Jornal Correio Braziliense

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Currículo único para o bê-á-bá

Ministério da Educação divulga proposta de nova base para educação infantil e fundamental. Com as mudanças, o inglês passa a ser obrigatório, e conteúdos de identidade de gênero e ensino religioso saem da grade nacional

O Ministério da Educação apresentou a última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil e o ensino fundamental. Esta é a terceira versão do projeto que traz mudanças no currículo de todo o país. Segundo o governo, é uma padronização de conteúdos usada pelos países desenvolvidos para manter a qualidade. As alterações, que devem atingir 190 mil escolas, precisam ser aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Após aprovação no conselho e homologação pelo ministro da Educação, as escolas estaduais e municipais terão o prazo de dois anos para promover as mudanças nos currículos. Entre as mudanças está a de que todas as crianças devem estar alfabetizadas no fim do segundo ano do ensino fundamental, aos sete anos. O prazo anterior era até a terceira série. Outra alteração é a obrigatoriedade do ensino de inglês.

O bombeiro Petronilio dos Santos, 45 anos, é pai de Miguel Simplício, de nove anos. O garoto está no terceiro ano e já mantém a disciplina nas tarefas. Petronilio vê como positiva as mudanças, mas ressalta que ainda são insuficientes para melhorar a qualidade. ;A escola precisa de muitas mudanças para atingir a qualidade esperada. Antigamente havia matéria que ressaltava o respeito entre as pessoas. É importante que os pais também participem da vida escolar dos filhos;, argumentou.

O texto do projeto inclui as novas tecnologias nas escolas. Entre 10 competências que devem ser desenvolvidas nesta fase da educação, está a de ;utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética;. O projeto, que foi criado após uma consulta pública pela internet e com participação de especialistas de 37 universidades, regulamenta o direito de aprendizagem e desenvolvimento para crianças e bebês com idades entre seis meses e seis anos.

Para a coordenadora do Le Petit Galois, Rosa Cavalcante, a reforma é um ganho para a alfabetização. ;Toda intenção dela é que ele dê o mínimo de equidade aos alunos.; Já a especialista em alfabetização e professora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Iesb, arli Assis destaca que a proposta é interessante para garantir às crianças desde cedo o contato da leitura e escrita. Contudo, ela não descarta o papel do governo com o ensino e aplicação do conteúdo. ;A formação do professor precisa ser adequada, e não podemos tirar o papel da família nos auxiliando.;

Desigualdade

Dois assuntos estão fora do currículo do ensino fundamental, de acordo com o documento: o conteúdo sobre identidade de gênero e a disciplina de ensino religioso deixam de integrar a proposta de educação para crianças e adolescentes. De acordo com o MEC, a base curricular já defende o ;respeito à pluralidade;. Já a educação religiosa deve ser regulamentada por estados e municípios.

A biomédica Tatyanna Souza, 38 anos, é mãe dos gêmeos Lorenzo Galante e Paola Galante, de três anos. Os filhos estudam em uma escola maternal no Cruzeiro. Para Tatyanna, as mudanças só vão funcionar na teoria. ;Essa meta de alfabetização estipulada pelo governo não funciona na prática. Temos um país com grandes desigualdades sociais e ainda vemos uma grande diferença entre as escolas públicas e particulares. O governo cria regra que ele mesmo não poderá cumprir;, afirmou a profissional de saúde.

* Estagiária sob supervisão de Leonardo Cavalcanti, editor de Brasil

O que muda

Conteúdo

Inglês passa a ser obrigatório nas escolas do ensino fundamental;

História passa a ser ensinada de acordo com a cronologia dos fatos;

Identidade de gênero não será abordada nas séries do ensino fundamental;

Os recursos tecnológicos devem incentivar a visão crítica, reflexão e ética.

Metas

Até os sete anos de idade, ou até o segundo ano do ensino fundamental, todas as crianças devem estar alfabetizadas;

Crianças de zero a seis anos têm direito ao aprendizado e ao desenvolvimento.

Métodos científicos, de investigação, hipóteses, análises críticas e reflexão devem ser adotados nos nove anos para incentivar a intelectualidade.

Artigo 2

Por Roberta Bueno

Sala de aula como espaços inclusivos

A mudança procura retomar e fortalecer a flexibilização, enfatizando que a educação vive hoje um momento de transição, reiterando a necessidade de mudanças: nesse momento, as adequações curriculares implicam na planificação pedagógica e ações docentes fundamentadas em critérios que definem os aspectos individuais da aprendizagem de cada educando. A diversidade para que se possa conviver com as diferenças, promovendo o respeito, o desenvolvimento da autonomia e independência e autoconceito positivo pela participação social; proporcionar uma sala de aula como um espaço inclusivo, acolhedor, um ambiente estimulante que reforça os pontos positivos, reconhece as dificuldades e se adapta às peculiaridades de cada aluno.

É essencial que as escolas estejam muito diferentes em poucos anos e que marchem para um ensino cada vez mais multidisciplinar e transversal, em que as aulas expositivas se combinem com os estudos interdisciplinares. A Base Curricular tem objetivos mais concretos e consegue orientar melhor o projeto pedagógico. E, com isso, a proposta para a educação infantil defende que brincadeiras para a aprendizagem têm como eixo principal a ludicidade. O trabalho segue a concepção de que o aluno tem o direito de se apropriar de todas as linguagens, não apenas a escrita, mas também a oral e a corporal. Sempre partindo de brincadeiras e interações, essenciais para a comunicação na primeira infância.

Roberta Bueno é diretora pedagógica do Colégio CEAV Jr. Taguatinga

Artigo 1

Por Isaac Roitman

Reforma ou revolução?

Recentemente, por meio da medida provisória 746, foi aprovada a reforma do Ensino Médio. O argumento que esse tipo de reforma não deveria ser encaminhada por medida provisória e que deveria ser mais discutida pela sociedade tem sido usado por pessoas e entidades. Porém, vale a pena recordar que a melhoria da educação brasileira vem sendo discutida desde 1932 e que, no Manifesto dos Pioneiros da Educação, o diagnóstico foi feito e as soluções foram propostas. De lá para cá, o que observamos é que a nossa educação não melhorou. As escolas produzem um número razoável de analfabetos funcionais, os estudantes estudam para fazer provas e os egressos de nosso ensino básico não estão devidamente qualificados para o mercado de trabalho ou para o ingresso nas universidades e são desprovidos de valores como a ética, a solidariedade, o desapego, entre outros. Em adição, nossos professores não têm o reconhecimento de seu trabalho social e estão cada vez mais desencantados.

É legítimo afirmar que a reforma do ensino médio promove avanços como o tempo integral, a flexibilização e a introdução de itinerários formativos. É também pertinente indagar as razões do ensino médio ter sido o foco da reforma. Provavelmente pelos altos índices de reprovação e evasão e pelos resultados negativos de avaliação no Ideb (Índice de desenvolvimento da educação básica). Uma pergunta então emerge: de que adianta formatarmos um excelente ensino médio para egressos do ensino fundamental totalmente despreparados?

A resposta a essa questão nos leva à conclusão de que todo o sistema educacional precisa ser novamente construído, não através de tímidas reformas, mas, sim, por meio de uma verdadeira revolução. A educação deverá ser um dever do Estado desde a primeira infância, em que a brincadeira deve ser o principal instrumento pedagógico. O ensino infantil deve ser emoldurado pela alegria, pelo contato com a natureza, pela socialização em um cenário de atividades artísticas (música, dança, pintura, cinema etc.) e esportivas. No ensino básico e superior, devemos ter o protagonismo dos estudantes através do estudo de temas e resolução de problemas do cotidiano em substituição à aula expositiva. As famílias serão parceiras, ou melhor, cúmplices, na construção de uma educação de qualidade.

É chegada a hora de romper com o tradicional iluminismo educacional que insiste na transmissão de conteúdos e na formação social individualista e uma mídia perversa que constrói uma sociedade para servir ao mercado. É pertinente lembrar o pensamento de John Dewey, com quem Anísio Teixeira conviveu: ;A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida;. Vamos todos participar dessa revolução.

Isaac Roitman é professor emérito da Universidade de Brasília