A fórmula, porém, é criticada por muitos educadores, incluindo o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), o que deixa a população com uma dúvida: há outra forma, viável, para lidar com a questão? Especialistas garantem que sim e apontam experiências já em curso no país e no próprio DF como modelos a serem multiplicados.
Um exemplo é o Centro Educacional São Francisco, em São Sebastião, que conseguiu superar um cenário de violência constante e se tornar um ambiente de paz ; nos últimos cinco anos, foram apenas cinco brigas entre alunos, sem grandes consequências. O segrego do Chicão, como o colégio é chamado pela comunidade, está na união da oferta de atividades extracurriculares (os alunos podem fazer aulas de circo, queimada, artesanato, culinária e dança) com a mediação de conflitos.
Esse último fator foi introduzido em 2011, pelo projeto Estudar em Paz, criado pela Secretaria de Educação do DF (SEE-DF). Vários funcionários do colégio foram capacitados para prevenir ou interromper episódios de violência. "Não precisamos resolver a violência com mais violência", resume o vice-diretor, Mateus Costa. Os alunos sentem a diferença. "Onde eu estudava antes, era confusão, professor gritando... Eu mesmo ia para cima de professor. Quando cheguei aqui, tive apoio. Eu amo a escola. Se pudesse, vivia aqui", diz Pedro Vinícius Brandão, 16 anos.
Cidadania contra a violência
Autora de um amplo estudo sobre prevenção da violência escolar, Flaviany Ribeiro considera modelos como o do Chicão exemplares. "O enfrentamento e a prevenção à violência ocorre pelo diálogo e pela inclusão na cidadania. O contrário de violência não é paz, e sim cidadania", argumenta a pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Essa também é a opinião de Nair Bicalho, coordenadora do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos (NEP), da Universidade de Brasília (UnB). "Temos que resgatar a escola democrática e cidadã. Uma proposta militarizada não vai dar ao estudante as ferramentas para lidar com os desafios que a vida proporciona", defende a pesquisadora, que já mapeou, só no DF, 105 colégios com experiências de mediação de conflitos e direitos humanos.
A SEE-DF argumenta que a gestão compartilhada tem sido implementada em escolas com baixo desempenho no Índice de Desempenho da Educação Básica (Ideb) e altos índices de vulnerabilidade, violência interna e externa, reprovação e evasão. "É uma das ações, que com certeza ajuda a combater a violência, que chegou a um ponto que estava prejudicando a aprendizagem", argumenta a chefe da Assessoria Especial da SEE-DF, Janaína Almeira.
A própria SEE-DF tem outras iniciativas que não passam pela gestão compartilhada, lembra Almeira, como a parceria com a Secretaria de Saúde que oferece aulas de ioga, reiki e meditação, já aplicada em unidades do Gama e de Brazlândia, e o projeto Escola Aberta, que incentiva ações de cultura e arte. A pasta também começou o projeto de gestão compartilhada com a Secretaria de Cultura. As primeiras escolas beneficiadas são o Centro de Ensino 01 do Lago Norte (Celan) e o Centro de Ensino Médio 01 (CEM) do Riacho Fundo.
"Ouça os alunos"
Ninguém discorda de que algo precisa ser feito. De acordo com levantamento feito pelo Sinpro-DF, 97,15% dos educadores brasilienses já presenciaram atos de violência dentro de escolas e quase metade dos professores já sofreram algum tipo de violência. Este ano, um coordenador morreu após ser esfaqueado, no Entorno. O debate, porém, está no modelo a ser adotado para solucionar o problema.
"Quando fui conhecê-la, vi que o muro era cheio de buracos onde se guardavam drogas, e os banheiros não tinham nem vaso sanitário", lembra o diretor Diego Mahfouz, que assumiu a escola em 2013. Logo no começo, Mahfouz teve de apartar uma briga em que uma aluna quebrou uma garrafa no rosto de outra. Percebeu que uma mudança radical era necessária e pôs em prática seu plano, que incluía o estímulo ao engajamento dos alunos e da comunidade e a mediação de conflitos.
Os resultados apareceram. Enquanto, em 2013, 212 alunos evadiram do colégio, no ano seguinte, foram apenas duas desistências. O trabalho rendeu a Mahfouz os prêmios Educador Nota 10 e Educador do Ano pela Fundação Victor Civita e Roberto Marinho, em 2015, além do Oscar da Educação Brasileira pela Academia Brasileira de Educação do Rio, em 2016. Se for dar um conselho a quem enfrenta um desafio semelhante, o diretor, que foi ainda finalista do Global Teacher Prize, o Nobel da Educação, resume de forma simples: "Ouça os alunos".
Escola bonita e atraente
A recuperação do espaço físico, aponta Mahfouz, foi outro ponto importante de seu projeto. Receber os alunos em um espaço agradável faz toda a diferença, garante, algo com o qual Castorino Alves, diretor do Centro de Ensino Fundamental 412 de Samambaia, concorda plenamente.
A escola, lembra Alves, era repleta de pichações, o que acabava tendo um claro impacto na motivação e na disciplina dos alunos. Assim, um grupo de grafiteiros voluntários foi chamado para tornar a área de convivência mais bonita e atrativa. A escola buscou ajuda ainda de grupo de escoteiros e, todas as sextas-feiras, recebe um grupo de psicólogos que faz rodas de conversa com alunos. Ainda são oferecidas aulas de caratê e grupo de leitura (veja fotos abaixo).
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Os efeitos foram sentidos. "Há três anos, tínhamos muitos problemas de brigas, às vezes marcadas pelas redes sociais", lembra o diretor, que não precisa mais lidar com esse desafio. O desempenho dos alunos também melhorou. "Hoje, fazemos de tudo para que a escola seja um ambiente agradável e que eles se sintam bem aqui", diz Alves, que neste ano pôde comemorar com sua equipe o recebimento do Certificado de Excelência, concedido pela Secretaria de Educação com base nos resultados obtidos no Ideb.
Para Patrícia Mota Guedes, gerente de Pesquisa & Desenvolvimento do Itaú Social, a solução passa por um conjunto de ações que deve partir da instituição, dos próprios alunos e das Secretarias de Educação. "É importante que as escolas se sintam apoiadas, com condições mínimas para planejar estratégias. Os estudantes precisam ser ouvidos e valorizados", aponta.
Segundo Guedes, as melhores experiências promovem a convivência democrática, o diálogo, o acolhimento e a valorização. "Pelo que temos de evidências, não é o uso da força ou medidas punitivas que dão conta de promover um ambiente de paz. Pesquisas mostram que no caso do bullying, por exemplo, o que desarma é a ação de outros alunos", conclui.