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Aula on-line abre possibilidades, mas força adaptação e debate sobre acesso

Ano letivo da rede pública vai retornar em 29 de junho de modo não presencial e com obrigatoriedade da frequência. Modelo traz reflexões sobre democratização do ensino e força adaptações de professores e alunos

O ano letivo das escolas públicas do Distrito Federal tem data para o retorno: 29 de junho. Mas o processo educacional será realizado de forma totalmente adaptada ao novo cenário de pandemia do coronavírus. As aulas serão virtuais, os alunos vão ter acesso aos conteúdos e realizarão atividades por computadores, celulares e tablets, enquanto emissoras de televisão vão transmitir materiais elaborados pela Secretaria de Educação. O modelo é resultado de pesquisas e debates sobre os melhores caminhos para minimizar o impacto da suspensão de aulas presenciais, necessária para conter a disseminação da covid-19. Com o novo método, professores reinventam-se e alunos também têm novas adaptações, mas a estratégia não é consenso.

 

A democratização do ensino a distância é um dos principais pontos refletidos. De acordo com o Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), 127 mil estudantes não têm internet em casa e 5 mil professores regentes da capital não têm computador, o que levantou críticas sobre os alunos que seriam excluídos do novo modelo. Porém, a Secretaria de Educação afirma que quem não tiver acesso às tecnologias poderá receber materiais impressos, um dos meios pensados para ampliar o ensino, junto à transmissão de conteúdos pela tevê e a gratuitidade da plataforma Google Sala de Aula. Outra preocupação que vem sendo debatida diz respeito à reflexão de que educação não é simplesmente transmissão de conteúdo. Por isso, educadores tentam entender o momento, adequar metodologias e se preparar para as aulas do novo normal da sala de aula.

 

 

 

Especialistas dizem que, apesar dos problemas do modelo a distância, esse pode ser um bom momento para ampliar estratégias de metodologias ativas, em que o educando participa mais do processo de aprendizagem. “Agora, os estudantes podem se tornar ainda mais protagonistas do que geralmente se observa nas salas de aula presenciais. Mas é necessário compreender que não se pode simplesmente reproduzir a mesma estratégia de uma aula presencial. O professor pode utilizar mídias diferentes e fornecer meios para que os estudantes possam contribuir com novos materiais. Então, ele deve conhecer os recursos digitais para interação com a turma, porque, na esfera digital, é mais fácil ficar entediado com um ensino meramente conteudista”, analisa o professor Ricardo Fragelli.

 

Ele ministra um curso virtual em parceria com a professora Thaís Fragelli, voltado para estratégias pedagógicas da educação on-line, tem no currículo o prêmio Santander Universidades, de 2015, pela melhor metodologia de apoio ao aluno do país, e acredita que há um universo grande a se explorar por meio da tecnologia. “Por exemplo, se o professor utiliza um jogo simples de perguntas e respostas durante a aula, pode verificar o rendimento de cada estudante e indicar desafios, jogos, pesquisas e outras atividades de forma personalizada para o pós-aula. E sempre dando apoio individualizado, estando atento aos estudantes com dificuldades, mantendo contato próximo e fazendo-os se sentir parte de um grupo”, explica Ricardo.

 

 

 

Circunstâncias 

Professores encaram esse momento sabendo que o cenário ideal da educação está ainda mais distante durante a pandemia e a necessidade de distanciamento, como lembra Henrique Fróes, 43 anos. “Na minha visão, momentos emergenciais requerem medidas emergenciais. Obviamente, não vai ser como era antes, mas é melhor fazer algo do que não fazer nada, então precisamos nos adaptar”, opina o professor de filosofia do Centro Educacional Gisno. Para ele, esse pode ser um período de repensar os materiais utilizados no aprendizado. “A gente ainda se baseava muito em quadro, caderno e livro. Agora, estamos sendo obrigados a pular para o lado tecnológico, uma migração meio forçada, mas que pode render ensinamentos da pedagogia do século 21”, considera.

 

Henrique ainda acredita que esse pode ser um cenário em que os educadores entrem ainda mais no processo de troca de saberes. “Muitos professores têm dificuldades com a tecnologia, mas os alunos geralmente têm mais facilidade por conta da geração deles. Então, podemos criar interações benéficas para todos os lados”, crê. Essa possibilidade também é lembrada por Remi Castioni, doutor em educação e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as contribuições de Anísio Teixeira para a educação brasileira. “O professor não é a única autoridade que transmite conhecimento. Hoje, existem múltiplas possibilidades de aprendizado. Na sala de aula moderna, professor e aluno aprendem juntos. Muitos conceitos têm sido divulgados com essa base, como os trabalhos em grupo, sala de aula invertida, realidade aumentada”, exemplifica.

 

O pesquisador afirma que o modelo virtual é a melhor alternativa perante as circunstâncias e que, com formação, os pedagogos podem fornecer conteúdos de uma enorme cadeia de conhecimento a ser desenvolvida. “Interditar os estudantes, sem atividades, seria aprofundar ainda mais a defasagem que existe na educação. Para os educadores, há atividades que realmente são mais sofisticadas, mas algumas horas de treinamento são suficientes para que eles aprendem a produzir. Então, se houver essa preparação, nas próximas semanas, ele se tornará um produtor de conteúdo bastante qualificado”, crê Remi.

 

Para todos

Quem estará na linha de frente do retorno às aulas deste mês se esforça para garantir que as ferramentas disponíveis sejam usadas da melhor forma possível e, principalmente, que elas cheguem a todos. É isso que pensa Robson Damacena, 32. Ele é professor de química do Centro Educacional (CED) 15 de Ceilândia e diz que os desafios são inúmeros. “Vivemos uma pandemia que ninguém soube que ia acontecer, precisamos resguardar o máximo de vidas possível, e o isolamento se faz necessário. Mas não podemos adotar nenhuma estratégia que prejudique alguém por conta da classe social, isso é o contrário do papel da educação”, afirma. Para ele, o caminho é o debate cada vez mais amplo, até que sejam encontradas soluções que não deixem ninguém de fora do processo de aprendizagem.

 

“É importante observar as discussões na mídia, entender as possibilidades e barreiras e voltar sabendo que temos que nos reinventar, lendo muita coisa, estando atento ao novo cenário. Vamos começar uma formação nesta segunda-feira e traçar metodologias de como trabalhar”, diz Robson.

 

Quem também busca modelos que incluam todos os alunos no aprendizado ativo é Marilda Lima, 46. Professora da Escola Classe 501 de Samambaia, ela trabalha com uma classe de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Eles são não verbais, têm dificuldade de manter o foco por mais de 10 minutos e precisam da socialização, então tenho que adaptar tudo”, observa. Um dos caminhos encontrados foi preparar atividades lúdicas e entregar na portaria da casa dos estudantes. “Mas, também precisamos do apoio da família neste momento, e o ideal seria que eles também recebessem preparos para esse novo cenário”, avalia.

 

Análise 

O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as contribuições de Anísio Teixeira para a educação brasileira (Gepat) e o Grupo de Estudos sobre a Mundialização da Educação (GEP-Mundi), da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), divulgaram um artigo com reflexões sobre a estratégia da educação no DF. Confira um trecho:

 

“Apesar de as pessoas utilizarem as tecnologias no seu dia a dia, por quê isso não tem transcorrido facilmente na educação? O conhecimento derivado do uso das tecnologias na educação classificou a existência de duas gerações no mundo escolar. São elas: a geração dos nativos digitais, que é composta por pessoas nascidas a partir dos anos finais do século passado e que têm habilidades para usar as tecnologias digitais; e a geração dos imigrantes digitais, que é formada por aqueles que não nasceram no mundo digital, mas que, em algum momento da vida, adotaram o uso das novas tecnologias. Ao analisar o perfil das duas gerações, observa-se que, na primeira, a dos nativos digitais, está a maioria dos alunos em fase escolar. Já a segunda, a dos imigrantes, é formada pelos docentes. Essa barreira precisa ser transposta, pois o sistema de formação deve atuar fortemente para superar essas dificuldades. Em educação, as condições ideais nem sempre estão presentes. Assim, é importante que iniciemos uma caminhada que preconize o estímulo ao uso de tecnologias no processo de ensino-aprendizagem. As condições ideais não existem. As escolas estão fechadas, famílias em casa, se virando como podem. Por que não usar os meios que se dispõem para compartilhar atividades, exercícios, situações problemas para continuidade dos estudos dos alunos? Há uma enorme cadeia de conhecimento a ser desenvolvida. O setor privado já o faz, por quê não o setor público?”

 

Cinco perguntas para

David Nogueira, assessor especial da Secretaria de Educação e coordenador do programa Escola em Casa DF

O ensino não presencial é o melhor modelo para não deixar o ano letivo parado?

Sim. Nós ouvimos a comunidade, elaboramos um plano depois de mais de 1,3 mil sugestões e consideramos que ele vai conseguir suprir as necessidades do momento e deixar um legado para a secretaria. É um planejamento adequado para o contexto atual e que pensa a longo prazo, para além do período de pandemia, com desdobramentos para os próximos três ou quatro anos.

 

O modelo vai conseguir garantir a educação a todos os alunos da rede?

Todos os alunos serão incluídos. A primeira alternativa para quem não dispõe de computador ou celular é a entrega de material impresso. Também temos as aulas transmitidas pela televisão e deixamos que cada unidade escolar, analisando as peculiaridades, possa traçar mais alternativas.

 

Como levar esse ensino para os alunos com deficiências intelectuais?

Nosso governo criou uma subsecretaria específica só para atender a esses estudantes com deficiências. Aqueles que estão em turmas de inclusão, o professor regente vai entrar em contato com a pessoa que o auxilia para atividades específicas. Para aqueles de escolas especiais, temos um plano específico para a volta, levando em consideração cada particularidade.

 

Os professores vão receber orientações, cursos e preparações?

Sim. O retorno começa segunda-feira. Normalmente, nos retornos, temos uma semana pedagógica para traçar as orientações do período. Nesse momento, estruturamos essa ação com duas semanas, pois é um retorno diferente, não é pós-férias, é de um cenário de pandemia. Então, vamos acolher primeiro e iniciar formações em seguida.

 

Quais possibilidades de ferramentas para se trabalhar neste período?

Temos o Google Sala de Aula como a principal plataforma, disponível gratuitamente, mas o professor é quem promove o conteúdo. Haverá uma formação específica para pensar nas atividades e ferramentas, e os educadores vão poder adaptar as dinâmicas às realidades locais. A Secretaria de Educação convive com uma realidade muito ampla, temos cidades com características diferentes, temos a zona rural. Então, cada unidade vai traçar metodologias específicas. Hoje em dia, usa-se muito o próprio WhatsApp como forma de comunicação, que é um exemplo bem acessível. O que colocamos como padrão são as atividades entregues na plataforma Google ou de forma impressa, para aferir a frequência dos estudantes.

 

 

 

Ricardo Fragelli
Minervino Júnior/CB/D.A Press - 10/9/15 - Ricardo Fragelli
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