A substituição das aulas presenciais por atividades on-line nas instituições de ensino superior gerou polêmica. De um lado, há alunos que se adaptaram bem ao novo modelo e garantem que é a melhor opção diante do cenário atual. De outro, estudantes enfrentam problemas para migrar para o ensino remoto e não estão satisfeitos com as aulas virtuais. Nesse contexto, grupos de alunos de diferentes universidades e faculdades particulares do Distrito Federal cobram a redução das mensalidades enquanto as atividades presenciais estiverem suspensas.
Além do argumento de que as aulas virtuais perdem em qualidade para as presenciais, os estudantes levantam outra problemática: muitos estão enfrentando dificuldades financeiras diante da crise econômica provocada pelo avanço do coronavírus, o que dificulta o pagamento das mensalidades.
Na opinião da estudante de psicologia do Centro Universitário UDF Denise Garcia, 35, a instituição deveria flexibilizar a forma de pagamento durante o período de quarentena. “A maioria dos alunos da UDF é de classe média ou média baixa e não tem tanta facilidade para arrecadar dinheiro, principalmente no período de recessão”, justifica.
Uma possibilidade, segundo a estudante, que também é advogada trabalhista, seria não incidir juros nem correção monetária no caso do atraso de parcelas. Outra opção é reduzir um terço do valor da mensalidade, já que, no momento, as aulas estão ocorrendo virtualmente.
Ela sugere também que, caso um estudante bolsista precise trancar a faculdade neste período, não perca o desconto no semestre seguinte. “Não que a gente queira que o curso seja comparado a um EAD (ensino a distância), mas que seja tratado de forma mais econômica, um pouco mais em conta, já que nada está sendo feito presencialmente”, afirma.
"Estamos desprotegidos"
“Tendo em vista que a UDF não está gastando com transporte de professores e pôde reduzir o salário em uma terça parte (foi viabilizado via decreto que reduzissem os salários dos funcionários), ela também deve levar em conta as pessoas que contribuem para o crescimento da faculdade, que são seus clientes e estudantes”, completa.
Ainda segundo a advogada, da forma como a situação está sendo levada pela instituição, os alunos ficam desprotegidos. “Está muito difícil bancar o estudo. Se a pessoa tiver que escolher entre educação e alimentação, ela vai escolher a segunda opção. Infelizmente, essa é a realidade, ainda mais se tratando de um curso superior.”
Saiba Mais
Em nota, a UDF afirmou que, em atendimento aos decretos do GDF e às portarias portarias nº 343 e 345 do Ministério da Educação (MEC), substituiu as atividades presenciais por aulas em meios digitais e, para isso, conta com “uma das melhores plataformas digitais no mundo”, conhecida como Ambiente Virtual de Aprendizagem.
De acordo com a instituição, “as aulas estão sendo realizadas de forma síncrona, com o mesmo corpo docente das respectivas disciplinas, que possibilitam interação em tempo real entre professor e aluno, e também de forma assíncrona, no qual o conteúdo fica disponível na plataforma”. Por isso, “com a continuidade da disponibilização da infraestrutura do UDF (seus professores e canais) e de seus serviços (aulas, conteúdos, horários), as mensalidades estão mantidas”.
"A instituição está fazendo o máximo, mas é um momento complicado"
No Centro Universitário Iesb, os alunos também se mobilizaram para cobrar a redução da mensalidade. O estudante de publicidade Kevin Cavalli, 20, conta que, quando o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, prorrogou a suspensão das aulas por mais 15 dias além do previsto, os estudantes perceberam que a situação era mais grave do que parecia.
“Foi aí que a faculdade decidiu se posicionar e colocar as matérias com aulas remotas”, lembra. “Nós percebemos que ficaríamos em casa por muito tempo sem as aulas presenciais e entendemos que o valor da mensalidade seria muito injusto para matérias a distância e videoaulas”, acrescenta.
Ainda segundo o estudante, as aulas remotas trouxeram alguns problemas, porque nem todos os alunos e professores estão conseguindo se adequar ao modelo.
Na quinta-feira (26), a reitoria do centro universitário emitiu um comunicado anunciando as medidas que serão tomadas para terminar o semestre letivo “com o menor impacto possível para o aprendizado dos estudantes e com tranquilidade para as pessoas que trabalham pelo Iesb”.
Entre as providências está a “concessão de descontos de 10% a 90% nas mensalidades de abril, maio e junho de 2020 para quem teve a renda reduzida ou completamente impactada pelas medidas de distanciamento social (mediante solicitação e comprovação)” e empréstimos de computadores.
Na opinião de Kevin, as medidas mostram que o centro universitário está se empenhando para auxiliar os estudantes. “Estão colocando computadores à disposição (...), a equipe de TI (tecnologia de informação) também está ajudando bastante na questão técnica, os professores estão conversando com a gente o tempo inteiro…”
No entanto, de acordo com ele, a forma de conceder descontos não foi a mais justa. “É muito seletivo o processo de requerimento de desconto. Você tem que enviar várias informações sobre seus últimos meses de extratos e carteira de trabalho, sendo que o surto começou agora e a gente precisa do desconto neste momento”, diz.
“O mais justo seria adotar uma redução geral na mensalidade, justamente pelo fato de a gente não estar tendo a estrutura que a faculdade fornece”, acrescenta. “Não era bem o que a gente esperava, mas também não dá para esperar muito, principalmente no momento complicado que estamos vivendo”, pondera.
Estudantes fazem petições na internet
Em um abaixo-assinado on-line, que teve quase duas mil assinaturas, alunos da Universidade Paulista (Unip) pedem que “sejam disponibilizados materiais EAD para todos os cursos, nas plataformas dos alunos que cursam presencialmente, e que a mensalidade referente ao período turbulento seja reduzida ao valor da mensalidade de cursos a distância”. A justificativa é que eles não poderão usufruir de aulas presenciais “devido à situação de quarentena em que o país se encontra”.
“Se existem dois tipos de pagamento, um para EAD e outro presencial (mais caro), deve ser cobrada a mensalidade em relação ao que estamos vivendo. E, querendo ou não, estamos tendo um ensino a distância nesse tempo”, opina o estudante de ciências contábeis da Unip, Daniel Valadão, 21.
Procurada pelo Correio, a instituição afirmou que “não há nada decidido sobre este assunto (redução das mensalidades) no momento”, mas que “continua trabalhando intensamente para garantir o aprendizado e preservar o tempo de finalização de cada curso”.
Semesp considera movimento “irresponsável”
Para o Semesp, entidade mantenedora de estabelecimentos de ensino superior, o movimento que pede redução das mensalidades é “irresponsável”. De acordo com a entidade, o argumento de que há redução de gastos das faculdades e universidades é equivocado. Além disso, a proposta de diminuição do valor “ameaça a manutenção de empregos de milhares de professores e colaboradores”.
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá