece em São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina. A reitora analisa que nem todos os indicadores retratam fielmente a realidade. “O quesito empregabilidade pesquisa isso em empresas privadas. Mas a maior parte dos nossos ex-alunos está no serviço público. Então, essa comparação fica injusta.”
Saiba Mais
As estaduais paulistas — incluindo Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) — costumam aparecer muito bem em rankings e têm um diferencial em comparação com as federais, que é a maior autonomia de utilização de cursos. “Elas têm essa liberdade maior, contam com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que investe fortemente em pesquisa. A USP tem ainda outra questão que é um número muito maior de alunos de pós-graduação, o que se reflete nos indicadores de publicações.”
Três perguntas para / Márcia Abrahão, reitora da UnB
Como a questão orçamentária afetou os resultados?
Quando eu assumi, a universidade tinha acabado de ter redução de orçamento de 50% porque, entre 2015 e 2016, a UnB recebeu recurso do MEC e não usou tudo. Isso é questão de governança. Calhou também de, em 2017, vir a PEC do Teto dos Gastos Públicos, que limita o uso do orçamento que arrecadamos. Ainda por cima, em 2018, R$ 70 milhões que a UnB poderia estar investindo em laboratórios foram retirados pelo Ministério da Economia para pagar aposentados e pensionistas. Mesmo assim, estamos investindo em publicações, aumentamos a iniciação cientifica, aumentamos as bolsas internas e aumentamos a qualidade do gasto. Priorizamos recursos para a área fim da universidade, que é ensino, pesquisa e extensão e melhoramos a governança, inclusive concluindo obras inacabadas. Você não vê mais na UnB aqueles esqueletos de obras inacabadas. E o que dói é saber que tinha dinheiro, mesmo assim, deixou obra inacabada…
E como sua gestão lidou com isso?
Fizemos a melhoria da governança da UnB com o orçamento discricionário (que não considera pagamento de pessoal). Nós tivemos no período, somando tudo, uma redução de orçamento de 42,9% e, para as unidades acadêmicas, aumentamos o orçamento em 36%. Como? Qual o milagre? Avaliamos todas as despesas, havia um descontrole, contratos fora da realidade. Fizemos um trabalho interno com uma comissão interna para avaliar e propor soluções. Fizemos ajustes difíceis e dramáticos, mas que precisavam ser feitos por uma situação de total descompasso entre despesas e receitas, com despesas que não faziam sentido. Implantamos energia fotovoltaica em todos os câmpus. Fomos fazendo esse equilíbrio devagar. O primeiro ano foi muito difícil, mesmo assim, tivemos um pequeno aumento no orçamento nas unidades acadêmicos. Este ano temos uma novidade que é um orçamento específico para a Extensão de R$ 500 mil.
O que tem sido feito para melhorar o resultado da UnB em rankings?
Em 2017, eu fiz uma reunião pública e mostrei como estava a tendência de queda dos rankings e chamei a comunidade para encarar esse desafio de estancar a tendência de quedas pegando vários anos para trás. E nós tínhamos um desafio a mais, pois tínhamos de reverter essa tendência tendo orçamento reduzido. E agora começam a aparecer os resultados mais significativos. Para melhorar a reputação acadêmica, investimos muito na internacionalização e tudo de maneira transparente. Fizemos editais de apoio à publicação em revistas internacionais e também investimos nas unidades acadêmicas. Quando a gente olha por dentro desses indicadores, a gente vê que crescemos internamente. Agora, a gente tem mais laboratório e isso vai refletir nos rankings. A UnB tem melhorado apesar de todos os desafios e todas as reduções orçamentárias (para a universidade e para a área de pesquisa no país inteiro) e tudo isso com inclusão, uma marca da nossa gestão. A gente cuida da comunidade, por exemplo, com todos esses projetos em combate ao coronavírus. Incluímos mais estudantes indígenas, acabamos de aprovar cotas para negros, índios e quilombolas na pós-graduação. A universidade começou a cuidar melhor de sua comunidade e dar condições para ela melhorar academicamente, com uma governança melhor.