Berlim — “O incidente provavelmente está relacionado à ignorância dos alunos ou ao desejo de chocar e chamar a atenção”, avalia o pesquisador alemão Peter Carrier sobre os estudantes de um colégio particular de Recife (PE) que fizeram a saudação nazista em sala de aula na última semana. A análise vai no mesmo sentido da feita pela historiadora alemã Juliane Wetzel.
Trata-se de mais um caso de antissemitismo a gerar polêmica em ambientes educacionais no Brasil, mas houve outros, como situações de símbolos nazistas pintados em paredes e muros de colégios. A fim de evitar episódios como esses, a educação é uma grande ferramenta, indica Peter Carrier, pesquisador do Georg Eckert Institut (GEI), voltado ao estudo de livros didáticos.
Saiba Mais
Seu trabalho de doutorado, pela Universidade Livre de Berlim, abordou os monumentos do Holocausto e as culturas nacionais da memória na França e na Alemanha. Peter Carrier, que já deu aulas de filologia, estudos culturais, história e ciência política em universidades na Alemanha, na França, na Hungria e no Canadá, atualmente, pesquisa a retórica da memória na comunicação política e nos preceitos éticos do discurso contemporâneo sobre o Holocausto.
Qual a gravidade do fato de estudantes brasileiros terem feito uma saudação nazista em sala de aula? Quais seriam as consequências de tal gesto na Alemanha?
É muito grave. Mostrar a saudação de Hitler em público é um crime na Alemanha. No entanto, nas escolas, os diretores precisam decidir como reagir. Um exemplo foi o caso de uma escola em Neuperlach há quatro anos, onde estudantes também fizeram o mesmo gesto. Depois disso, os alunos tiveram que fazer apresentações sobre as experiências das pessoas durante a era nazista — o que certamente faz mais sentido do que a suspensão, pois, assim, precisam escutar e entender por que alunos são atraídos pelo simbolismo de Hitler. Aprender o que o nazismo realmente significa pode ser educativo tanto para professores quanto para alunos.
Por que o senhor acha que ainda existem casos assim no Brasil?
Se esse incidente em uma escola está relacionado ao estilo de liderança autoritária e nacionalista de Jair Bolsonaro ou às opiniões conhecidamente apologéticas de seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, isso é difícil dizer. No entanto, o incidente provavelmente está relacionado à ignorância dos alunos, que se sentiram atraídos por um estilo de liderança carismático, ou à vontade de chocar e chamar a atenção.
O fato de o Brasil estar passando por um momento de crescimento de extrema direita pode ser perigoso?
Claro! O carinho por receitas políticas simples, a glorificação do autoritarismo e a tentativa de usar o simbolismo e os rituais que os regimes autoritários usavam na época para vincular as pessoas a esta forma de governo atual não deveriam ser revividos, mas reconhecidos, entendidos e evitados.
Qual é a importância de ensinar aos estudantes de todo o mundo sobre os reais eventos do nazismo, a fim de aumentar a conscientização sobre o problema e combater a discriminação contra qualquer tipo de grupo?
Muito importante! Desde que, além dos fatos históricos (datas, pessoas e eventos), os educadores tragam para a sala de aula fontes e materiais ao falar com os alunos, de modo que eles aprendem sobre os crimes, os assassinatos e as formas de exclusão e humilhação do passado fazendo uma conexão com o presente, fazendo um link com as próprias experiências dos jovens. Isso inclui aprender também com fontes literárias — como os romances de Primo Levi (judeu sobrevivente de Auschwitz) —, monumentos e testemunhos de vítimas, além de aprender a identificar e lidar com a visão de mundo dos autores desses crimes. No entanto, a escola é apenas uma instância do ensino da história, ou seja, ela não pode, sozinha, garantir uma atitude ética em relação ao passado e ao presente. É preciso mais do que aprender na escola para isso.
Como as escolas alemãs ensinam sobre o nazismo e abordam o assunto? Sempre existem visitas a campos de concentração?
A maioria dos estudantes têm aulas sobre esse tópico várias vezes em diferentes disciplinas. Nas aulas de história, isso é feito a partir da 9ª série (faixa etária de 14 a 15 anos) e de modo mais aprofundado a partir da 11ª série (faixa etária de 16 a 17 anos). Embora o assunto não esteja prescrito no currículo da escola primária, também é abordado não oficialmente nessa fase. Livros escolares, sites, viagens escolares... Tudo pode ser usado para isso. Mas, também e acima de tudo, os alunos se deparam com esse tópico fora da sala de aula, e o aprendizado informal é central. Músicas e videogames, muitas vezes, carregam simbolismo da era nazista, o que costuma ocorrer sem comentários e sem qualquer indicação da origem de tal simbolismo e linguagem.
Quais recomendações você daria para escolas e professores brasileiros que precisam ensinar seus alunos sobre o nazismo? Como fazer isso de maneira responsável?
Existem muitas técnicas que os professores podem tentar. Há educadores que, por exemplo, dividem a turma em duas. Pedem para os alunos de olhos azuis (ou pele clara) se sentarem no lado esquerdo da sala e para aqueles com olhos castanhos (ou pele mais escura) ficarem do lado direito. A partir disso, o professor simplesmente precisa perguntar por que isso aconteceu, para que os alunos possam começar a pensar sobre que tipo de abuso de poder foi usado durante o tempo do nazismo. É claro que essas técnicas lúdicas devem ocorrer em conexão com lições de história baseadas em fontes confiáveis, como livros didáticas, possivelmente também conectada a trabalhos independentes e visitas a locais memoriais do Holocausto, se disponíveis. Muito depende da idade e experiência dos alunos; as técnicas apropriadas devem ser cuidadosamente avaliadas pelos professores, possivelmente em consulta com seus colegas.
Saiba mais
Peter Carrier foi o pesquisador principal do estudo “The Holocaust and Genocide in Contemporary Education. Curricula, Textbooks and Pupils”, produzido em parceria entre o GEI e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). O projeto mapeou o estado da educação formal sobre o Holocausto internacionalmente. Pesquisadores documentaram e compararam entendimentos históricos do Holocausto encontrados em 272 currículos de 135 países e em 89 livros didáticos de 26 nacionalidades.
O relatório permite fazer comparações entre países e deixa claro como cada um seleciona as informações a transmitir e o significado atribuído ao nazismo de acordo com seus interesses. “Como os resultados do relatório estão disponíveis publicamente na forma de um livro, professores, autores e consultores também podem acessar livremente as informações nele contidas. Se pessoas da Europa, por exemplo, estão lidando com professores brasileiros, podem obter uma visão dos currículos brasileiros com relação à temática do Holocausto de forma relativamente rápida e vice-versa”, diz Carrier. Acesse o estudo aqui.
Sobre a situação do Brasil, a pesquisa observa que o MEC (Ministério da Educação) emite diretrizes nacionais que estipulam o ensino sobre o Holocausto. No entanto, elas funcionam apenas como recomendações, e conteúdo pode ser adaptado e aplicado localmente. Após ataques a sinagogas e cemitérios judeus, Porto Alegre foi o primeiro município a introduzir educação obrigatória sobre o Holocausto para todas as escolas públicas em 2010.
*A jornalista é bolsista do Internationale Journalisten-Programme (IJP)