Na mostra, os estudantes puderam inscrever curtas de até cinco minutos, com tema livre, ou explorar sobre o tema ;Água, uma agenda para a vida;. Dos 103 inscritos, 40 foram selecionados. Hoje, em meio a gritos e aplausos, 20 curtas-metragens foram exibidos, representando as seguintes cidades: Recanto das Emas (2 produções), Cruzeiro (4), Ceilândia (2), Brazlândia (1), Riacho Fundo II (1), Gama (5), Sobradinho (1), 104 Norte (1), Santa Maria (3). Os criadores também diversificaram nos gêneros, e abordaram drama, terror, ficção com stop motion, ficção, documentário, comédia, animação, ação, musical e diversos.
Segundo o secretário de Cultura, Guilherme Reis, concentrar os estudantes em espaços culturais é um objetivo contínuo. ;Nós estamos trabalhando para os alunos estarem frequentemente no cinema, nos museus e nos teatros. Eu acho que o processo de educação de cada um deles fica super rico se pudermos ter arte e cultura no nosso cotidiano, além do que os celulares e a televisão nos oferecem;, ponderou o secretário. Isso é comprovado quando ele pergunta quem nunca foi ao Cine Brasília e uma boa parte dos alunos levanta as mãos. É o caso de Débora Menezes Santos, 13 anos, aluna do Centro de Ensino Fundamental 4 do Gama. ;Nunca tinha vindo aqui e gostei muito. Todos os curtas foram bons, tudo ótimo. Acho que participarei das próximas edições, achei legal;, comenta a estudante.
Para criarem os curtas, várias áreas do saber são envolvidas, o que estimula o aluno a exercer tudo o que já aprendeu na escola e experimentar novidades. ;O festival tem tudo a ver com as questões pedagógicas, desde a pesquisa sobre o tema escolhido, a elaboração do roteiro e a organização para a gravação. Ciências da natureza, ciências humanas e matemática, enfim, todas as disciplinas estão envolvidas. É uma oportunidade também para descobrir talentos, diretores, atores de teatro e cinema, dançarinos e músicos;, diz Clóvis Sabino, o secretário adjunto da SE/DF.
Talentos foram descobertos pelo professor de história Rhenzo de Brito Fernandes, que no ano passado monitorou o filme Revir, dos alunos do Centro Educacional 8 do Gama,vencedor na categoria melhor roteiro e melhor direção. Quando se tornou professor do Centro de Ensino Fundamental 4 do Gama, ele incentivou os alunos a participarem do festival e a ideia foi acolhida. ;Quando vi o resultado, fiquei surpreso com o talento deles, que só precisam de uma oportunidade. Eu brinco que sou semeador, planto uma sementinha. Deu certo e fico feliz com a qualidade dos trabalhos, algo que já tem dentro dos alunos e só precisa ser desenvolvido;, acrescenta Rhenzo. Diga não ao preconceito e Projeto Água: a invasão são as duas obras da escola que concorrem este ano, das quais o professor é orientador.
O curta Diga não ao preconceito é o único classificado no gênero musical. O filme é formado por uma narração sobre casos de preconceito e um videoclipe de música autoral sobre o tema, cantada pela banda Estudo Radical, formada pelos alunos Rian Victor Rodrigues, 14 anos, Gustavo Aragão, 13, Janaína Teixeira, 13 e Rafaela Suyane, 13. Tudo começou quando o professor reuniu os alunos para uma aula sobre preconceito racial, social e sexual, devido a vários casos ocorridos na escola. Diante do tema, Rian, rapper gospel, decidiu escrever uma música. ;O professor Rhenzo fez uma auditoria na escola, nos escolheu e, assim, nasceu a banda. Quando ele deu a aula, decidi logo fazer a canção para a banda;, conta.
O assunto é palpável, já que três dos quatro integrantes da Estudo Radical sofreram preconceito. ;Sou bissexual assumida e falam que isso não é normal. Começaram a falar mal de mim, me apelidar de maria machão e me discriminar;, conta Janaína, 13 anos. Os garotos da banda contam que também sofreram. ;Já nos discriminaram pelo nosso jeito de vestir, nos chamam de bandido, peba. A polícia já nos parou, do nada, na rua;, contam. Depois de apresentarem a música na escola, a mudança aconteceu e hoje não percebem mais a discriminação. Hoje, percebem que cantar é uma forma de lutar pelo que acredita. ;É uma sensação muito boa cantar contra o preconceito. As pessoas ouvem e refletem sobre como agem e mudam;, afirma Rafaela, 13 anos. ;Diga não ao preconceito é a primeira música que cantamos;, diz Gustavo, 13, DJ e rapper da banda.
Água
Com roteiro futurístico, outro filme que se destacou no festival foi o Projeto Água: a invasão, único na categoria ação. A história se passa em um futuro, em que a água é escassa e dominada por poderosos. Alguns corajosos decidem que a água deve ser para todos, principalmente, os pobres. Dando um spoiler, no fim, aparece a mensagem: ;Cuide da água hoje, ou no futuro seus filhos matarão por ela;. Victor Batista Magalhães, 13 anos, e Leonardo Junio de Melo, 14, são os criadores do curta. ;Encontrei o Leonardo no intervalo e ele me disse que queria fazer um curta, mas não sabia como. Eu me propus a escrever o roteiro, o que demorou um mês.Minha inspiração foi o vídeo A carta de 2070, em que um homem explica como o futuro seria. Daí baseado nessa noção, fui criando a minha história;, explicou Victor.
O processo de direção e edição surpreendeu Leonardo. ;Foi uma experiência nova. Eu achava que era fácil filmar, simples, mas foi muito difícil. Demoramos cinco horas para gravar, e muito mais para editar;, conta Leonardo, que teve a ajuda de Victor para a edição. Os cineastas aspirantes querem participar das próximas edições do festival, que acendeu um antigo desejo. ;Eu já queria muito trabalhar com cinema, mas eu vi que tinha muito diretor bom que não ganhava visibilidade e aí desisti. Mas agora voltou essa vontade. Acho que vou tratar isso como hobby.; Leonardo está feliz com o resultado do filme. ;Só quero agradecer à escola, ao professor e a todo mundo que cooperou e apoiou esse projeto;, diz.
Homenagem
Sérgio Moriconi, cineasta brasiliense, é o homenageado da segunda edição do evento e estava presente hoje. Com uma extensa carreira, Sérgio trabalhou no início da tevê educativa da SE/DF. ;No início, era o Centro de Tecnologia Educacional, que era um projeto da Unesco de criar centros de produção de vídeos comunitários no Brasil inteiro e no Chile. Aqui em Brasília, o centro era para trabalhar na Ceilândia. O centro era ligado à Secretaria de Educação;, conta. Assim, ele entrou na SE/DF, mas sem ser concursado. Aos 21 anos, formado em cinema pela UnB, tinha o primeiro filme profissional gravado, o Carolino Leobas (1978). Trabalhou na Radiobrás como estagiário e chegou a chefe. Ministrou aulas para adolescentes, adultos e idosos no Espaço Cultural Renato Russo na 508 Sul. Seu filme Athos é um dos mais conhecidos. Como professor, Moriconi sempre quis formar uma melhor plateia para as artes visuais; e essa motivação se estende ao festival. ;A importância de eventos como esse é formar melhores espectadores, pessoas que veem bem o cinema, formar plateias com olhar mais aguçado para o cinema. A indústria cinematográfica só sobrevive porque tem quem aprecia as produções.;
O diretor que acompanhou a primeira edição do festival em 2015 nota uma diferença em relação aos trabalhos neste ano. ;Eu achei muito legal. Comparando com o ano passado, ouve um crescimento: diversidade maior de temas, evolução de ponto de vista técnico e de linguagem. A gente percebe aqueles alunos que foram acompanhados por um professor que os orienta mais tecnicamente, outros que não são tão técnicos mas a criatividade é demais. São medidas diferentes, todos precisam ser analisados de uma forma;, diz.
Modesto, o roteirista, acredita que as pessoas não sabem quem ele é ou sua história. O pensamento foi contrariado quando assistiu ao curta Obrigado, pai, uma homenagem a Sérgio, feito pelos alunos do Centro de Ensino Fundamental 209 de Santa Maria. ;Eles sabem quem eu sou, pois representaram uma cena de um filme meu sobre o Athos Bulcão, onde coloquei meninos de rua para subir nos cubos da lateral do Teatro Nacional. Viram o filme e fizeram a homenagem. Isso me tocou muito porque vi que eles me conhecem, não só ouviram falar;, conta. Moriconi será homenageado na premiação dos curtas em 23 e 26 de setembro.