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Governo francês escolhe filósofa brasileira como "personalidade do amanhã"

A honraria é concedida pelo Ministério das Relações Internacionais da França

Tayanne Silva*
postado em 08/03/2019 17:41
Luta, felicidade, empoderamento. Essas são palavras que descrevem o momento da filósofa Djamila Ribeiro, 38 anos, que está em Paris. Mestre pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), autora de livros e colunas, ela foi a única brasileira selecionada para representar o Brasil no programa ;Personalidade de Amanhã;, ao lado de representantes de países da América Latina e do Caribe. O projeto do Ministério das Relações Internacionais da França existe há 30 anos e seleciona uma pessoa por país da América Latina e do Caribe por sua projeção atual e impacto no futuro.
A filósofa brasileira foi escolhida para participar do programa por causa do trabalho que desenvolve abordando a discussão de gênero e raça, que tem transformado a sociedade. Djamila passou a ser reconhecida no país por usar as redes sociais para compartilhar conteúdo contra o racismo. Ela é autora d os livros O que é lugar de fala? e Quem tem medo do feminismo negro? Agora, segundo informou, as obras serão traduzidas para o francês.
A honraria é concedida pelo Ministério das Relações Internacionais da França
;Eu faço o que eu faço com amor e verdade porque acredito na justiça social e em uma sociedade com oportunidades iguais. Para isso que luto! Isso seguindo as trajetórias de negras que abriram caminho para eu mudar a sociedade;, afirma. A pensadora assegura que não busca ser uma figura simbólica para as pessoas. ;Caso consiga influenciá-las e sejam tocadas pelo meu trabalho, fico feliz;, observa.
Desde o ano passado, dentro desse programa, o Ministério das Relações Internacionais da França lançou a categoria da identidade de gênero. O primeiro grupo foi integrado por representantes do Oriente Médio. "Agora, somos do segundo grupo, a América Latina (Guatemala, Argentina, Chile, entre outros);, explica. A filósofa brasileira passará 10 dias na França, cumprindo agendas institucionais, visitando órgãos oficiais franceses e o Parlamento Europeu.

Ela, com o resto dos premiados, até terá um encontro com o presidente da França, Emmanuel Macron, além de reuniões com ativistas locais e conversas com representantes da sociedade civil. ;Eu terei a oportunidade de conhecer várias pessoas do governo e civis ligadas à política da igualdade de gênero. Também teremos reconhecimento do nosso trabalho, cada um no seu país e agenda com a mídia;, diz.

Em uma publicação no Facebook da filósofa, ela expressou a alegria para amigos e seguidores, pois foi selecionada para o programa Personalidade do Amanhã como representante do Brasil em Paris.
A honraria é concedida pelo Ministério das Relações Internacionais da França

Filosofia, racismo e feminismo negro

A filósofa Djamila Ribeiro nasceu e cresceu no município de Santos, em São Paulo, e, desde pequena, foi incentivada a pensar e a refletir. Ela entrou na universidade aos 27 anos e estudou com colegas adolescentes, na faixa etária de 17 e 20 anos. Muitos disseram a ela que o curso de filosofia era ;perda de tempo;, que ela deveria fazer ;algo mais útil;, e que deveria estudar em um lugar mais perto de casa, uma vez que, na época da faculdade, tinha uma filha de 7 anos. ;Sempre gostei de filosofia! Meu pai me incentivou a ler desde cedo. Então, é algo que foi muito presente na minha vida;, afirma.

;Quem sempre me influenciou a lutar contra o racismo foram meus pais;, conta Djamila. Segundo ela, desde pequena esse assunto era muito discutido entre a família. ;Mas eu comecei a falar de feminismo negro quando entrei na Casa da Cultura da Mulher Negra, uma ONG de Santos (SP). Esse lugar, me mostrou e ensinou quem eram essas mulheres negras que pensaram em projetos de mundo;, observa. Para ela, ter conhecido essa ONG no fim da fase da adolescência e o começo da vida adulta foi um grande marco.

Além disso, ela explica que o grande erro das pessoas é pensar que o feminismo negro é falar somente das mulheres negras. ;É o contrário, são mulheres negras pensando em projetos de mundo e mais democráticos. A grande maioria dessa população não está inserida dentro da sociedade, não podemos dizer que vivemos democraticamente.; A pensadora enfatiza a importância de expandir a luta e o conceito de humanidade. ;Para que esses grupos que foram historicamente discriminados possam ser considerados humanos, assim por diante, serem considerados cidadãos e cidadãs;.

Outros planejamentos
A filósofa tem outros projetos para o futuro, mas prefere não citá-los agora. As obras Quem tem medo do feminismo negro? e O que é lugar de fala? foram traduzidas para o francês. Ela enfatiza que essa é uma oportunidade de poder dialogar com mais pessoas, sobretudo em um país que geralmente lê livros de autores de países do hemisfério norte. ;Estou muito feliz por ser uma mulher negra do sul do mundo e ter uma obra traduzida;, diz, satisfeita.
Djamila também é a coordenadora da coleção Feminismos Plurais da editora Letramento, que tem por objetivo democratizar conhecimento e disputar narrativas sobre o assunto. A pensadora ministra palestras e bate-papos, produz artigos e atualmente é colunista de revistas que tratam de gênero e raça. É bastante ativa na internet, tem cerca de 211 mil seguidores no Facebook e 321 mil no Instagram. Ela foi secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo durante a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad.

Confira honrarias que Djamila Ribeiro ganhou nos últimos dois anos:

  • Prêmio Trip Transformadores - 2017
  • Melhor colunista no Troféu Mulher Imprensa - 2018
  • Está entre as 100 pessoas mais influentes do mundo abaixo dos 40 anos, segundo Organização das Nações Unidas (ONU) - 2018
  • Foi a primeira mulher brasileira a ser convidada para o Festival do Livro de Edimburgo (Reino Unido) - 2018
  • Prêmio Jabuti de Literatura - categoria: humanidades - com o livro: O que é lugar de fala? - 2018
Leia!
A honraria é concedida pelo Ministério das Relações Internacionais da França
Quem tem medo do feminismo negro?

Reúne um longo ensaio autobiográfico inédito e uma seleção de artigos publicados por Djamila Ribeiro no blog da revista CartaCapital, entre 2014 e 2017. No texto de abertura, a filósofa e militante recupera memórias de seus anos de infância e adolescência para discutir o que chama de ;silenciamento;, processo de apagamento da personalidade por que passou e que é um dos muitos resultados perniciosos da discriminação. Foi apenas no fim da adolescência, ao trabalhar na Casa de Cultura da Mulher Negra, que Djamila entrou em contato com autoras que a fizeram ter orgulho de suas raízes e não mais querer se manter invisível. Desde então, o diálogo com autoras como Chimamanda Ngozi Adichie, Bell Hooks, Sueli Carneiro, Alice Walker, Toni Morrison e Conceição Evaristo é uma constante. Muitos textos reagem a situações do cotidiano ; o aumento da intolerância às religiões de matriz africana; os ataques a celebridades, como Maju Coutinho ou Serena Williams ; a partir das quais Djamila destrincha conceitos como empoderamento feminino ou interseccionalidade. Ela também aborda temas como os limites da mobilização nas redes sociais, as políticas de cotas raciais e as origens do feminismo negro nos Estados Unidos e no Brasil, além de discutir a obra de autoras de referência para o feminismo, como Simone de Beauvoir.

Editora: Companhia das Letras
Autora: Djamila Ribeiro
148 páginas/ R$ 29,90

A honraria é concedida pelo Ministério das Relações Internacionais da França
O que é lugar de fala?
Muito tem se falado sobre o conceito de lugar de fala e muitas polêmicas acerca do tema têm surgido. Fazendo o questionamento sobre quem tem direito à voz numa sociedade que tem como norma a branquitude, a masculinidade e a heterossexualidade. O conceito se faz importante para desestabilizar as normas vigentes e trazer a importância de se pensar no rompimento de uma voz única com o objetivo de propiciar uma multiplicidade de vozes. Partindo de obras de feministas negras como Patricia Hill Collins, Grada Kilomba, Lélia Gonzalez, Luiza Bairros, Sueli Carneiro, o livro aborda, pela perspectiva do feminismo negro, a urgência pela quebra dos silêncios instituídos explicando didaticamente o que é conceito ao mesmo tempo em que traz ao conhecimento do público produções intelectuais de mulheres negras ao longo da história.

Editora: Letramento
Autora: Djamila Ribeiro
96 páginas/ R$ 19,90
*Estagiária sob supervisão da editora Ana Sá

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