Jornal Correio Braziliense

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Primeira infância ganha destaque durante Assembleia Mundial da Saúde

Para informar com profundidade sobre o assunto, o Correio inicia hoje uma série de reportagens acerca da temática, que merece mais atenção de todos os setores da sociedade


Nesta semana, em que 4 mil pessoas, incluindo ministros da saúde de 194 países, se reúnem durante a Assembleia Mundial da Saúde em Genebra, na Suíça, para discutir questões como o surto de ebola na República Democrática do Congo, também ganhou destaque um tema que nem sempre recebe a atenção necessária: a primeira infância. Essa fase vai do período intrauterino aos 6 anos de idade e é considerada fundamental para o desenvolvimento de todo ser humano. Apesar de várias das adversidades que preocupam as autoridades mundiais serem consideradas de ;vida ou morte; (como fome, miséria, doenças infecciosas e guerras), é preciso incluir os cuidados com crianças pequenas na lista de prioridades.

Afinal, garantindo boas condições nessa fase, é possível evitar uma série de problemas e possibilitar a meninos e meninas a chance de atingirem seu potencial máximo. Os primeiros mil dias de vida são ainda mais críticos. Por isso, três unidades da Organização das Nações Unidas (ONU) ; a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Banco Mundial ; se juntaram para criar uma estrutura que guiará ações e parcerias em diversas áreas com o objetivo conjunto de garantir os cuidados necessários para o pleno desenvolvimento infantil até os 3 anos de idade.

Trata-se da Nurturing Care for Early Childhood Development Framework (Rede de cuidado carinhoso para o desenvolvimento da primeira infância, em tradução livre), lançada durante a Assembleia Mundial da Saúde, que começou na última segunda-feira (21) e continua até este sábado (26). A organização é resultado de mais de mil contribuições de 111 países, recebidas on-line ou presencialmente durante encontros desde julho do ano passado. O trabalho é feito em parceria com a Early Childhood Development Action Network (ECDAN) e a Partnership for Maternal, Newborn & Child Health (PMNCH), além de apoio do movimento Every Woman Every Child.

[SAIBAMAIS]A rede fornecerá referências e orientações para governos e organizações interessados em fazer a diferença na primeira infância. Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, assumiu recentemente a presidência da PMNCH e destaca o papel das famílias para garantir desenvolvimento exitoso nessa fase. ;Como pediatra e como mãe, eu percebo a diferença que fazem os pais;, diz. ;Entre duas famílias pobres, a que dava amor e cuidado e acolhia os filhos do melhor jeito que podia conseguiu desenvolver muito mais potencial;, comenta ela que, foi a primeira presidente da ONU Mulheres (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres).

Por isso, para obter bons resultados, a rede trabalhará em prol de condições como educação, saúde, segurança e alimentação, mas também agirá para garantir que as crianças tenham acesso a cuidados carinhosos por parte dos responsáveis por ela. Médica com estudos em estratégia militar, Michelle Bachelet foi ministra da Saúde e da Defesa em seu país de origem e implementou um programa de proteção integral à primeira infância que se tornou modelo, sendo replicado em países como Uruguai e Costa Rica, inclusive com o mesmo nome: Crece Contigo.

Não agir custa mais caro

A rede de cuidado carinhoso da ONU lista pobreza, desnutrição, insegurança, violência, desigualdade de gêneros, toxinas do ambiente e cuidadores com saúde mental debilitada entre grandes fatores de risco que podem resultar num desenvolvimento infantil abaixo do ideal. Nos países de baixa e média renda, 43% das crianças de até 5 anos (quase 250 milhões) correm o risco de não alcançar seu potencial máximo, isso considerando apenas pobreza e desnutrição. Levando em conta outras problemáticas, o montante deve ser ainda maior. Os dados são de estudo de pesquisadores de Estados Unidos, Inglaterra e Jamaica, publicado na revista científica Lancet. Uma das melhores ações que qualquer país pode fazer para impulsionar o crescimento econômico, promover uma sociedade pacífica e sustentável e eliminar a extrema pobreza e desigualdades é investir na primeira infância.

É o que defende Tim Evans, diretor sênior de Saúde, Nutrição e População do Banco Mundial. Ele deixa um alerta para governos que não priorizam essa faixa etária alegando falta de dinheiro. ;O custo de não agir é bem mais alto. O custo de agir é muito, muito pequeno, enquanto o retorno é gigante. Não é difícil entender isso;, afirma. ;Um dos primeiros passos para sair da inação é demanda e vontade política, e isso não vem com etiqueta de preço;, exemplifica. Uma boa notícia é que o fardo é compartilhado, o que faz com que os investimentos financeiros também sejam. ;Não há como fazer isso sozinho. É preciso de medidas intersetoriais entre áreas públicas e privadas;, observa.

Para que políticas nessa área sejam efetivas, Tim Evans defende a universalidade (para que todas as crianças sejam incluídas, sem deixar nenhuma de fora, por fatores como gênero) e a valorização de ciência e pesquisa (para entender o que funciona e como aplicar bem). ;Se você fizer tudo isso, dando às crianças mais pobres a oportunidade de se desenvolverem durante a primeira infância, os níveis de escolaridade aumentam, as chance de conseguir emprego aumentam, e os rendimentos também;, diz. Ou seja, o que é feito nos primeiros anos de vida afeta toda a vida de uma pessoa e, por consequência, o desenvolvimento do país. ;Para cada dólar investido na primeira infância, você recebe de 6 a 7 dólares de retorno. Em comparação com qualquer mercado, este é um investimento campeão. Não se recebe retornos como esse em nenhuma outra área;, aponta.

Os dados demonstram que os governos e as organizações ainda não abraçaram a causa da primeira infância como deveriam. ;A desnutrição está roubando de 155 milhões de crianças seu potencial cognitivo, o que é inaceitável nessa idade. Isso equivale a 25% do total das crianças. 50% das de 3 a 6 anos não têm acesso à pré-escola.; O médico e doutor em economia agrícola alerta que a situação será ainda mais grave em alguns anos nesse ritmo. ;Se não houver nenhuma ação com respeito a isso, em 2030, teremos 167 milhões das crianças, cerca de 30% do total, condenadas a uma vida de pobreza. Economicamente falando, isso representa 7% de perda de Produto Interno Bruto (PIB) e, claro, diminuição significativa do bem-estar social;, pondera.

Saiba mais

Como pais, familiares e outros cuidadores são os principais provedores de cuidados nessa faixa etária, políticas, programas e serviços devem ser desenvolvidos para habilitar a eles e as comunidades para suprir as necessidades de crianças pequenas. A rede da ONU promoverá os direitos e os cuidados de crianças de até 3 anos por meio das seguintes áreas de atuação:
  • Oportunidades de aprendizado
  • Cuidado responsivo
  • Segurança
  • Boa saúde
  • Nutrição adequada



Acompanhe!

O Correio Braziliense dá início, com esta matéria, a uma série de reportagens sobre os primeiros seis anos de vida. Pode esperar para ler mais sobre o assunto acompanhando o ;Especial 1; Infância;.

*A jornalista viajou a convite do International Center for Journalists (ICFJ), com patrocínio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV)