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Alunos repudiam afastamento de docente do Colégio Militar de Brasília

Após criticar fascismo e PMs, professor é afastado do CMB. Em cartas, hashtag e abaixo-assinado, estudantes e professores repudiam o afastamento do major Cláudio

Correio Braziliense
postado em 05/06/2020 15:42
O afastamento do professor de geografia major Cláudio Fernandes, do Colégio Militar de Brasília (CMB), provocou comoção entre estudantes e professores da instituição de ensino.
 
Em aula virtual para uma turma do 9º ano, na terça-feira (2/6), o educador criticou a postura da Polícia Militar durante a manifestação ocorrida em São Paulo, no último domingo (31/5). “Dois pesos e duas medidas”, pontuou o major. 
 

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O comentário se refere ao tratamento policial dado aos manifestantes pró-democracia e pró-bolsonaro. No vídeo da transmissão, divulgado nas redes sociais, o professor cita a manifestante de direita que, mesmo portando um taco de basebol, foi retirada calmamente da multidão pelos policiais, enquanto  manifestantes antifascistas são afastados com bombas de gás lacrimogêneo.

Em transmissão, professor do Colégio Militar de Brasília critica ação da Polícia e é afastadoAlém disso, o educador fez uma alusão ao fascismo. “Para vocês refletirem em que mundo de escuridão a gente está se metendo. Então, parece que estamos em um retrocesso”, disse o professor. “Isso tudo se remete a um fascismo, que a gente não quer mais no mundo”, completa. 

Na quarta-feira (3/5), em live para pais e responsáveis dos alunos, o diretor-geral do CMB, Coronel Vinícius Teixeira de Vasconcelos, anunciou o afastamento do professor.
 
“Já determinei a abertura de um processo administrativo para esclarecer a situação e apurar responsabilidades. Então, é só o que eu tenho a dizer com relação a esse caso, que é um caso episódico, pontual, que assim será tratado”, afirmou o militar.
 
 
 
Apoio ao major

Alunos, professores, ex-estudantes e internautas manifestaram nas redes sociais apoio ao professor e repúdio à ação da instituição. Além das diversas publicações, usaram a hashtag #JustiçaMajorCláudio e organizaram um abaixo-assinado.

“Os posts estão tendo um engajamento muito bom. Esperamos que isso seja suficiente para resolver”, afirma uma aluna do Colégio Militar de Brasília, que não quis se identificar.

Segundo ela, os comentários feitos pelo professor foram necessários. “Ele foi o único que abordou um tema importante como esse. Foi uma forma de nos alertar sobre o que está se tornando o mundo hoje”, disse.

De acordo com a estudante, os argumentos do professor foram bem recebidos pela maioria da turma. “A live teve uma chuva de comentários positivos. Ficamos nos perguntando o porquê da suspensão. Ele ama o que faz, nunca tivemos problemas com ele e por isso estranhamos”, conta. 
 
Em carta virtual, ex-alunos do CMB manifestaram também repúdio ao afastamento do major. “Escrevemos ao comando dessa instituição, querida por muitos de nós, para manifestar a nossa dessatisfação com os últimos eventos relacionados ao afastamento aparentemente injustificado de um docente”, inicia o texto. 

No documento, ex-estudantes criticam a falta de autonomia dada ao corpo docente e ressaltam as metas gerais da instituição, em que defende-se o desenvolvimento da “visão crítica dos fenômenos políticos, econômicos, históricos, sociais e científico-tecnológicos”. Eles concluem: “Esperamos fazer bom uso da educação que nunca julgamos perfeita, mas da qual gostaríamos de continuar nos orgulhando”.

Professores se manifestam 

Em apoio ao educador, professores do Colégio Militar de Brasília escreveram uma nota de solidariedade. Sem citar o major Cláudio Fernandes, o texto expõe, de forma geral, as dificuldades de se exercer a profissão no país e os ataques diariamente sofridos pelos profissionais da educação.
 
“Muitos possuem provas censuradas, são vigiados, expostos e, às vezes, chegamos ao absurdo de termos o trabalho de uma vida reduzido a três minutos de imagens”, ressalta a carta. 

Coautora da nota, Valéria Fernandes da Silva considera leviano avaliar a fala do major sem ter acesso ao contexto da aula. “Isoladamente, somente aquela cena, o que pode parecer? Que o professor está usando a sua aula para atacar a Polícia, que ele está fugindo do tema da aula, quando se trata de uma clara crítica ao racismo e a práticas fascista”, afirma a professora de história da instituição.

Segundo Valéria Fernandes, o tema da aula era migrações europeias. “O professor aproveitou o tema geral e fez uma ponte com um evento recente. O que ele fez foi contextualizar”, explica.
 
Ela enxerga a situação com preocupação: “Quer dizer que se um responsável recortar uma aula nossa, que fica gravada, que pode ser baixada sem grandes dificuldades, podemos passar por tal constrangimento também?”.
 

 
Sobre a decisão dos colegas de escrever a nota, a professora diz que os autores conhecem o caráter e o profissionalismo do educador afastado e consideram o ocorrido uma ameaça a todos os docentes com o fortalecimento do “clima de ‘caça às bruxas’ que contamina as instituições de ensino”. 

“Essa pressão não nasceu agora. Eu gostaria de deixar bem claro que movimentos como o Escola Sem Partido têm se esforçado, durante vários anos, para eliminar do ensino qualquer possibilidade de estimular a reflexão crítica da sala de aula”, diz a professora. 

Para ela, professores de todo o país estão em uma situação vulnerável, com medo de lecionar conteúdos, como  Era Vargas e integralismo, uma vez que o slogan fascista do movimento “Deus, pátria, família” volta à moda.
 
“Ser antifascista não é uma opção, é um dever. Eu acredito que, em muitas escolas, talvez tenhamos que mutilar os currículos para nos resguardar e que professores estão correndo risco simplesmente por fazerem bem o seu trabalho”, diz. 

O Eu, Estudante entrou em contato com o Colégio Militar de Brasília, mas não recebeu retorno até a publicação desta matéria. O professor e major Cláudio Fernandes não foi localizado. 

*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá

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