Na primeira reunião, ocorrida no gabinete do ministro Luiz Fux, o Iara cedeu em alguns pontos. Desistiu de pedir a proibição de Lobato, mas exigiu que os livros incluam uma nota explicativa e que o MEC capacite os professores sobre o assunto. A pasta, por sua vez, sustentou que já solicitou à editora a inserção de texto que contextualize a obra nos novos exemplares, além de assegurar que mantém programas de qualificação dos docentes. Mas a entidade considera as providências insuficientes, argumentando, por exemplo, que é baixo o número de professores já treinados nas universidades sobre relações étnicas e raciais: 68 mil em um universo de 2 milhões de educadores. Caso a reunião de hoje não alcance o consenso, o tema voltará ao Supremo Tribunal Federal, para a apreciação do plenário.
Desde que a discussão veio à tona, em 2010, com as primeiras denúncias feitas por Antônio Gomes da Costa Neto à Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial, o tema reverbera nos meios especializados. Para o educador Arnaldo Niskier, autor de 40 livros infantojuvenis e conhecedor profundo de Monteiro Lobato, enxergar racismo nas histórias do escritor é ;ridículo;. ;Era um jeito de dizer da época, que foi aceito no Brasil por muitos anos. Quando se tenta ver intenções que ele (Lobato) não teve com relação à Tia Anastácia, estamos partindo para o exagero. Daqui a pouco, vão acusar Pero Vaz de Caminha de racismo por ter dito que os índios andavam nus e ignorantes;, critica o especialista, membro da Academia Brasileira de Letras. Ele considera a tentativa de conciliação positiva. ;Esperamos ver prevalecer o bom senso. Vetar Monteiro Lobato seria um demérito para a cultura brasileira e uma vergonha internacional, que colocaria o Brasil como um país ditatorial.;
Carlos Alberto Silva Júnior, ouvidor da Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial chamado pelo Supremo para participar da audiência, discorda. Segundo ele, o livro traz elementos racistas que prejudicam o combate do problema no país. ;Nosso posicionamento é que há estereótipos de inferiorização, de forma intelectual e física, de uma personagem negra. Dessa forma, essa obra não deveria ser financiada com recursos públicos e disponibilizada nas escolas;, destaca o ouvidor. Apesar de contundente na opinião, Silva Júnior ressalta que, com o mandado de segurança, a polêmica sai do âmbito administrativo. ;Agora é uma questão judicial. Continuamos com o nosso posicionamento, mas aguardando as providências a partir do que as partes decidirem;, diz ele.
Controvérsia
O debate é tão controverso que o CNE chegou a se posicionar contra a distribuição do livro nas escolas públicas, ainda em 2010, depois de receber a denúncia do suposto conteúdo racista pela Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial, que havia sido acionada por Antônio Gomes da Costa Neto, funcionário da Secretaria de Educação do DF. O então ministro da Educação, Fernando Haddad, discordou da determinação e conseguiu que o colegiado anulasse a decisão de recolher os exemplares. Na época, o MEC fez um alerta aos bibliotecários e professores, por meio de circular, sobre a necessidade de contextualizar a obra para os alunos, ressaltando se tratar de um texto escrito em 1933, período em que a escravidão era representada de outra maneira na sociedade e na literatura.
Compras suspensas
A última compra de obras de Monteiro Lobato feita pelo Ministério da Educação foi feita em 2003. Por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola foram adquiridas 33 mil coleções de 24 volumes da série Sítio do Pica Pau Amarelo, entre eles Caçadas de Pedrinho, ao custo de R$ 122,5 milhões. Bibliotecas de escolas públicas de todo o país receberam o material. Depois das denúncias de conteúdo racista, em 2010, o MEC decidiu alertar a editora para incluir, nas próximas edições, uma nota explicativa. Depois disso, porém, os livros não foram mais adquiridos pelo MEC.
;Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão;
;E aves, desde o negro urubu fedorento até essa joia de asas que se chama beija-flor;