Jornal Correio Braziliense

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Abandono do ensino a adultos

Concebido para incluir pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar, sistema destinado a jovens e adultos está falido no Distrito Federal. De cada 100 matriculados, apenas 14 concluem o semestre. Desde 2005, total de alunos encolheu mais de 70%

O rosto cansado e envelhecido contrasta com as paredes cobertas por desenhos infantis. Os olhos concentrados, fixos no quadro-negro, tentam decifrar as letras, enquanto a mão firme copia as palavras com uma caligrafia errante. Voltar à sala de aula depois de décadas longe do ambiente escolar ou começar a desvendar os segredos das letras e números são desafios gigantescos para adultos e idosos do Distrito Federal. Trabalhadores pobres, que nunca tiveram a oportunidade de aprender o mais básico dos ensinamentos, agora buscam espaço nas salas de aula para conquistar um diploma e melhorar de vida. Mas os obstáculos são incontáveis. O sistema de ensino para jovens e adultos da capital federal tem regras que excluem os trabalhadores e tornam ainda mais difícil a retomada dos estudos. No ano passado, o número de alunos dessa modalidade encolheu 1,3%, em comparação com os dados de 2010. Dos 103 mil matriculados, quase 35 mil desistiram do aprendizado e abandonaram a sala de aula. Significa dizer que um em cada três alunos largou os estudos. Na educação de jovens e adultos, os índices de evasão e repetência impressionam: apenas 14 alunos concluem o semestre letivo a cada 100 matriculados. Cada unidade da Federação tem liberdade para escolher a política educacional destinada a jovens e adultos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece que o governo %u201Cdeve viabilizar e estimular o acesso e a permanência do trabalhador na escola%u201D. A mesma legislação determina que %u201Ca educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional%u201D. No entanto, as duas orientações são ignoradas no DF. Por conta do modelo de presença obrigatória e de aulas presenciais, muitos trabalhadores desistem de estudar. Faltam turmas durante o dia e, com medo da violência urbana, muitos abrem mão de fazer o curso à noite. De acordo com o último censo, o DF tem hoje 761 mil pessoas com mais de 10 anos que não têm qualquer instrução ou contam apenas com o ensino fundamental incompleto. Isso representa 34% da população da cidade. Apesar de ser campeã de renda e de escolaridade no país, Brasília ainda deixa de lado seus cidadãos que, no passado, perderam a chance de aprender. Especialistas explicam que, no caso da educação de jovens e adultos (EJA), é preciso atrair os alunos para o sistema educativo, com a divulgação dos locais de ensino. Sem dar publicidade ampla à oferta de vagas, os adultos não se sentem estimulados a voltar à escola. Sucateamento Os números mostram o sucateamento da EJA no Distrito Federal ao longo dos últimos anos. No Centro de Estudos Supletivos Asa Sul (Cesas), na 602 Sul, o maior colégio dedicado exclusivamente à educação de jovens e adultos da cidade, o número de matrículas caiu de 7,8 mil em 2005 para 2,2 mil no ano passado, um recuo de 71,8%. Em apenas seis anos, 5,6 mil estudantes deixaram o centro de ensino e, consequentemente, houve o fechamento de várias turmas. Professora do Cesas há sete anos, Sílvia Maria Roncador acredita que exista uma migração de estudantes adultos da rede pública para a particular, onde as regras são mais flexíveis. %u201CEstá em curso um processo de extinção da educação de jovens e adultos na rede pública%u201D, denuncia. %u201COs estudantes trabalhadores e mais velhos estão sendo expulsos da EJA. Hoje, recebemos principalmente alunos mais novos e indisciplinados, que não levaram o estudo a sério e reprovaram várias vezes%u201D, diz a professora. Para a educadora, o encolhimento da oferta de EJA na rede pública é reflexo da mudança das regras dessa modalidade de ensino. Até 2006, as aulas eram semipresenciais, ou seja, havia uma flexibilização dos horários. A presença era incentivada, mas não obrigatória. %u201CA gente estabelecia os horários e, quando o aluno não podia ir, apresentava um trabalho, por exemplo%u201D, relembra a professora do Cesas. Mas, desde o início de 2006, a presença é obrigatória e, se tiver 25% de falta, o estudante reprova automaticamente. A grade de disciplina é fechada, exatamente como no ensino regular. Assim, o aluno não tem mais a liberdade de programar o próprio horário. %u201CCom isso, despencou o número de alunos matriculados. As escolas particulares certificam em três meses, então muitos estão buscando a rede privada%u201D, acrescenta Sílvia Roncador. Regras serão modificadas O governo reconhece as falhas na oferta da EJA e promete rever as normas. A coordenadora da modalidade na Secretaria de Educação, Leila Maria de Jesus, diz que o Executivo quer elaborar uma nova metodologia que flexibilize as regras. %u201CNosso desafio é construir uma proposta que atenda às exigências legais, mas que, ao mesmo tempo, respeite as necessidades dos alunos%u201D, afirma. %u201CQuando o estudante falta ou chega atrasado, não é porque está matando aula. É porque ficou preso no trabalho ou o ônibus quebrou no caminho. Se o patrão reclamar do horário, o aluno perderá a motivação para estudar. Então, ele é muito suscetível à interrupção dos estudos e o nosso desafio é mantê-lo na rede%u201D, afirma a coordenadora. Segundo ela, a proposta terá que ser aprovada pelo Conselho de Educação do Distrito Federal para entrar em vigor. Leila Maria afirma que o mais importante é focar nos adultos trabalhadores. %u201CNosso objetivo é aproximar o currículo do educando, com uma proposta pedagógica adequada. Estamos investindo na qualificação dos professores que trabalham com a educação de jovens e adultos, para que eles ajudem os alunos a vencerem as barreiras e os preconceitos que às vezes impedem que eles voltem à sala de aula%u201D, afirma.