A Universidade de Brasília (UnB) abriga cerca de 370 alunos de graduação e pós nos prédios da Casa do Estudante Universitário (Ceu) e Ceu-Pós. Para assistir ainda mais os residentes e a comunidade discente socioeconomicamente vulnerável, a instituição tem buscado soluções.
Na manhã desta sexta-feira (27), o Decanato de Desenvolvimento Social (DDS) publicou edital para o auxílio alimentação emergencial decorrente da suspensão das atividades acadêmicas em função da pandemia do Coronavírus. Destinado aos alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica inesperada e momentânea, o programa oferta 2.500 bolsas de R$ 465. O formulário de inscrição foi encaminhado por e-mail a todos os estudantes assistidos pelo DDS.
O benefício do Programa de Moradia Estudantil é voltado exclusivamente para estudantes do câmpus Darcy Ribeiro, cujas famílias não têm imóveis nem residência fixa no Distrito Federal. Para evitar a propagação do Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os decretos do Ministério da Educação (MEC) e do Governo do Distrito Federal (GDF) reforçam que a melhor alternativa é o isolamento social.
A situação modificou a rotina de milhões de pessoas, inclusive a dos moradores dos prédios da Casa do Estudante. O momento é delicado. A Ceu fica dentro do câmpus, em uma localização isolada do restante da cidade. O passe estudantil foi bloqueado enquanto durar a suspensão das aulas, muitos não recebem auxílio econômico e a situação é cada vez mais preocupante.
Para proteger e auxiliar esses alunos, a Universidade de Brasília tem tomado medidas inéditas. Entre elas, a distribuição de marmitas e a restrição de visitas e pernoites.
Restrição de visitas
Uma das primeiras medidas tomadas pela UnB em relação à Casa do Estudante foi a restrição de visitas. Antes, os residentes tinham o direito de receber amigos e familiares, além da autorização de até 15 pernoites por mês. “Enquanto temos apenas os quatro moradores, ficamos com uma população menos sujeita ao contágio”, explica Maria do Socorro Mendes Gomes, diretora de Desenvolvimento Social da UnB.
Marcos Vinícius Miranda, 27 anos, residente na casa há quase dois anos, conta que no começo a medida recebeu algumas críticas dos domiciliados. Com o tempo, a ideia passou a ser mais acolhida. Segundo o discente do 5º semestre de engenharia de produção, os zeladores têm seguido a recomendação à risca. “O vírus é muito contagioso. Então, há essa necessidade de cuidado, isolamento e clima de quarentena”, opina.
A estudante do 8º semestre de administração, Maísa Farias, 24, afirma que a medida tornou o lugar seguro para ficar em isolamento e com o mínimo de exposição a contaminação comunitária. “A maioria dos moradores da Ceu não tem família em Brasília ou outro lugar para ir. A UnB tem sido responsável e atenciosa em relação ao trato com os residentes. O diálogo aberto ocorre diariamente, sempre checam como estamos e quais são nossas necessidades”, defende.
Luiz O. Vieira, 21, está no 8º período de psicologia e mora há quatro anos na Ceu. Ele diz que, apesar de parecer autoritária, a decisão está em concordância com as orientações do Ministério da Saúde e outros órgãos públicos. “Se alguém do prédio se contaminasse, muito provavelmente, isso espalharia muito rapidamente aqui”, supõe.
Felipe Teles Prado, 22, estudante do 6 º semestre de engenharia de produção, considera a atitude da universidade positiva. “Reduzindo o fluxo de pessoas no prédio, você reduz a possibilidade de transmissão”, pontua.
Quase no fim do curso, Gleyciane Reis, 23, que também faz engenharia de produção, relata que o prédio está mais vazio. Com as aulas suspensas, alguns estudantes que vieram do entorno e cidades mais próximas voltaram para a casa de suas famílias.
Saiba Mais
Para Gleyciane, a restrição de visitas pode ser dolorosa, mas necessária. “A solidão se torna um problema se não tentarmos manter a comunicação com as pessoas que nos querem bem”, desabafa. Apesar do ponto negativo, a aluna explica que essa é uma consequência da quarentena e não diretamente da medida tomada pela gestão. “É preciso ter compreensão nesse momento de crise”, pede.
Alimentação
Em função da aglomeração de pessoas, a UnB suspendeu o funcionamento padrão do Restaurante Universitário (RU). Agora, a empresa terceirizada contratada para produzir a alimentação dos alunos, distribui marmitas no próprio estabelecimento e na Casa do Estudante. Os moradores têm direito ao café da manhã, almoço e jantar. Todos os dias, eles assinam uma lista informando quantas opções de refeições irão querer. Esse procedimento divide opiniões.
Geraldo Luiz Costa Junior, 34, é estudante de teoria crítica e história da arte e morador da casa desde maio de 2019. Militante de associações de defesa da comunidade discente, ele critica a forma de distribuição da refeição. “Os estudantes, inclusive eu, logo após terminar de comer continuam com fome”, relata.
Segundo Geraldo, a reclamação foi repassada ao restaurante. A comida chegou a aumentar um pouco, mas não resolveu o problema. A sugestão é de que a universidade, em vez de fornecer as refeições feitas pelo RU, oferte a alimentação por pecúnia (auxílio financeiro). “Temos alunos passando fome, com necessidades”, justifica.
A diretoria de Desenvolvimento Social da UnB, Maria do Socorro Mendes Gomes, explica que a instituição recebe recurso orçamentário anual para custear a permanência dos alunos em vulnerabilidade econômica na instituição. Esse apoio se dá por meio de auxílios, inclusive o de alimentação. Com o fechamento temporário do RU, a verba “restante” será transferida para o auxílio emergencial. “Estamos fazendo esforço institucional para fazer o remanejamento do dinheiro e disponibilizá-lo para o custeio dessas bolsas”, afirma.
Enquanto alguns estudantes reclamam que continuam com fome, outros apontam que há muita comida e, em consequência, o desperdício. São dois cardápios, o vegano e outro para quem come proteína animal. A quantidade é padrão. “Esse é um formato emergencial que foi adotado especialmente para garantir que não falte alimentação aos estudantes. Agora, evidentemente é limitado. Uma logística diferente disso seria inviabilizada com o espaço de tempo”, explica Maria do Socorro.
Outra reclamação constante é a qualidade das refeições oferecidas pelo restaurante. “Infelizmente a empresa terceirizada não tem tomado muito cuidado com isso”, afirma o residente Victor Hugo, 31, que cursa o 6º semestre de letras tradução.
Thiago Fidelis, 19, tem a mesma opinião. O estudante do 5º semestre de medicina, afirma que, em 80% das vezes, a carne chega crua. “É muito fácil ter uma diarréia ou outras infecções gastrointestinais comendo alimentos mal cozidos”, completa.
Há quem só faça elogios a entrega de marmitas. “Estou recebendo essa comida sem ter que me expor. Eu só desço do prédio, pego a refeição, volto e me higienizo de novo”, diz Luiz O. Vieira. “É muito bom ter esse cuidado da universidade conosco”, ressalta.
Suelane Silva, 19, do 3º semestre de biblioteconomia, ressalta que, por Brasília ser uma cidade ocupada majoritariamente pela elite, os preços dos mercados são muito altos para quem vive de bolsa. Dessa forma, a distribuição da alimentação embaixo do prédio é tão necessária. “Pelo perfil da casa de vulnerabilidade socioeconômica, muitas vezes a gente não tem uma condição financeira de fazer nossa própria comida”, mostra.
Saúde
Os estudantes pedem a universidade o fornecimento de álcool em gel e máscaras. “Nós temos as mesmas necessidades de qualquer outra pessoa durante essa pandemia. Precisamos de proteção”, diz Suelane Silva.
A diretora do DDS, Maria do Socorro, informou que a UnB não tinha os produtos. Recentemente, em parceria com o Instituto de Química, conseguiram abastecer o estoque para a equipe de portaria e que trabalha com atendimento ao público. Para o fornecimento dos itens de higiene aos alunos da Ceu, a diretora informou que ainda não foi fornecido pela falta dos produtos no mercado.
Há também a preocupação da instituição com a saúde mental dos estudantes durante o período de isolamento. Maria do Socorro revela que há uma parceria com a Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (DASU) para ofertar atendimentos virtuais de apoio psicológico.
A dica para os estudantes, é que aproveitem o tempo da quarentena para aprender, ser produtivo e refletir. Assim como o aluno do sétimo semestre de educação física, André João Costa, 30. “Estou lendo uns livros, aprendendo a tocar violão. Lógico que é meio chato ficar no isolamento, mas penso que a galera está indo bem”, conta.
Alunos do auxílio socioeconômico
Os estudantes não residentes da Ceu também precisam de amparo com a crise. A aluna Maria Antônia Jarriane, 23, cursa o 10º semestre de psicologia, mora em Sobradinho e tem dois filhos, Nicolas, 2, e Heloísa, 7 meses. A mãe veio para o Distrito Federal para ajudar com as crianças.
Maria depende da assistência da UnB para se manter. As refeições da família são feitas em casa com esse recurso. “Meus filhos dependem quase que exclusivamente de mim. Sou mãe solo. Tudo que precisam, eu tenho que fazer por eles”, conta.
Caso contemplada com a bolsa alimentação emergencial de R$ 465, a aluna poderá ficar mais tranquila. “Temos diversas despesas. São auxílios como esses que nos possibilitam sobreviver”, afirma.
Passe estudantil
Devido à distância da Casa do Estudante de estabelecimentos essenciais como farmácias, mercado, postos de saúde e hospitais, o bloqueio do passe estudantil impossibilita a locomoção. “O pessoal precisa pegar ônibus para resolver uma questão de saúde, comprar alguma coisa para se alimentar”, ressalta Geraldo Luiz.
A Universidade de Brasília informa que repassou lista com o nome dos alunos em situação de vulnerabilidade ao BRB Mobilidade. Segundo Maria do Socorro, a situação em breve será regularizada.
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá