A questão de prova que cita a funkeira Valesca Popozuda como grande pensadora contemporânea foi elaborada pelo professor de filosofia Antônio Kubitschek, 43 anos, servidor da Secretaria de Educação do Distrito Federal há 19 anos e educador do Centro de Ensino Médio 3 de Taguatinga há 1 ano e meio. Segundo ele, o objetivo do item era gerar polêmica com a mídia. “A opção correta era a letra A, ‘Tiro, porrada e bomba’. Em sala de aula, foram tratados movimentos sociais e protestos e a relação com essa letra. Era um ponto menos explorado na questão, mas existia. Mas o principal objetivo era ver a imprensa chegar aqui”, disse. O educador esperava que alunos divulgassem a questão em redes sociais, mas afirmou estar surpreso com a repercussão.
O exame foi aplicado a alunos do 2º e do 3º anos do ensino médio na última sexta-feira, e eles ainda não tiveram acesso à correção da prova. Entre as opções de respostas, estavam bordões de músicas da cantora de funk. O conteúdo da prova do 3º ano, em que a questão valia nota, era sobre a formação de valores na sociedade. Na turma do 2º ano, o item foi apenas uma brincadeira. O professor acredita que não há razão para uma pergunta sobre a funkeira gerar espanto, já que assuntos semelhantes foram cobrados em outras avaliações. “Questões aplicadas no Programa de Avaliação Seriada da Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, falavam sobre músicas de Tati Quebra Barraco e a canção Camaro Amarelo (da dupla sertaneja Munhoz e Mariano)”, compara o educador.
“Uma bobagem”
Saiba Mais
Em uma rede social, a cantora Valesca Popozuda se posicionou sobre o assunto e definiu o caso como uma “polêmica grande por algo pequeno”. Sobre ser uma pensadora, ela disse que ia se preparar para isso lendo Machado de Assis. “Eu acho uma bobagem isso tudo. Se ele tivesse colocado um trecho de qualquer música de MPB ou até mesmo de qualquer outro gênero musical que não fosse o funk, talvez não tivesse gerado tal problema”, escreveu. A cantora carioca, de 35 anos, considerou a citação em prova uma honra. “Eu fiquei foi bem honrada. Me senti duas vezes homenageada, tanto pela pergunta quanto com o título de pensadora (Mas isso eu vou ter que recusar, porque é um título muito forte e eu ainda não me sinto pronta para isso).” Ela foi contra as críticas ao educador. “Meus parabéns ao corajoso professor que, mesmo não ganhando muito bem, é batalhador e corajoso demais pra chegar em casa e elaborar uma questão de uma prova colocando um dito popular do momento e sambando na cara de todo mundo que o está julgando por isso.” (veja, ao lado, a postagem de Valesca)
Sem contexto
Para o professor de filosofia Norberto Mazai, não há problema em trazer atualidades e música para uma avaliação, desde que haja um contexto. Ele esclarece que a provocação à reflexão é válida, mas não de qualquer forma. “O problema é que a questão apareceu solta, descontextualizada. Para o professor, foi algo provocativo, mas é importante provocar a partir de um ponto sólido. O educador tem liberdade para isso, mas o modo como ele trabalhou não foi o mais correto. Não precisava fazer a provocação num instrumento avaliativo da escola, que é um documento. Poderia fazer isso num debate, por exemplo”, ponderou. “A Valesca tece críticas à sociedade, mas não se pode dizer que ela é uma grande pensadora contemporânea. Isso seria forçar a barra e banalizar a filosofia. Até a cantora disse que não se considera isso.” Procurada pelo Correio, a Secretaria de Educação do DF informou, por meio da assessoria de imprensa, que não comentaria o caso.