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Calote ao CNPq é de R$ 25 milhões

Três pesquisadores de Brasília respondem a processo por irregularidades com bolsas de estudo no exterior. Um deles deve mais de R$ 600 mil ao órgão. Eles fazem parte de um grupo de 168 pessoas que foram custeadas pelo governo e não prestaram conta

Pelo menos três bolsistas brasilienses do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) respondem a processo por calote ao erário. Os pesquisadores passaram quatro anos no exterior, onde fizeram doutorado à custa do governo. Deveriam voltar para o Brasil e aplicar os conhecimentos no DF, mas obtiveram emprego lá fora e resolveram ficar, sem levar em consideração o compromisso de atuar em projetos voltados para desenvolvimento do país de origem. O rombo no CNPq só com esse tipo de dívida supera R$ 25 milhões, sendo R$ 1.636.279 só na capital federal, conforme levantamento realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

O montante refere-se apenas aos casos julgados pelo tribunal. Outros procedimentos administrativos — ou Tomada de Contas Especial (TCE) — ainda tramitam internamente no CNPq, órgão gestor do recurso. Ou seja, estão em fase de análise e abertura de prazos para a defesa do bolsista. Este ano, por exemplo, cinco pesquisadores já foram notificados sobre as irregularidades. Deles, apenas um já negociou o reembolso do investimento, de forma parcelada, ao Tesouro Nacional. As dívidas individuais, em alguns casos, ultrapassam meio milhão de reais.

Dos processos de todo o país concluídos até agora, o TCU verificou que, nos últimos cinco anos, 168 pesquisadores respondem a processo por irregularidades praticadas por bolsistas no exterior. De lá para cá, 67 não retornaram e 47 não concluíram o curso (leia Processos). Outros casos tramitam no órgão, mas não foram julgados.

Oportunidades

Sem o regresso do bolsista para o país, os quatro anos de investimentos do governo acabam desperdiçados. Com isso, o CNPq é obrigado a apostar na especialização de novos pesquisadores. A falta de oportunidades no Brasil é apontada como o principal fator para a desistência do bolsista. “Como não ficar se não tem emprego no país dele? Existe uma inconsistência aí. O CNPq deveria garantir isso a ele”, opinou um especialista em geociências, com pós-doutorado na França, que pediu para não ser identificado.

Até 2010, o Brasil mantinha cerca de 25 mil pesquisadores em programas de doutorado, pós-doutorado e estágios. O valor da diária no exterior varia de US$ 150 a US$ 250, dependendo do país onde o curso é feito (veja Custos no exterior). Os três processos julgados no DF já têm mais de 10 anos e, até agora, o recurso não foi devolvido. Nos acórdãos do TCU ao qual o Correio teve acesso, um dos ex-bolsistas alegou problemas de saúde para não concluir o curso de antropologia na City University of New York. O CNPq apontou a liberação de US$ 106.644,80 com despesas com moradia e mensalidade, entre outros gastos. Isso sem juros e correção monetária. Outro bolsista deve ao país R$ 672.154,39 — já com as correções — por não cumprir o termo de compromisso firmado em 1995 para fazer pós-doutorado nos Estados Unidos. O terceiro não justificou a permanência.

O ministro-substituto do TCU André Luis de Carvalho afirma que a quantidade de calotes é baixa, considerando o volume de bolsas oferecidas pelo governo federal. “O país passou de 25 mil bolsas para uma média de 75 mil nos últimos anos. A não conclusão do curso é exceção, e não regra”, destaca. Para o ministro, a melhoria dos procedimentos de avaliação do CNPq pode reduzir os índices. “O tribunal tem avançado nessa área, determinando medidas preventivas para que o CNPq faça um critério de seleção mais apurado e um registro contábil mais frequente, com checagem de relatórios periódicos, cobrança de notas por semestre.”

Apesar de a reportagem ter solicitado, na última quinta-feira, informações sobre os procedimentos administrativos para apontar soluções ao problema, a assessoria de imprensa do CNPq não respondeu. Limitou-se a informar, por nota padrão, que os bolsistas devem retornar ao país em um prazo de até 30 dias, a contar do término da bolsa, além de informar ao conselho o local de residência e encaminhar relatórios.

Análise da notícia

Exceção sem demérito

A definição do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), encontrada em seu site oficial, indica que as atribuições principais do órgão são “fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores brasileiros”. Em outros textos, fica claro que o objetivo é fazer com que o Brasil se desenvolva a partir desse apoio.

Na maioria dos casos, isso é alcançado de maneira extraordinária. Programas e prêmios — como o Jovem cientista — são amostras da força da agência. Mas o maior exemplo vem do número de pesquisadores bancados pelo CNPq no exterior. São cerca de 75 mil que efetivamente trazem desenvolvimento científico ao Brasil.

Aqueles que não prestam conta do que fazem para os cidadãos brasileiros são exceções, que precisam ser questionados, com certeza, porém sem demérito para o bom trabalho geral do órgão.

Processos

Casos julgados no Brasil

Rio de Janeiro 20
São Paulo 13
Bahia    7
Rio Grande do Sul  5
Ceará    5
Minas Gerais    5
Pará     3
Distrito Federal     3
Rondônia    3
Paraná     1
Pernambuco     1
Goiás    1
Rio Grande do Norte    1
Paraíba     1
Total     67

Fonte: TCU

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