Alunos da rede pública do Distrito Federal começaram as aulas a distância, de forma ainda não obrigatória, nesta segunda-feira (22/6). Quem não tem acesso à plataforma Google Sala de Aula terá teleaulas e vai receber material impresso das escolas. No entanto, pais e alunos temem que os que não têm acesso às aulas on-line fiquem prejudicados. Além disso, os responsáveis podem não ter tempo para supervisionar e ajudar os filhos com a EAD.
A manicure Maria de Fátima Rodrigues, 33 anos, é mãe de dois alunos da Escola Classe 55 de Ceilândia, um está no 4º ano e o outro, no 1º ano do ensino fundamental. Maria de Fátima diz não ter tempo para auxiliar os filhos nas aulas a distância, pois, para poder trabalhar, deixa as crianças aos cuidados da avó deles.
“Os meus filhos não vão ter condições de acompanhar as aulas on-line, porque lá em casa só temos um celular que uso para trabalhar e, na casa da avó deles, não há aparelhos para eles acessarem as aulas”, conta.
Em relação às teleaulas, Maria de Fátima diz que não tem tempo para supervisionar os filhos por causa do trabalho e a avó dos meninos também não consegue dar esse tipo de suporte. “Acredito que meus filhos perderam o ano letivo. A avó deles tem 75 anos e não tem condições de ajudar com as aulas”, afirma.
As dificuldades para estudar em casa também são sentidas por Alexandre Rafael Gasparde, 17 anos. Ele é aluno do 3º ano do ensino médio do CED 619 de Samambaia. O estudante mora com a tia em Samambaia e divide a residência com mais sete pessoas. “Não tenho espaço para estudar, mas entro no meu quarto e tento”, diz.
Além disso, o estudante tem um smartphone para acompanhar as aulas. No entanto, acredita que alunos que não tenham acesso à plataforma on-line ficarão prejudicados em relação ao aprendizado por não ter o contato aluno-professor.
Na avaliação de Alexandre, que também é presidente do grêmio estudantil da escola em que estuda, mais alunos do CED 619 de Samambaia vão ter dificuldades em acompanhar as aulas a distância. “Acredito que talvez não tenha tanta desistência, mas os níveis de reprovação vão disparar”, acredita o presidente do grêmio estudantil.
O lado dos professores
Maricleusa Cordeiro é professora há 21 anos no CED 619 de Samambaia. Ela é professora de história e geografia, mas atualmente é professora readaptada e está com a função de incentivar os alunos a assistirem às aulas a distância.
Por meio de grupos em redes sociais, a professora nota que os estudantes estão, em sua maioria, animados com a volta às aulas. “Nós já estávamos ministrando aulas para alunos do 3º ano do ensino médio, focando mais no Enem”, esclarece.
A professora considera esta semana de adaptação às aulas remotas como uma real forma de saber quem não terá acesso à plataforma on-line e quantificar esses dados para que seja dedicado melhor atendimento a esses alunos.
Em relação a lidar com a tecnologia, Maricleusa diz que ainda tem um pouco de dificuldades, mas que está se adaptando. “É um mundo novo, mas temos que nos adaptar, pois é o que podemos fazer no momento. São muitas informações, mas temos que encarar isso. É uma renovação”.
Além disso, Maricleusa afirma que, em relação aos professores, a escola está sendo muito solícita. “Na escola, nós temos o Centro de Tecnologia, e a direção autorizou que professores que não tenham computador em casa poderiam pegar emprestado nesse período. A escola foi bem legal com essa questão”, diz.
No primeiro dia das aulas pela plataforma Google Sala de Aula, o professor do 5º ano do ensino fundamental da Escola Classe 431 de Samambaia Antônio Firmino Neto informa que poucos alunos compareceram à aula on-line, apenas quatro estudantes. “Os alunos estão tendo dificuldades para acessar por problemas com o e-mail ou a senha que cadastraram. Mas, em relação a não ter celular ou computador para acesso, só três pais me comunicaram essa situação até o momento”, conta.
No entanto, o professor diz que, apesar de ser tudo muito novo, não enfrenta dificuldades para ministrar as aulas on-line. “Disponibilizamos o material na plataforma às 7h30 e às 8h realizamos uma aula por meio de videoconferência com os alunos. Mas por ter facilidade com tecnologia, para mim não foi tão impactante”, avalia.
Para os alunos que não têm acesso à plataforma, o professor conta que disponibilizou um número de celular para que os pais entrem em contato com ele, para assim conseguir dar a mesma tutoria para esses estudantes. “Falei para os pais dos meus alunos que, caso precisem, podem me ligar até a cobrar que eu retorno a ligação para entrar em contato com o meu aluno. Vou tentar atendê-los da melhor forma possível. Eu, enquanto professor, vou fazer o possível para atender a todos”, reitera.
Posicionamento do Sinpro/DF
A diretora do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro/DF) Rosilene Corrêa diz que é preciso tirar essa imagem de que o sindicato é contra as aulas a distância, mas, sim, mostrar que a entidade acha necessário mais tempo de planejamento para esse retorno. “O governo aponta como alternativa para os alunos que foram excluídos da plataforma, as teleaulas, mas mesmo assim, talvez, esse estudantes também não tenham televisão ou condições adequadas para acompanhar as aulas”, avalia.Rosilene Corrêa ressalta que a preocupação é também com o aprendizado dos alunos que vão receber o material impresso. “Ninguém aprende somente com o material impresso e quem vai receber esse material é justamente o grupo de alunos que precisam de mais apoio, e que talvez não tenham condições necessárias para a aprendizagem em suas residências”, pondera.
Para a diretora do Sinpro/DF, é necessário pensar alternativas para que, de fato, não haja exclusão de nenhum estudante nessa retomada das aulas.
Apesar de a Secretaria de Educação ter oferecido aos professores um curso para o acesso à plataforma, Rosilene avalia que as dificuldades continuarão. “Não é com um curso de uma ou duas semanas que os professores que não têm tanta facilidade com tecnologia vão aprender a ministrar aulas on-line. Tem professores mais velhos, que estão para se aposentar que estão com dificuldades em se adaptar”, afirma.
Palavra de especialista
Simone Uler Lavorato acredita que a melhor forma de retomar as aulas nesse momento é a distância. Simone é doutora em educação de ciências - educação inclusiva pela Universidade de Brasília (UnB), mestra em gestão do conhecimento e tecnologia da informação pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e é especialista em planejamento, implantação e gestão de EAD pela Universidade Federal Fluminense (UFF). “Agora, eu tenho muitas preocupações em como vai se dar essa educação a distância”, diz.A especialista afirma que, apesar de o programa elaborado pela Secretaria de Educação estar, na sua opinião, bem elaborado, só se sabe as dificuldades na prática. “Alunos que não têm computador ou celular em casa não são alguns alunos, são vários, e me preocupa a qualidade do aprendizado por parte desses estudantes”, pontua.
Simone Uler Lavorato conta que as aulas on-line requerem outro tipo de linguagem, não basta simplesmente reproduzir aulas presenciais pela plataforma. “Minha preocupação, enquanto educadora e psicóloga também, é que quanto mais tempo os estudantes passam afastados do contexto educacional, mas eles se sentem desmotivados e mais propensos a vários transtornos”, avalia.
Simone também é psicóloga clínica, tem pós-graduação em terapia cognitivo comportamental na Faculdades Integradas AVM e formação em neuropsicologia na Universidade de São Paulo (USP).
O que diz a SEE-DF sobre as aulas a distância
O coordenador do programa Escola em Casa DF, David Nogueira, afirma que a plataforma Google Sala de Aula foi escolhida para dar maior autonomia para os professores, possibilitando a utilização de diversos recursos. Além disso, a validação da presença dos alunos será feita por meio das atividades propostas pelos professores, que podem ser feitas pela plataforma ou por material impresso a ser entregue.
David Nogueira diz que os professores receberam formação para utilizar o Google Sala de Aula, mas que essa renovação terá que ser constante. “É tudo muito novo. Mais formações serão necessárias e virão por aí também”, conta.
O coordenador do Escola em Casa DF fala sobre a parceria que está sendo realizada com as regionais de ensino junto às unidades escolares para coletar dados sobre professores que não têm acesso à internet ou equipamentos eletrônicos para ministrar as aulas. “Essa pesquisa está sendo feita para que as regionais de ensino e as unidades escolares encontrem a melhor maneira para que esses professores contribuam”, pontua.
A orientação é para que os professores realizem aulas assíncronas, ou seja, aulas que não ocorram ao vivo na plataforma, para que assim, alunos que tenham somente um aparelho para acesso à plataforma consigam acessar os conteúdos em momento propício. “No entanto, nada impede que o professor marque aulas ao vivo dentro da plataforma com seus estudantes”, afirma David.
Quem tem celular ou computador em casa, mas não têm acesso à internet, pode acessar a plataforma, pois os custos serão orçados pela SEE-DF. “Nessa semana de adaptação teremos a real dimensão de quais são os estudantes que realmente não têm acesso à internet ou a computadores e celulares”, anuncia o coordenador.
As frequências nas aulas passam a ser obrigatórias a partir da próxima segunda-feira (29/6).
Para ajudar na formação de professores
Alguns fatores são essenciais para garantir o sucesso do aprendizado mediado por tecnologia, principalmente neste momento de pandemia em que aulas on-line ficaram ainda mais comuns.É necessário que haja sincronia entre motivação, uso correto da tecnologia, interação entre gestores, professores, adaptação, estudo de casos verídicos, para conseguir engajamento por parte do aluno e resultados de qualidade.
Para abordar o tema, o Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) realiza uma live, por meio da sua página no Instagram, em 29 de junho, a partir das 16h, com Márcia Holland, professora do curso de design do Instituto Mauá de Tecnologia. A palestra é gratuita.
Serviço
Live: Engajamento em ambientes mediados por tecnologia
Data: 29/6/2020
Hora: a partir das 16h
Onde: Instagram do IMT
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá
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