Brasil perde R$ 214 bilhões com evasão escolar todos os anos

O prejuízo é proveniente de jovens que não concluem os estudos e, em consequência, viverão menos, terão menor renda e estarão mais expostos à violência

Ana Paula Lisboa
postado em 14/07/2020 20:47 / atualizado em 01/10/2021 16:22
 (crédito:  Canal Futura/Reprodução)
(crédito: Canal Futura/Reprodução)
Além de todas as evidentes consequências negativas do abandono da escola na vida de uma pessoa, estudo inédito revelou que a evasão sai muito caro para a sociedade. O Brasil perde R$ 214 bilhões todos os anos por jovens que não concluem os estudos, o equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) anual e a 70% do investimento do governo federal, dos estados, dos municípios e do DF na educação básica por ano.
 Wilson Risolia, Miriam Leitão, Ricardo Paes de Barros e Rodrigo Maia durante o webinário 
Cerca de 575 mil jovens de 16 anos deixam de completar os estudos a cada ano, e o custo de cada aluno que evade é de R$ 372 mil, superando o PIB per capita de uma década, o valor por pessoa é de R$ 32 mil. Além disso, o preço da evasão excede em quatro vezes o valor necessário para que uma pessoa complete toda a educação básica (cerca de R$ 90 mil), do ensino infantil ao médio. A perda poderia ser ainda maior se a qualidade da educação fosse mais elevada: nos Estados Unidos, o custo da evasão escolar por aluno é de US$ 593 mil.
Os números são da pesquisa “Consequências da violação do direito à educação”, fruto de parceria do Insper e da Fundação Roberto Marinho, apresentada na tarde de ontem (14) em seminário on-line com mediação da jornalista Miriam Leitão. Participaram do encontro Rodrigo Maia, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, Wilson Risolia, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, Ricardo Paes de Barros, doutor em economia e professor do Insper, e Marcos Lisboa, presidente do Insper.
Os números da evasão são fortemente marcados pela desigualdade. “Numa família relativamente rica, com pais educados, a probabilidade de o filho não concluir o ensino médio é praticamente zero. Numa família muito pobre, no interior do Norte ou do Nordeste, onde a criança vive só com a mãe analfabeta, sem o pai, esse número chega facilmente a 80% ou a 90%”, compara Paes de Barros.

Risco aumentado

Rodrigo Maia: desigualdades entre ensino público e particular vão aumentar Se o prejuízo da evasão parece grande agora, é preciso agir e rápido para que não aumente, já que há grandes chances de a taxa de abandono escolar crescer com a pandemia, após estudantes passarem vários meses longe da sala de aula e retornarem com variados déficits educacionais. No ritmo normal, sem considerar o agravante da crise de covid-19, 17,5% dos adolescentes de 16 anos não completarão os estudos. São pessoas que viverão menos, estarão mais expostas à violência e terão menor emprego e renda.

Rodrigo Maia (DEM-RJ) alerta para o risco de agravamento de desigualdades durante a pandemia. “A diferença de qualidade entre ensino privado e público é um grande desafio e atrapalha muito, e é preciso pensar em reduzir essa diferença, pois mesmo que formado, há uma disputa desigual entre um aluno e outro aluno”, pondera. “Agora, a diferença da escola pública e da escola particular ainda vai aumentar”.
Rodrigo Maia vê dois focos claros que exigem grande trabalho e atenção no país: os jovens e a educação infantil. “Muitos projetos avançaram, mas, sem dúvidas, temos uma grande lacuna na sociedade e precisamos de diálogo com técnicos para saber como enfrentar esse desafio e garantir as condições para que os jovens terminem a educação básica e, mais do que isso, possam ir para um emprego de melhor qualidade”.

Outro estudo

Segundo a pesquisa “Juventudes e a pandemia do coronavírus”, 24% dos jovens de 15 a 18 anos pensa em não voltar para a escola. Considerando a faixa etária de 15 a 29 anos, 28% considera não retomar os estudos. A pesquisa é do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve).

É hora de agir

Wilson Risolia, ex-secretário de Educação do Rio de Janeiro, observa que o estudo do Insper e da Fundação Roberto Marinho traz a resposta para a pergunta: quanto custa não priorizar a educação? As consequências de um ensino de baixa qualidade são conhecidas e aparecem todos os dias em estatísticas de gravidez infantil, subemprego e jovens em privação de liberdade, aponta Risolia. “Mas saber que isso existe não basta. Acho que chegou a hora de nós nos indignarmos e não permitirmos mais isso”, defende.
 “Já que as pessoas não se movem pelas mazelas, talvez se movam pelo impacto fiscal e financeiro”, sugere sobre o alarmante resultado do estudo. “Se você tem investimento ao longo da educação básica da ordem de R$ 100 mil e gasta quatro vezes mais fazendo errado… Não é razoável que a gente veja tudo isso de maneira passiva”, afirma. “Qual o meu sonho? Ter um grande pacto para não perder nenhuma criança, para não existir hipótese de deixar nenhuma criança ou jovem para trás. Tem que ser uma agenda econômica. Passou da hora de ser.” Ele reconhece que houve avanços educacionais na última década, mas em um ritmo muito lento.

Para melhorar o gasto

Ricardo Paes de Barros, economista responsável pela pesquisaNão é necessariamente a falta de investimento o problema, já que a quantidade de recursos para a área aumentou consideravelmente nas últimas décadas. “A gente sabe que as notas dos alunos não aumentaram no ensino médio nos últimos 20 anos, apesar do aumento de recursos”, afirma Marcos Lisboa. “Boa parte dos jovens que desistiram da escola, muitas vezes, é porque a escola os frustra. A gestão da educação importa”, diz.
“Educação não melhora com mais recursos, melhora com recursos bem gastos”, defende Ricardo Paes de Barros. “Esperava-se que a educação reduziria a desigualdade de uma geração para outra. E o surpreendente da educação brasileira é que ela não só reproduz a desigualdade de uma geração para outra, como também a amplifica”, destaca.

Sugestões

Para Paes de Barros, tratar cada aluno como indivíduo em vez de ver o corpo estudantil como uma massa é uma das saídas. “É muito importante o atendimento individualizado dentro da própria escola porque crianças vêm com déficit de aprendizado diferente, aprendem de maneira diferente em momentos diferentes. Se não tivermos um atendimento individualizado, nós geramos desigualdade dentro da escola”, esclarece. Em segundo lugar, é preciso equalizar o investimento no setor, na avaliação do economista.
“Cerca de 80% da desigualdade de aprendizagem de redes do Brasil vem da desigualdade na qualidade do gasto com educação. Tão importante quanto o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) tentar equalizar o gasto é gerar incentivos para que a desigualdade da qualidade de gastos seja reduzida”, argumenta. Até mesmo para elevar a qualidade dos gastos públicos, o nível educacional da população faz diferença.
O pesquisador explica que a educação tem várias “externalidades”, termo que ele usa para definir benefícios que vão além da pessoa que estuda e atingem a sociedade, sendo, na verdade, maiores para o país do que para o indivíduo. Entre as várias externalidades da educação, ele cita o estimula à cultura de paz, diminuindo a violência; e a melhora da força de trabalho, que gera maiores PIB e renda nacional.
“Quando um trabalhador aumenta a educação, aumenta sua remuneração. Mas o PIB aumenta mais”, exemplifica. “Uma sociedade que tem um nível de educação maior vai ter uma qualidade do gasto púbico melhor e isso vai beneficiar toda a sociedade. Todo o processo político de uma sociedade com melhor educação tende a ser melhor. Tende a haver maior envolvimento das pessoas em ações coletivas e comunitárias.”

Números da evasão

R$ 372 mil
Valor anual que o país perde por jovem que não conclui a educação básica.

R$ 214 bilhões
Perda total anual da evasão escolar

R$ 90 mil
Quanto custa oferecer toda a educação básica (da pré-escola ao ensino médio) para um estudante

R$ 159 mil
Quanto a menos um jovem que não concluiu a educação básica receberá em termos de renda ao longo da vida — 37% menos do que se tivesse completado os estudos

Fonte: Insper e Fundação Roberto Marinho

Recomendações para a volta às escolas

Confira orientações de Ricardo Paes de Barro e Wilson Risolia que podem orientar a retomada às aulas presenciais a fim de não agravar desigualdades e a evasão:

- Antes da volta para o colégio, é essencial os professores não perderem o contato com os alunos (mesmo no caso dos alunos com maiores dificuldades). Isso é fundamental para gerar a sensação de pertencimento e impedir que o estudante abandone a escola.

- Vale ter um protocolo de retomada alinhado, com um plano para fazer um diagnóstico dos alunos assim que chegarem às unidades de ensino;

- Procurar conhecer bem cada aluno e identificar as lacunas de cada um é o caminho. Uma vez que o aluno retorne à escola, ele precisa ser muito bem acolhido e passar por esse diagnóstico, que permite avaliação do déficit que ele teve no período.

- Cada estudante precisa receber tratamento individualizado. Alguns terão perdido familiares. É preciso reconhecer as dificuldades de cada um, reconhecer cada aluno individualmente.

  • Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
  • Foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press
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