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Agricultora familiar é aprovada em duas universidades federais

O trampolim para que ela fosse aprovada na UnB e UFGD foi o curso técnico em agropecuária feito no IFB, em que foi estimulada e recebeu apoio para estudar para o Enem. Mãe e avó, ela se mantém, atualmente, vendendo exemplares da revista Traços pelas ruas da capital federal

Thays Martins
postado em 29/05/2018 19:38

Leandra de Fátima Neiva faz parte da Revista Traços, projeto de reinserção social de moradores de rua

Leandra de Fátima Neiva, 53 anos, cresceu rodeada por plantações e pastos em Arinos, no interior de Minas Gerais, município a cerca de 240km de Brasília. A vivência na roça fez crescer em seu coração amor pela natureza e pelos animais. Estudar é outra paixão só que, por muito tempo, foi um desejo distante, que ela só conseguiu alcançar depois de adulta, em Brasília. A agricultora familiar não teve chance de frequentar a escola durante a infância e estudou por supletivo, terminando o ensino médio no Centro de Educação de Jovens e Adultos (Cesas), na Asa Sul, em 2011. ;Estudar sempre foi um sonho de criança, mas, só depois de certa idade, é que a oportunidade surgiu;, conta. As idas e vindas a Brasília para tratamento de saúde duram cinco anos.


Na capital do país, lutou por oportunidades e logrou êxito. Em 2015, conseguiu uma vaga no curso técnico em agropecuária do Instituto Federal de Brasília (IFB), obtendo o diploma em setembro do ano passado. Foi o primeiro passo para conciliar dois amores: a roça e os estudos. ;Lá eles me deram todo o aparato para eu voltar a estudar, como dormitório e alimentação;, conta. Foi esse curso que incentivou a agricultora a se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), visando conquistar vagas no ensino superior público. Ela estudou sozinha, principalmente resolvendo provas anteriores. ;Quanto mais você aprende, mais descobre que não sabe de nada;, brinca ela, que tem curso de motorista de cargas perigosas.

O esforço foi grande, mas surtiu resultados: agora, Leandra comemora a aprovação em duas universidades federais. Ela conseguiu, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), uma vaga em licenciatura em educação no campo no câmpus Planaltina da Universidade de Brasília (UnB) e outra em engenharia agrícola na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul. Leandra aguarda ainda o resultado de vagas remanescentes do curso de agronomia da UnB. A graduação de preferência seria engenharia agrícola, mas, pela distância e pela dificuldade de se mudar, decidiu ficar em Brasília. Agronomia seria a segunda opção (e o resultado sairá em julho). ;Eu vim da área rural. Então, sou apaixonada por animais, acho lindo observar uma semente germinando;, explica.

Para se garantir, Leandra já está matriculada em licenciatura em educação no campo, e as aulas começam em agosto. O desafio agora será conseguir se manter na universidade. ;Estou confiante de que terei essa estrutura. Vou concorrer a vagas de residência e de auxílio no Restaurante Universitário. Mas, se não conseguir, será impossível estudar;, diz. Após a formatura, o objetivo da agricultora é conseguir emprego na cidade natal, Arinos, onde morava com o filho, de 36 anos, a nora e o neto até cinco meses atrás, quando se mudou para o DF. ;Nós somos assentados lá. Meu filho é agricultor familiar e ficou de proprietário enquanto estou aqui;, diz. Leandra sabe, porém, que arranjar trabalho formal não será fácil. ;Nunca tive carteira assinada e, depois dos 50 anos, fica muito difícil. Não há muita aceitação do mercado, mesmo tendo formação;, percebe.

Inserção social

Leandra se mudou para a capital federal há cinco meses. Atualmente, vive numa república na Asa Sul, dividindo a moradia com outras senhoras. Antes, estava hospedada em uma casa de acolhimento em Taguatinga, onde teve contato com a equipe da revista Traços, projeto de reinserção social de moradores de rua, responsáveis por comercializar a publicação (cada exemplar custa R$ 5, dos quais R$ 4 ficam com os vendedores). Há dois meses, a agricultora familiar começou a vender a revista. ;Esse projeto tem sido um dos melhores auxílios sociais que eu conheci por causa da geração de renda;, elogia. A iniciativa estabelece cotas de vendas para cada nível de escolaridade que o participante tenha. ;É um incentivo para nós estudarmos.; Estímulo que foi bem recebido por Leandra, que se prepara para ingressar no ensino superior.


*Estagiária sob a supervisão da editora Ana Sá e da subeditora Ana Paula Lisboa

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