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;A tia fez um escondidinho de carne suína e purê de mandioca. Tem cenourinha, que faz bem para as unhas e o cabelo e deixa a pele maravilhosa.; É com este tom carinho que a merendeira Nuap dos Santos, 35 anos, anuncia um dos pratos que serve para as crianças da escola em que trabalha na Cidade Ocidental, distante 46km do Plano Piloto. A iguaria, além de ser servida no Centro Municipal de Ensino Infantil Benedito Antônio, onde ela trabalha há um ano e meio, levou Nuap à fase nacional da segunda edição do concurso Melhores Receitas da Alimentação Escolar, que seleciona pratos bem-sucedidos servidos em colégios públicos de todo o país. A iniciativa recebeu mais de 2 mil inscrições e, após provas eliminatórias municipais e estaduais, selecionou 15 finalistas. As mulheres provaram as habilidades culinárias ontem, numa prova de fogo na Cozinha Experimental do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em Taguatinga.
Uma vida cozinhando
A bem articulada moça, que hoje prepara merendas para crianças de 4 a 6 anos da rede pública, outrora, ainda pequena, alimentava os irmãos menores quando a mãe estava fora. Aos 12, uma tragédia fez com que a cozinha se tornasse profissão. ;Minha mãe foi assassinada e fui trabalhar como empregada doméstica;, conta Nuap. As experiências adquiridas nas casas dos patrões e como assistente em lanchonetes e restaurantes serviu de bagagem para que ela trabalhasse na cantina da escola sem nunca ter feito curso de culinária. ;Quem é curiosa como eu acaba aprendendo muita coisa;, comenta ela, que diz gostar de brincar na cozinha. Nada que Nuap insere numa receita é à toa. ;Penso na consistência do alimento, na crocância, na combinação. Tudo tem um porquê. Isso foi adquirido na minha experiência de vida, sem nenhum conhecimento acadêmico na área.; Jeito para cozinha ela já tinha, mas a vocação para dar de comer a crianças foi aprimorada com a maternidade: ;Isso surgiu quando nasceu a mãe em mim;.
A notícia da gravidez fez com que Nuap prestasse o concurso municipal para ser merendeira. Na época, ela morava em Águas Lindas (GO) e estava desempregada, por isso a seleção da prefeitura apareceu como grande oportunidade. ;Grávida não arruma emprego;, explica ela, que é mãe de um menino. O serviço público deu a ela renda fixa, algo que fez falta no passado: Nuap precisou interromper o curso de história, que fazia na Universidade Católica de Goiás, em Goiânia, por não ter como arcar com as mensalidades. Falta apenas um semestre para que ela termine a graduação e os períodos cursados foram feitos com muito esforço: ela realizava trabalhos voluntários para reduzir o valor das prestações. Mas não era suficiente. ;Eu ainda precisava trabalhar para comer;, lembrar. O sonho dela é quitar a dívida e se formar. Depois disso, a próxima meta é estudar nutrição. ;Todas as áreas que estiverem ligadas à cozinha eu quero fazer;, planeja. A razão da escolha, é claro, veio com experiência como merendeira. ;Estou muito envolvida com a alimentação infantil;, completa.
Jurados de peso
A estrela na bancada do juri foi a estudante Sofia Marinho, 12 anos, aluna do 6; ano do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 104 Norte ; afinal, num concurso de merendeiras, a opinião de estudantes é a mais importante. A felizarda, que adora merendas da própria escola, foi eleita para provar e avaliar os pratos vindos de todo canto. A jovem aprovou as receitas que experimentou na competição: ;todas maravilhosas;. Para Sofia, essa competição é necessária para ;valorizar as próprias merendeiras e os pratos feitos por elas;. Outros avaliadores foram o chef do restaurante Bloco C, Marcelo Petrarca; Mariana Rocha, representante do Centro de Excelência Contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU; Lorena Medeiros, do Conselho Regional de Nutrição (CRN), em Brasília; e Alda Oliveira, presidente do Conselho de Alimentação Escolar de Roraima.
A organização da seleção de merendeiras envolve o Ministério da Educação (MEC), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Centro de Excelência contra Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP). Entre os pratos preparados estão caldo de bode, rocambole de baru, panqueca de polenta e muitos outros. No entanto, o concurso não leva em consideração apenas o talento na cozinha: para participar, era preciso inscrever uma atividade de educação alimentar e nutricional promovida pela merendeira em parceria com um nutricionista da região ligado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Inspiração
;Eu fazia o tão odiado arroz com sardinha;, conta Nuap, sobre o início como merendeira. De lá pra cá, a escola deixou de receber o peixe e passou a ser abastecida com mais vegetais. Ela se refere, orgulhosa, aos legumes provenientes da agricultura familiar. ;Pimenta-de-cheiro, cheiro-verde, couve-flor, agrião, batata, beterraba cenoura, quase todas as verduras.; Foi essa variedade que inspirou a merendeira a preparar uma nova receita. ;Se tenho todo esse material, eu me sinto estimulada a criar, fazer coisas diferentes.;
Quando uma amiga sugeriu que ela participasse do concurso, Nuap decidiu fazer a receita do escondidinho do zero. ;Queria montar um prato completo, que atendesse as necessidades das crianças porque é a única refeição que muitas têm durante todo o dia.; Levou um fim de semana para bolar o prato. ;Dei uma olhada nos ingrediente, nas possibilidade e pensei: carne suína com purê de mandioca é tudo de bom."
*Estagiário sob a supervisão de Ana Paula Lisboa
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