Ana Paula Lisboa
postado em 13/09/2019 08:00 / atualizado em 26/04/2021 14:34
“O investimento em ciência e nas universidades gera retornos que vão muito além dos acadêmicos”, ressalta o alemão Torben Schubert, estudioso da economia da ciência, campo que investiga e mede o impacto de instituições de ensino superior e pesquisa. Ele se divide entre as cidades de Karlsruhe, na Alemanha, e Lund, na Suécia, e veio ao Brasil pela primeira vez esta semana para participar do 2º Fórum & Feira de Internacionalização da Universidade de Brasília (UnB), que ocorreu entre terça-feira (10) e ontem (12). Schubert foi convidado para a palestra de abertura, em anfiteatro no Instituto Central de Ciências (ICC) do câmpus Darcy Ribeiro, onde falou sobre o tema “Universidades e organizações públicas de pesquisa como drivers do desenvolvimento econômico”.
Participaram do evento, além de outros interessados, professores da UnB e de outras universidades, representantes de delegações da União Europeia, de embaixadas, de órgãos do Distrito Federal, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A programação reuniu especialistas do Brasil e do exterior para dialogar sobre internacionalização da ciência e desenvolvimento socioeconômico. Pesquisador do Instituto Fraunhofer de Sistemas e Inovação ISI, na Alemanha, onde fez doutorado, e professor-associado da Universidade de Lund, Torben Schubert defende que “nem todos precisam se tornar cientistas, mas todos devem entender o que faz um cientista”.
Entre os benefícios decorrentes do investimento em ciência, revela o especialista em gestão estratégica de processos de inovação em empresas, estão aumento da geração de empregos e do PIB (Produto Interno Bruto) de um país. Portanto, defende ele, um momento de crise não é hora de parar de investir nisso. “Esse é um forte argumento para sustentar o apoio do governo no ensino superior. Contudo, os efeitos tendem a levar longos períodos para se manifestar. Há pouca ou nenhuma base para fazer suposições sobre benefícios de curto prazo”, alerta. Bem como os efeitos de investir em ciência, as consequências negativas de não investir também levam décadas para aparecer. Assim, ganha relevância a defesa de mais recursos pela educação e pela pesquisa justamente durante momentos de contenção orçamentária, observa Schubert. O que deve se embasar em dados fortes e números.
Nesse sentido, a decana de Planejamento e Orçamento da UnB, Denise Imbroisi, adianta que professora do Departamento de Economia da UnB está preparando um estudo de economia da ciência que deve ficar pronto em três meses. Torben Schubert deu consultoria científica em temas relacionados à inovação e à ciência para os formuladores de políticas públicas de toda a Europa. Especialista ainda em economia de inovação e medição de desempenho na ciência, ele, que estudou economia na Universidade de Colônia, na Alemanha, observa que há muitos indícios de que a cooperação entre instituições científicas, incluindo as universidades, e empresas impactam positivamente a produtividade das firmas e dos trabalhadores. O que é um forte argumento para incentivar parcerias entre universidades e o setor particular.
Histórico
As primeiras pesquisas para avaliar o impacto de instituições de ensino superior, explica Schubert, datam da década de 1970. “Desde os anos 1980, o aumento do interesse político na contribuição econômica das universidades ao ambiente em que se encontram tem trazido impulso para esse debate”, explica. No entanto, a maior parte dos levantamentos sobre o assunto focam o que ele chama de “efeitos colaterais dessas instituições”, como demanda de alunos e de empregadores e até quantidade de investimento. “O conhecimento e a criação de capital humano são as principais atribuições de uma universidade. Mas conhecimento é intangível.”
Além disso, levar em conta indicadores como quantidade de artigos acadêmicos publicados pode ser complicado. “É uma métrica aceitável, mas não perfeita, pois os estudos variam muito entre si.” Assim, há outras questões a serem consideradas. Desde algumas mais tangíveis, como patentes, até outras menos concretas, por exemplo, influência no meio regional e nas lideranças. “Contudo, os efeitos não necessariamente acontecem na região onde os investimentos foram feitos: os arredores podem se beneficiar fortemente”, afirma. “Isso porque, muitas vezes, os graduados não trabalham na mesma cidade onde se formam, por exemplo.”
Em conversa exclusiva com o Correio, Schubert respondeu questionamentos. Confira:
Há muitos estudiosos da área de economia da ciência ao redor do mundo?
Acho que há realmente um grande número de pessoas trabalhando com a economia da ciência. É um tópico que tem certa tradição e que tem sido pesquisado, dependendo de como você conta, desde os anos 1970 ou, mais recentemente, desde os anos 1990. Mas, claro, há outras áreas como a sociologia da ciência e há geógrafos humanistas que estudam tópicos relacionados. Eu diria que é uma comunidade que é bem estabelecida, com muitos pesquisadores em todo o mundo, trabalhando em tópicos relacionados a isso.
Resumidamente, quais são os critérios para determinar o valor ou impacto da ciência, da pesquisa e das universidades?
Essa é também uma questão filosófica até certo ponto. A resposta depende do que você julga como relevante e do que a sociedade julga como relevante. Claro, universidades têm impacto econômico. E o trabalho que temos feito é, principalmente, no sentido de contribuir para determinar e medir esse impacto. Muitos campos da ciência contribuem para educar o público geral. Eu sei, por exemplo, de pesquisadores da área de ciência medieval que organizam, em parceria com museus, exibições sobre história medieval. Claramente, isso não é mensurável em termos econômicos, mas iniciativas como essa são importantes também. Eu diria que universidades geralmente contribuem ativamente para educar pessoas com, diríamos, uma mentalidade aberta, acreditando no progresso acadêmico e científico. E esse valor é enorme, mas não pode ser medido em euros ou dólares ou em qualquer outra moeda.
Em sua palestra, o senhor mencionou como é complicado determinar áreas de prioridade para investimento. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, propôs diminuir os recursos para ramos como filosofia e sociologia nas universidades públicas, com apoio do presidente da República, Jair Bolsonaro. A verba seria alocada em cursos que “geram retorno de fato”, nas palavras de Bolsonaro, como “enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”. Como o senhor avalia esse tipo de projeto?
Isso é perigoso. Acredito que há consenso, por exemplo, na Alemanha e também na Suécia, onde trabalho, de que o melhor é que a própria ciência regule a si mesma e sua agenda. Quando legisladores e políticos se tornam responsáveis por “dirigir” agendas científicas, isso é sempre um problema. Não apenas porque eles podem ter vieses e preferências, mas também porque tipicamente eles não são as pessoas mais bem informadas para tomar essa decisão.
O Ministério da Educação (MEC) lançou o programa Future-se para facilitar a entrada de verba particular nas universidades públicas, por exemplo, por meio de parcerias. Qual a sua avaliação sobre a participação de instituições privadas nas instituições de ensino públicas?
É uma questão difícil que não pode ser respondida facilmente com “sim” ou “não”. Por um lado, se você, como um cientista, colabora com uma empresa, claro que precisará fazer concessões com relação ao que estudar e até com relação ao que divulgar sobre aquela pesquisa, pois algumas firmas têm problemas com ver todos os dados serem liberados… Por outro lado, esses são sacrifícios e, algumas vezes, eles são mais relevantes que em outras ocasiões. Mas, ao mesmo tempo, se você se fecha com relação à sociedade e com relação às empresas, isso coloca em perigo o entendimento do público no tocante a se e como financiar a ciência. A ciência e os cientistas têm sempre de fazer um esforço de estarem abertos a demandas que vêm da sociedade.
O que é preciso para que governos e a população — mesmo quem não frequentou — valorizem as universidades públicas?
Universidades têm algum potencial e devem se esforçar para serem abertas e conseguirem reagir a certas demandas do público, talvez focando problemas específicos do país onde se situam. Podem ser, por exemplo, questões de saúde, redução da pobreza… Pode ser qualquer tema que seja importante para o país e para as pessoas que, no fim das contas, financiam a educação superior pública. No entanto, isso não é responsabilidade só das universidades — elas precisam de apoio público para fazer isso. O que eu acho importante, na prática, é que você tenha uma grande parcela das pessoas sendo educadas numa universidade e sendo expostas à metodologia científica. Isso é falar sobre fatos em vez de mitos, usar metodologias que sejam transparentes e replicáveis. Se uma grande parcela da população tiver experimentado o que a metodologia científica significa e o quão poderosa ela é, essas pessoas trarão esses valores para a comunidade e para pessoas que não tiveram acesso àquela universidade. Na Alemanha, um terço dos habitantes chegaram ao ensino superior. Não é o percentual mais alto dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas já é uma quantidade suficiente para que todo mundo, em todo lugar, conheça muita gente que tenha frequentado essas universidades.
Apesar de, em muitos casos, a sociedade e o governo reconhecerem o valor da ciência e das universidades, quando há alguma crise, essas costumam ser áreas que sofrem cortes orçamentários. O que é preciso para evitar isso?
Por um lado, o que é importante é que você tenha argumentos sólidos e isso, quando se fala em política pública, significa também ter números e indicadores econômicos para apresentar. Na minha experiência, é a isso que os responsáveis por decisões políticas tendem a prestar atenção. É mais efetivo do que uma narrativa do tipo: “Universidades são importantes, fazem grandes coisas e todo mundo sabe disso”. O problema é que, quando o contexto fica muito difícil, você precisa provar isso. Mas é verdade que você precisa ter um consenso geral sobre isso. Na Alemanha, seria muito difícil um político questionar o valor geral das universidades e sua contribuição. Se um político chegasse a fazer isso, estaria perto de cometer suicídio político. Mesmo se um político realmente pensasse assim, seria muito difícil que ele chegasse a expressar isso publicamente, pois vai contra o consenso público.
Como o senhor avaliar a cobrança de mensalidades em universidades públicas?
Nos locais onde trabalho, os residentes do país e da União Europeia não pagam mensalidades. A Alemanha não tem mensalidade nas faculdades públicas. Há algumas particulares, e essas cobram taxas. Mas a maior parte das instituições de educação superior são públicas e livres de mensalidades (a não ser para estrangeiros sem residência permanente). Na Suécia, acontece o mesmo. Eu pessoalmente acredito que pode ser efetivo ter mensalidades, pois isso dá às universidades públicas um orçamento maior sobre o qual elas tenham autonomia para fazer decisões. Para a universidade, seria assim: “é meu dinheiro e ninguém pode levá-lo embora”. Contudo, ao mesmo tempo, você precisa garantir que as pessoas mais pobres consigam continuar tendo acesso a essas instituições. Os Estados Unidos e a Inglaterra são grandes exemplos de países que cobram mensalidades e que, tipicamente, têm programas elaborados para estudantes de alto potencial que vêm de uma origem pobre. Então, se uma universidade pública implementa mensalidades, teria de implementar esse tipo de programa também.