Feche os olhos, respire fundo e pense numa biblioteca feita para deixar a imaginação solta: ao entrar, muitos livros, organizados em estantes personalizadas especialmente para crianças mexerem; um espaço para correr e brincar; várias caixas coloridas que podem servir de banquinho, palco, armário e o que mais você conseguir pensar; um armário só de jogos; vários desenhos nas paredes.
E, no meio disso tudo, está um tapete mágico, que só decola se todo mundo tirar o sapato! Esse espaço existe no Shopping Popular de Ceilândia: é a biblioteca do Projeto Roedores de Livros. Hoje, o grupo comemora 10 anos de existência.
Todo sábado, das 9h às 12h, tem leitura dinâmica e, depois, cada criança pode escolher duas obras para levar pra casa.
Cerca de 30 meninos e meninas, de Ceilândia e Sol Nascente, frequentam regularmente o espaço. E o esquema funciona:
A gente tem perda de livro, mas é muito pouca. Geralmente, é alguém que se mudou, que não tem condições de trazer de volta, diz Ana Paula Bernardes, uma das fundadoras do projeto.
Como presente de aniversário, tudo que a Ana e o Tino Freitas músico e escritor de livros infantis que montou o projeto com ela querem é um espacinho maior, que consiga abrigar mais livros e mais crianças.
Tem uma frase famosa do bispo dom Pedro Casaldáligua que diz que é preciso ter teimosia e esperança. A primeira temos aqui para conseguir abrir todo sábado, e a segunda porque esperamos que essas crianças cresçam e sejam algo além do que são hoje graças ao projeto, revela Tino.
A origem desse tapete mágico
Tudo começou quando a professora da Secretaria de Educação Ana Paula Bernardes, 45 anos, e o músico e escritor Tino Freitas, 43, juntaram conhecidos para promover uma leitura interativa com crianças na biblioteca comunitária do Açougue Cultral T-Bone, na 713 Norte. Com o tempo, perceberam que o projeto poderia ajudar muito mais crianças se eles saíssem do Plano Piloto. Consultor comercial Célio Calisto, 46, foi responsável por levar o projeto para Ceilândia, onde mora.Primeiro na ONG Pró-Gente, depois na Creche Comunitária da Criança e, por fim, no Shopping Popular da cidade.
Na creche, a gente ficava no jardim, embaixo de uma árvore bem grande, com formiguinha na bunda mesmo, e levava os livros todos em caixas de papelão. Foi daí que veio a ideia de ter um tapete, explica Tino.
Ninguém tinha muita noção do impacto do nosso projeto até um dia em que choveu muito, e a gente não apareceu. Quarenta minutos depois, o porteiro da creche ligou e perguntou: ;Vocês não vêm, não? Está cheio de menino molhado aqui esperando a leitura!” Depois disso, a gente nunca mais faltou, conta Ana Paula.
A jornalista Mariana Niederauer, 26 anos, e o sociólogo Alexandre Brito, 26, apareceram há um ano para ajudar na contação de histórias. Depois de algumas visitas, os dois se apaixonaram pelo trabalho. Para aprender as técnicas de mediação, observaram bastante a Ana e o Tino, mas também leram livros de metodologia. Um bem legal, que fica na cabeceira da Mari, é o Andar entre livros, de Teresa Colomer (Editora Global, 207 páginas, R$ 33,75).
Fala, roedor
Vitória Martins, 12 anos, frequenta o clube do livro há seis anos e não poderia se sentir melhor no espaço:
Aqui, a gente se trata como uma família mesmo.
Vitor Rodrigues tem 10 anos de idade e seis de roedor de livros e não desgruda do local:
Quando eu ainda não sabia ler, eu olhava o desenho e tentava imaginar o que ele estava falando, aí me acostumei. O Tino também não usa as letras para explicar o que acontece, ele vai fazendo a história com você, conta.
Às vezes, o grupo promove oficina de artes, ensinando a fazer fantoches, desenhos e objetos de material reciclado. Em outras ocasiões, há visita de escritores e comida gostosa. Tem sábado que a turma passeia pelo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e por feiras de livros. Mas, na maioria dos dias, todo mundo faz um monte de perguntas depois da dinâmica e os mediadores de leitura usam até um mapa para ajudar nas explicações.
Tem muitas histórias que se passam em outros lugares, como na Espanha, em Paris e até na Austrália, e a gente sempre quer saber onde fica, diz Rahídes Farias, 12, que participa do projeto há seis anos.
A brincadeira ajuda muito no desempenho escolar dos participantes. A produção de texto fica bem mais fácil, a leitura fica mais rápida e dá até para aprender uma coisa ou outra em outro idioma, como espanhol e francês.
O bom é que as histórias se ligam umas nas outras. Por exemplo, tem um livro sobre um samurai em que aparece aquela cobra que também é citada em Hércules, que quando você corta uma cabeça, duas surgem (Hidra de Lerna, cobra com corpo de dragão e três cabeças de serpente). Isso aflora mais a nossa mente, porque uma coisa lembra a outra, completa.
Acervo
Os mais de 5 mil livros são organizados pela letra do sobrenome dos autores, como em qualquer outra biblioteca, mas há uma separação em quatro categorias: literatura infantil, literatura jovem, coleções, quadrinhos e a seleção dos roedores, que são os favoritos da garotada. O acervo é pequeno, mas de qualidade, e quase todos os itens foram doados por amigos dos fundadores do projeto, entre eles escritores e ilustradores e, sempre que eles lançam alguma obra, enviam uma cópia ao Roedores de Livros. Claro que, de vez em quando, eles também visitam para contar histórias e deixar recadinhos. As paredes do espaço contam com registros da passagem de Renato Moriconi, Romont Willy, Lucia Hiratsuka, Ivan Zigg, Marília Pírillo, Jonas Ribeiro, André Neves, Sandra Ronca, Rita Fittipaldi e até mesmo de escoteiros!
Eles aparecem para falar sobre a vida deles, contar histórias, ensinar algumas brincadeiras que fazem em acampamentos e ajudar a catalogar os livros, revela Vitória Martins, 12.
Existe ainda a chamada ;comissão desorganizadora;, formada por quatro crianças acima de 10 anos que ficam responsáveis por ajudar na organização, decidir regras e passar informações para o resto do grupo. Os adultos ali são amigos e servem mais como moderadores, explicando o que é possível fazer e o que fica muito difícil. Mas por que ;comissão desorganizadora;? Vitor Rodrigues, 10, explica:
É que a gente organiza algumas coisas, desorganizando outras. Por exemplo, a gente montou o mural de comemoração dos 10 anos de Roedores de Livros, mas fez bagunça com papel, tesoura, tinta, pincel, canetinha...
Oscar dos livros infantis
Na estante de favoritos do projeto, os livros mais
escolhidos pela garotada são:
Era uma vez a Morte. Ninguém queria saber dela e todo mundo só pensava em lhe passar a perna, mandá-la para bem longe de suas vidas tão preciosas. O compadre bem que tentou ser mais esperto que ela; o ferreiro achou que podia fazê-la esperar para sempre. (Autor: Ricardo Azevedo, Editora: Ática, 62 pág, R$ 48)
Imagine um cachorrinho de estimação que se chama Pum! Daí dá para tirar diversos trocadilhos, criando frases e situações realmente hilárias. É um tal de não conseguir segurar o Pum que faz o menino passar muita vergonha. (Autor: Blandina Flanco, Editora: Companhia das Letrinhas, 32 pág,
R$ 22,50)