A Polícia Civil do Distrito Federal vai finalizar o inquérito da Operação Panoptes, que investiga fraudes em concursos públicos, até a próxima quarta-feira, quando o relatório será enviado à Vara Criminal de Águas Claras. O documento tem enfoque na suposta quadrilha que recebia dinheiro para garantir vagas a concurseiros em órgãos públicos ; Hélio Ortiz, Bruno Ortiz, Johann Gutemberg e Rafael Rodrigues, presos preventivamente na última segunda-feira, serão indiciados por organização criminosa e fraude em certame de interesse público.
A Corte ficará responsável pelo envio dos autos ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), que vai optar por oferecer a denúncia de imediato ou requisitar outras diligências à Divisão Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco). A Justiça e o órgão vão analisar, ainda, o conteúdo das interceptações telefônicas, que estão sob sigilo.
O documento reúne denúncias anônimas e de pessoas que chegaram a aderir à fraude; oitivas das 19 pessoas conduzidas à Deco para prestar esclarecimentos; informações da Divisão de Inteligência Policial (Dipo); e a listagem de objetos apreendidos na última segunda-feira. O Correio mostrou, ao longo da última semana, com exclusividade, parte desses documentos. Entre eles, as declarações de três pessoas que confirmaram o funcionamento da organização criminosa.
[SAIBAMAIS]Delegado Adjunto da Deco, Adriano Valente acredita na possibilidade de uma denúncia célere por parte do MPDFT. ;Todos os concursos públicos são monitorados pela Dipo. Ou seja, havia um sinal de alerta sobre alguns certames. Com o passar do tempo, denúncias corroboraram as suspeitas e aprofundamos as investigações. Os grampos telefônicos e as demais evidências recolhidas são suficientes para provar as irregularidades;, aposta.
Parte dessas evidências decorre da troca de informações com polícias de várias unidades da Federação, como as corporações da Paraíba e de Goiás. No estado goiano, deve ser deflagrada uma operação para desmantelar uma organização criminosa similar à quadrilha presa na capital.
A Deco deve realizar em breve a segunda fase da Operação Panoptes. Serão alvos os ;pilotos; ; especialistas que realizavam as provas e repassavam os gabaritos a concurseiros ;, funcionários de bancas examinadoras e concorrentes que aderiram ao golpe. Segundo a corporação, mais de 100 fraudadores foram identificados e serão intimados a prestar depoimento. Responsável pelo indiciamento, a Deco também oficiará os órgãos públicos nos quais estão lotadas as pessoas que se beneficiaram do esquema.
Está na mira dos investigadores, ainda, pelo menos um desmembramento da quadrilha liderada por Helio Ortiz. ;Normalmente, isso acontece quando há desentendimento entre integrantes de um esquema criminoso. Os fraudadores, então, dividem-se em organizações diferentes, destinadas a exercer irregularidades similares;, explica Adriano Valente.
A Máfia dos Concursos burlava também vestibulares de universidades públicas e particulares. O Correio publicou, na semana passada, o depoimento de um pai que pagou, como entrada, o valor de R$ 45 mil pela aprovação da filha, de 21 anos, no curso de medicina de uma universidade pública do DF ; o total cobrado pela vaga era de R$ 220 mil. A moça, contudo, não obteve êxito no certame. Diversos relatos semelhantes a esse constam no inquérito.
;Arbitrária;
Procurado pelo Correio, Rubens Pires, advogado de Hélio Ortiz, Bruno Ortiz e Rafael Rodrigues, informou que não teve acesso ao inquérito e, portanto, não poderia emitir um posicionamento. ;O máximo que posso dizer é que a prisão preventiva aconteceu de forma arbitrária. Todos têm residência fixa e não apresentavam risco à ordem pública;. Os três foram transferidos do Departamento de Polícia Especializada (DPE) para o Centro de Detenção Provisória (CDP) do Complexo Penitenciário da Papuda anteontem.
Responsável pela defesa de Johann Gutemberg, o advogado Marco Antônio de Sousa Souza afirmou que o cliente está disposto a ;prestar todos os esclarecimentos necessários ao avanço das investigações;. ;Ele informou que nunca participou ativamente do esquema e também não recebeu qualquer valor para praticar atividades ilícitas;. Johann também está detido no CDP.
Os dois advogados devem apresentar os pedidos de revogação da prisão preventiva na terça-feira. Eles terão acesso ao inquérito amanhã. Pelo alcance da organização criminosa a diferentes certames e devido à atuação sistemática, a Deco considera o encarceramento adequado. Os delegados usam, como exemplo, os planos da máfia em fraudar o concurso da Câmara Legislativa, previsto para dezembro deste ano.
Como atuava a máfia
- Com a promessa da aprovação em concursos, integrantes do esquema fraudulento abordavam estudantes, na maioria das vezes, em portas de cursos preparatórios e universidades. Há relatos, porém, de aliciamentos também via WhatsApp, em hospitais e portarias de edifícios. Todas as oportunidades eram aproveitadas.
- A falta do certificado de curso superior ou de outras especializações não era um problema. Quando necessário, a organização criminosa fraudava os diplomas.
- Para aderir ao conluio, os concurseiros tinham de desembolsar uma entrada, cujo valor variava entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, a depender do cargo desejado.
- O modus operandi da fraude ocorria em quatro formatos diferentes: o candidato usava um ponto eletrônico e recebia o gabarito durante a aplicação do exame; o concorrente utilizava aparelhos celulares deixados em alguma parte do local de prova, geralmente em banheiros, para a obtenção de respostas; pessoas alheias ao concurso usavam identidades falsas para realizar a prova no lugar dos verdadeiros concorrentes; ou funcionários das bancas examinadoras participavam da fraude.
- Após a aprovação, o candidato pagava o valor equivalente a 20 vezes a remuneração inicial prevista no edital. Os delegados detalham que, na maioria das vezes, os concorrentes adotaram sistemas de crédito consignado para arcar com os custos.
Ponto eletrônico para concurseiros
A Delegacia Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco) contou com o apoio popular para identificar alguns integrantes da Máfia dos Concursos. Uma denúncia anônima, em 29 de junho de 2015, detalhou o modo de operação e de abordagem da organização criminosa liderada por Hélio Ortiz. Ainda com base na declaração, a Polícia Civil conseguiu identificar um dos supostos aliciadores: Américo Gonçalves Pereira Júnior.
Atualmente, ele exerce a função de técnico administrativo da Secretaria de Saúde e recebe, mensalmente, uma remuneração de R$ 2.145,50. À época da denúncia, contudo, Américo era porteiro em um edifício na Avenida Araucárias, em Águas Claras. Autora do depoimento, a moça relatou que, ao mencionar o estudo para um concurso previsto para abril de 2016, o porteiro sugeriu a fraude ao certame.
Chip
Se ela desejasse aderir à empreitada, teria de pagar, antecipadamente, R$ 3 mil, pois ;seria adquirido, na China ou nos Estados Unidos, um microchip, de alta tecnologia, do tamanho de um grão de feijão, capaz de transmitir as informações necessárias para o candidato preencher as questões da prova objetiva;.
Américo ainda teria esclarecido que um ;piloto; faria o exame rapidamente e deixaria o local de prova para, logo em seguida, transmitir o gabarito aos participantes do esquema. A única exigência era de que a moça não fosse ao banheiro durante o concurso, para não correr o risco de passar pelo detector de metais.
No mesmo dia, Américo a apresentou a uma pessoa que se intitulou ;chefe do esquema;. À época, a moça não soube informar aos policiais o nome do rapaz, mas disse que ele afirmou ser ;promotor de Justiça no Estado do Maranhão, licenciado por motivos pessoais;. Segundo a Deco, trata-se de Bruno Ortiz.
E, para encorpar o discurso, o porteiro usou a própria experiência ao exemplificar o sucesso da fraude. Conforme destaca o depoimento, Américo disse que ;ele mesmo havia obtido a aprovação em dois concursos públicos, fazendo uso das artimanhas de Hélio Ortiz, e que estava prestes a tomar posse em outro cargo público;.
À época, a moça disse que, segundo as informações recebidas, após a aprovação no certame, teria de realizar um pagamento equivalente a dez vezes o valor do salário previsto em edital. Caso não tivesse o dinheiro, deveria conseguir um empréstimo bancário para quitar o débito. Atualmente, a Deco esclareceu que a organização criminosa cobrava entre R$ 5 mil e R$ 20 mil como entrada e a cifra repassada depois do registro das primeiras colocações atingiria 20 remunerações descritas no edital.
Conduzido coercitivamente na Operação Panoptes, Américo Gonçalves negou envolvimento com o esquema encabeçado por Hélio Ortiz. Em depoimento, disse que ;nunca procurou, nem foi procurado por ninguém para tratar sobre assuntos relacionados a provas de concursos públicos;. Pontuou ainda que, no dia do certame da Secretaria de Saúde, ;chegou no horário designado, onde realizou os procedimentos padrões, como a apresentação de documento e a entrega de aparelhos telefônicos;.