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Qualidade de 85% das escolas na berlinda

Dados de 195 mil instituições públicas e privadas apontam ausência de bibliotecas, laboratórios de informática e ciências, quadras esportivas e estrutura para pessoas com deficiência

A educação brasileira deu um salto quantitativo nas duas últimas décadas. Segundo dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 93,19% das crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos frequentam instituições de ensino. Em1991, o índice era de apenas 70,71%. A qualidade das escolas, no entanto, ainda deixa a desejar, e isso pode comprometer o aprendizado das atuais e das futuras gerações de estudantes. Uma escala recém-desenvolvida para avaliar a infraestrutura escolar mostra que em 84,5% das instituições de ensino do país faltam itens como biblioteca, acesso à internet, laboratórios de informática e ciências, quadras esportivas e dependências para estudantes com necessidades especiais.

O instrumento criado por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) avaliou os dados de 194.932 escolas públicas e privadas, com base noCenso Escolar da Educação Básica de 2011. “Agora, o Brasil busca a qualidade da educação.Um ponto fundamental é o professor.Mas, outro pilar importante é a infraestrutura, diretamente associada à qualidade da educação”, defende Joaquim José Soares Neto, professor de Física da UnB, ex-presidente do InstitutoNacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e um dos autores do estudo.

A situação mostrada pela pesquisa é surpreendente, por revelar um cenário de precariedade de norte a sul do país (veja quadro). “As escolas da zona rural, em todo o Brasil, são pequenas, com baixo investimento, e atendem uma quantidade imensa de alunos.Mas, mesmo se formos para outras regiões, poderemos encontrar estruturas melhores, mas, laboratórios de ciências ou de informática? Apenas em pouquíssimas”, explica Soares Neto. Enquanto em áreas urbanas 24,5% das escolas têm infraestrutura adequada ou avançada, na zona rural o índice cai para somente 1,3%.

Quando assumiu a direção da Escola Classe ETA 44, na área rural de Planaltina (DF), em1992, aprofessoraDenise de Carvalho deparou- se com uma situação semelhante à descrita por Soares Neto: “Era muito difícil. Faltava material básico, como canetas, lápis, cola branca e até mesmo papel”. Depois de 23 anos, graças aumasérie de convênios bem-sucedidos com o governo federal e com o Distrito Federal, a escola avança. “Hoje, atendemos 95 alunos em tempo integral.Temos datashow, máquina copiadora e, emcada sala,uma televisão. A internet e o telefone devem ser instalados em breve, e já está aprovado o projeto para a construção de uma quadra esportiva”, comemora Denise.

Apesar do otimismo, a professora não tira os pés do chão— que, na escola, é de cimento batido. “Avançamos muito nos últimos 21 anos.Mas, só há um computador funcionando e ainda não temos refeitório. As crianças muitas vezes almoçam na sala de aula. Apesar de termos um tutor exclusivo para um aluno deficiente físico e intelectual, não há banheiro adaptado”, enumera. Denise conta que, ao preencher o Censo Escolar, em2011, evitou superestimar a instituição que dirige. “Temos um acervo de 3 mil livros e uma boa procura por parte dos alunos. Mas, como o Censo exigia a presença de uma bibliotecária, não marquei que a escola possui biblioteca. Coloquei sala de leitura”, explica. Com a infraestrutura existente hoje, a Escola Classe ETA 44 seria classificada como“básica”.

Dignidade

Na avaliação da diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, a pesquisa comprova o senso comum de que faltam elementos fundamentais nas escolas.“Internet, nos dias de hoje, e biblioteca são ferramentas básicas de pesquisa. Para garantir um bom ensino, não é necessário ter sofisticação,mashá elementos essenciais”. Segundo ela, não há estudos que assegurem uma relação direta entre evasão escolar e condições ruins,mas a forma como o aluno é tratado pode ter a vercomo abandono e a progressão no colégio. “É razoável dizer que uma escola que não tem infraestrutra primária não emprega dignidade básica. Quando o aluno não é tratado de forma digna, pode perceber que não progride; os fatores se juntam e ele pode deixar a escola”, ressalta.

Para Priscila, os resultados obtidos, principalmente os do Norte e do Nordeste, não surpreendem. “A educação é a política social que tem mais condições de promover o rompimento do ciclo de exclusão da população brasileira, presa há gerações, justamente nessas regiões historicamente mais pobres”, opina. Para ela, seria necessário levar os melhores professores do país para essas áreas, mas é preciso uma política nacional de educação para atraí-los. “A falta de atratividade ocorre por três fatores: salário, valorização social e condições de trabalho. Todas ligadas à infraestrutura.”

O professor doutor em educação da UnB Carlos Augusto de Medeiros explica que problemas estruturais podem não ser fatores determinantes nos resultados escolares, mas contribuem com o processo de ensino. A ausência de ferramentas de pesquisa, como mostrado no estudo, por exemplo, impacta na qualidade final da educação. “Os mecanismos de aprendizagem indicam a capacidade de produzir conhecimento. E como fazer isso se você não tem meios?”, questiona.

Soares Neto admite que a escala criada pelo estudo tem efeito limitado, mas serve como parâmetro para o governo.“Nossa pesquisa, enquanto acadêmicos, cria estruturas de pensamento para alavancar as políticas públicas.”

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