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Pais têm cada vez mais dificuldade de se se comunicar com filhos pequenos

A conclusão é de especialistas em educação do Brasil, da Argentina e da Espanha que participam de seminário em SP. A culpada por trás disso? A tecnologia, ou melhor, o uso dela, aliado ao ritmo estressante das grandes cidades, que faz com que as pessoas tenham uma vida acelerada e dificilmente desligada do mundo digital

Um mundo tecnológico torna possível e fácil se conectar com gente em qualquer parte do globo. No entanto, tem ficado cada vez mais claro que muito da conexão humana presencial se perde enquanto estamos ocupados com celulares, tablets e computadores, abastecidos a cada instante com um turbilhão de informações. E nesse universo de relações frias e impessoais, um problema grave é que os adultos passaram a ter muita dificuldade para interagir com bebês e crianças de até 6 anos - fase chamada de primeira infância, considerada fundamental para o desenvolvimento de uma pessoa.
Transmitir afetividade por meio do tom da voz ao ninar, brincar ou falar com um neném - em frases como "meu fofinho" e "meu amorzinho" - pode parecer natural ou automático para pais e mães, mas, segundo palestrantes que falaram para um público de 700 pessoas no Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância, isso tem se enfraquecido. O evento começou nesta terça-feira (13) e continua até quinta-feira (15), no Sesc Pinheiros, em São Paulo, com realização da Fundação Itaú Social e do próprio Serviço Social do Comércio (Sesc).

Comunicação familiar

Em mesa redonda sobre "A voz, a palavra e o brincar na primeira infância", a espanhola Beatriz Sanjuán, a argentina Maria Emilia Lopez e a brasileira Stela Barbieri discutiram o vínculo e a comunicação entre pais e filhos pequenos. Especialista em educação e leitura para o período de 0 a 6 anos e diretora do Jardim Materno da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, Maria Emilia fala com propriedade quando analisa a mudança nos processos comunicativos no seio família.



"Eu convivo todos os dias com 80 crianças, que vão dos 45 dias de vida aos 3 anos, no centro da universidade que dirijo. Convivo também com seus pais e mães. Noto que essa tarefa - aparentemente como algo natural da mulher - de entender e se comunicar com o bebê já não é tão frequente", observa. "A linguagem que aparece na maior parte das vezes é puramente declarativa, e não aquela com uma entonação cheia de carga de amor. Mas é justamente a fala afetiva que o bebê entenderá num primeiro momento, mesmo que não consiga compreender as palavras", defende.

[SAIBAMAIS]Cantar ou ninar uma criança pequena também é importante, um hábito nem sempre presente na rotina familiar, mas não apenas agora. "Não cantavam para mim quando eu era pequena também", relata Maria Emilia. Atualmente, porém, se tornou um grande desafio prender a atenção total de um responsável. "Às vezes, é difícil fazer com que o pai guarde o celular e se conecte com a criança." Para Maria Emilia, a mudança na linguagem tem a ver com as alterações da sociedade tecnológica. "É uma condição de época. Não é porque somos maus pais ou maus professores, mas isso traz consequências para bebês e crianças pequenas."

Sociedade acelerada

Professora de didática de literatura infantil na Universidade de Oviedo, Beatriz Sanjuán acredita que as mudanças na comunicação entre pais e bebê são causadas também pelo ritmo acelerado em que as pessoas vivem nas grandes cidades. "Sou a mais velha de 33 primos, então minhas experiências de infância foram sempre comunitárias e em família - cresci sem me dar conta da importância disso. Hoje em dia, as crianças vivem afastadas da família, quase sempre rodeadas de adultos", comenta a especialista em promoção de leitura e literatura infantojuvenis.



"Quando os pais voltam do trabalho depois de passarem o dia inteiro longe dos filhos, estão preocupados com a falta que produziram, mas não sabem como suprir aquilo", aponta. "Se eu passo três horas em engarrafamento durante o trajeto para casa, é mais difícil chegar a casa num clima que dê vontade de cantar e de brincar com a criança", compreende. E mesmo quando se reserva tempo para conviver, falta qualidade nos encontros, é o que destaca Stela Barbieri, educadora, artista e escritora. "Frequentemente uma família sai para jantar e cada um fica na mesa mexendo em seu celular", critica ela, que é assessora de artes plásticas da Escola Vera Cruz.



"Viver no planeta terra não está nada fácil em nenhum lugar do mundo, inclusive para os pais. Então precisamos criar algo novo. Esperar que os pais tenham uma postura bacana por si próprios, esperar algo dos governantes não vai funcionar", acredita a contadora de histórias e autora de livros infantis. O caminho, apontam as especialistas, é travar mais parceria entre profissionais da educação e as famílias, que podem aprender muito juntos. "No Brasil, nossas possibilidades eleitorais são dificílimas, então, se queremos algo melhor para a primeira infância, temos que arregaçar as mangas e fazer juntos, começando por pequenas revoluções no cotidiano", opina Stela, conselheira da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Pais, educadores e toda a sociedade podem se engajar com a causa, buscando nem que seja fazer o melhor pelos bebês e pelas crianças pequenas com quem convivem. Diante do desconhecimento de como lidar bem os filhos, os pais têm bastante interesse em aprender, então professores e outros profissionais com conhecimento na área podem ajudar, como percebe Maria Emilia, autora de livros sobre cultura e leitura na primeira infância. "Um entregador de supermercado passou em frente o centro em que eu trabalho e ficou encantado, olhando um tempão enquanto as educadoras brincavam com as crianças", conta. O educandário que ela dirige recebeu, em 2014, um prêmio por seu estímulo à leitura.



"Eu me aproximei desse entregador e ele me disse que tinha um filho; estava ali olhando como as professoras faziam para calar as crianças. Expliquei que não fazíamos nada para deixá-las quietas e entreguei a ele um livro sobre brincadeiras, livros e músicas para bebês", recorda. "Um mês depois, o entregador retornou e me deu um beijo e um abraço quando contou que o filho dele estava adorando tudo que ele começou a fazer depois daquilo", relata, satisfeita. Ou seja, às vezes só falta alguém que possa orientar os familiares, que podem encontrar esse apoio em creches e profissionais de cuidado e educação que se disponham a conversar com eles.

"Os pais podem aprender com a gente. Se não estão conseguindo fazer o filho dormir, por exemplo, eu posso ninar a criança, cantando uma música que inventei na hora, e fazê-la relaxar. Pode parecer uma besteira, mas é um recurso que os pais, a partir dali, poderão passar a usar", explica. "Quando o pai percebe que o filho de meses ri ao ver determinada página de um livro enquanto fica séria ao ver outras, fica surpreso e diz: ;nossa, ele entende!' Tudo isso porque apesar de tudo que já se sabe em termos de ciência sobre primeira infância, as pessoas, em geral, não compreendem a riqueza e a importância do período", afirma.



Maria Emilia pondera que, apesar de os pais terem muito a aprender, o mesmo pode se falar da maioria das creches e escolas de educação infantil. "Essas instituições, muitas vezes, regulam as brincadeiras dos bebês, que, nesse período da vida, só podem aprender brincando", garante. Então o papel de uma unidade voltada para a primeira infância precisa ser acompanhar a criança, explorando voz, palavra e experiências artística. "Tem creche que quer se escolarizar. Isso é muito ruim. Esse tipo de instituição tem que focar em brincar", defende.

Aprendizado que fica

"No centro em que trabalho", continua Maria Emilia, "nós recebemos cada bebê explicando que vamos cuidar dele enquanto os pais trabalham. Tem pais que não entendem o motivo de falarmos com seus filhos nessa faixa etária porque acham que eles não captam nada. Mas essa comunicação é muito importante: bebês entendem mais do que podemos imaginar." Stela pensa da mesma maneira: "Os bebês são investigadores natos. É nesse momento que a gente mais aprende na vida". E são vários os estudos que corroboram com a tese. "Tanto isso é verdade", emenda Beatriz, "que se você acompanhar idosos em asilos, verá que eles entram num processo de perder conexão com o mundo, passam a não receber as pessoas, mesmo as mais amadas, e, no fim, não conseguem nem falar."



É interessante observar, então, que mesmo pessoas da terceira idade idade que estejam num processo avançado de demência reagem a certos estímulos. "Parece que alguns idosos perderam toda a conexão com o mundo, mas, se você toca ou canta canções da época da primeira infância deles, eles reconhecem, chegam até a cantar. Mesmo pessoas que cresceram órfãs, em que poderia se pensar que essa transmissão afetiva não teve papel, o que se vê é que, quando todo o resto se apaga, o que fica conosco durante toda a vida são as palavras e as coisas da infância", diz Beatriz, que trabalha promovendo leitura compartilhada parabéns e famílias, além de desenvolver projetos em escolas.

Saiba mais

O Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância é realizado pela Fundação Itaú Social e pelo Sesc; com curadoria do Instituto Emília e da Comunidade Educativa Cedac; parceria com o Instituto C e a Acción Cultural Española AC/E; e apoio institucional da Revista Emília, do Laboratório Emília, do Instituto A cor da letra e do Centro Regional para el Fomento del Libro en América Latina y el Caribe (Cerlalc).

O evento vai desta terça-feira (13) a quinta-feira (15) no Sesc Pinheiro e reúne 700 participantes de 82 cidades brasileiras. Entre os palestrantes, estão personalidades de Brasil, Espanha, Argentina, Chile, Colômbia e Peru. O objetivo do seminário é compor um panorama teórico e prático sobre o acesso da cultura na primeira infância. Mais informações estão disponíveis no site.

*A jornalista viajou a convite da Fundação Itaú Social