Uma sala de aula com quadro e giz não atrai mais alunos nem professores. É necessário inovar e criar, sobretudo, em um mundo dinâmico e superconectado. É preciso apostar na relação entre docente e estudante, na troca de experiências e no desenvolvimento de perfis críticos e questionadores. A paixão do profissional também desperta o encantamento do jovem. Esse cenário, no entanto, bate na porta de uma formação rígida e pautada pelo sistema educacional unilateral. Para modificar e adaptar o quadro ao mundo complexo, é preciso investir na qualificação continuada dos mestres e, principalmente, na criatividade.
;Nós, educadores, não temos como assegurar o que a educação deve privilegiar em termos de conhecimento por causa da realidade vivida hoje. Os alunos precisam ter ferramentas para pensar e resolver problemas novos e imprevisíveis;, explica a professora emérita do Instituto de Psicologia da UnB Eunice Soriano de Alencar. Com base nesse desafio que se impõe sobre o sistema educacional, a educadora desenvolveu estudos que comprovam o valor do inusitado.
Tanto aluno como professor precisam desenvolver o potencial criativo. No caso dos estudantes, significa ter ideias e respostas originais, viver de uma forma mais autêntica e questionar. O educador precisa trazer esse universo para a sala de aula e ajudar o aluno a desenvolver o potencial. ;É desenvolver um conjunto de habilidades que, usualmente, o colégio não desenvolve na extensão desejada. Os dados empíricos mostram que, em todos os níveis de ensino, predomina o modelo tradicional e unidirecional;, afirma Eunice. Hoje, em uma instituição presa ao convencional, o jovem que se destaca pela produção de novos conceitos e faz perguntas não é aceito.
Uma pesquisa feita pela especialista com quase 100 estudantes de nível superior revelou as características do professor facilitador da criatividade. Em primeiro lugar, os entrevistados destacaram o docente que estimula o aluno a questionar e a refletir diversificando as práticas pedagógicas. Aquele profissional que demonstra interesse pelo aprendizado e que se monstra disponível para elucidar as dúvidas foi o segundo ponto em evidência. Por fim, a qualidade da relação entre professor e aluno é percebida como aspecto facilitador. ;O educador tem muito poder. Ele não só pode ajudar o aluno a se desenvolver como também pode minar a autoconfiança desse jovem;, comenta a pesquisadora. Confira três histórias de professores brasilienses que ganharam a admiração dos estudantes por fazerem o diferente.
Caça-talentos
- Fernando Alves, 42 anos, professor da Escola Classe 218 de Santa Maria
O talento do educador Fernando Alves para o desenho garante a diversão dos alunos da Escola Classe 218 de Santa Maria. As capas de avaliações, algumas provas e o quadro-negro ganham caricaturas dos estudantes ou até o avatar que o professor criou para ele mesmo. ;A melhor maneira de ensinar a criançada de hoje é desenhar com eles e deixá-los ajudarem a construir o desenho, a definir as características do personagem, onde ele vive, do que gosta e do que não gosta;, explica. ;Em vez de criar personagens de fora, faço a caricatura deles mesmos e eles se reconhecem.;
Além dos alunos do 1; ano do ensino fundamental, os três filhos de Fernando, de 18, 16 e 14 anos, o inspiram na hora de criar. ;O mais velho é um excelente desenhista; o caçula gosta de escrever e o do meio é mais nerd e gosta de quadrinhos, como eu;, relata. Uma das histórias mais recentes deles tem relação com o universo jovem dos filhos e ainda mostra a realidade do país. A Tribo e Aline conta a saga de um grupo de super-heróis, como se fossem os X-Men da Marvel, mas vivendo problemas tipicamente brasileiros. ;Não é copiando o quadrinho americano;, destaca Nando Alves, nome com o qual ele assina os quadrinhos.
Além de não usar uniformes, os heróis enfrentam problemas familiares e sociais, como a dependência em álcool. ;Não é preciso supervilões. Nós temos muitos problemas daqui.; Neste ano, um de seus quadrinhos foi publicado na Polônia e em Portugal.
- Ana Lúcia Marques de Paula Moura, 46 anos , diretora do Centro de Ensino Médio Setor Leste
A capacitação e a inovação andam juntas no Setor Leste, na Asa Sul. Com um mundo cada vez mais conectado e alunos conhecedores das novas tecnologias, uma das primeiras ações da diretora Ana Lúcia Moura foi mudar a perspectiva de dar aula. No cargo, ela investiu na capacitação e na união do corpo docente. O espírito inovador foi aliado à preparação dos professores e, desde 2008, o colégio coleciona avanços. Ganhou o Prêmio Gestão Escola , ficou entre as seis melhores instituições de ensino públicas do país e chegou ao primeiro lugar no Enem, entre as públicas, em 2010. Dois anos antes, era a 12;.
O sucesso é tanto que está difícil conseguir uma vaga no Setor Leste. São 1,7 mil estudantes, em 42 turmas, e, mesmo assim, há uma fila de espera por vagas no ensino médio. ;No tempo em que vivemos, as aulas naquele modelo tradicional geram desinteresse. Ela dava conforto porque só o professor transmitia o conhecimento;, ressalta a gestora.
Lá, as aulas vão além das salas. São 22 projetos inovadores para a fixação do conteúdo. Os alunos fazem vídeos e participam de feiras. Para chegar a esse modelo, além dos 28 anos de experiência, a participação em fóruns e na formação continuada fizeram a diferença na carreira de Ana Lúcia. ;É preciso sempre separar um tempo para ler, estudar e conhecer outras realidades. Além de aprender no dia a dia, fiz o curso de pró-gestão pela Secretaria de Educação na época em que era coordenadora;, afirma.
- Neide Rodrigues de Sousa, 49 anos, diretora da Escola Parque Anísio Teixeira, em Ceilândia
Depois de 19 anos na Secretaria de Educação, Neide de Sousa assumiu a gestão de um projeto inovador em Ceilândia. Foi eleita diretora da Escola Parque Anísio Teixeira, inaugurada em julho do ano passado. O principal desafio: fazer os alunos preferirem a escola à rua. Com a liberdade como fundamento principal, os estudantes trabalham no contraturno das aulas em oficinas de artes plásticas e cênicas e de dança, além de praticarem esportes e atividades interdisciplinares.
Cada um faz a opção que preferir duas vezes na semana. ;A gente percebe que eles estão aprendendo a lidar com essa questão da liberdade de escolha. Na escola, os alunos têm uma grade fechada, estudo, prova. Aqui, eles vêm porque querem experimentar algo novo. É um desafio que tem dado certo;, afirma Neide.
Com um estudo em andamento sobre o efeito das atividades no período contrário ao do colégio, alguns resultados podem ser vistos com clareza. ;Mantemos um diálogo constante com as orientadoras educacionais de Ceilândia. Muitas pedem para vir à Escola Parque, pois gostam de estar na escola;, disse.
Lidar com a autoestima de uma comunidade carente, com problemas sociais, e conseguir instigar os estudantes do 6; ao 9; ano precisou de experiência, criatividade, vontade e inovação. Neide entrou na Secretaria de Educação como professora de magistério nível 1. Depois, concluiu a licenciatura, deu aula de matemática e realizou o sonho de uma faculdade de educação física.