Enem

De 3,9 milhões de estudantes, só 53 tiraram nota mil na redação do Enem

E pior: mais de 143 mil estudantes tiraram zero, um número superior ao de 2018. Mas a média da nota para a elaboração de texto subiu

Correio Braziliense
postado em 18/01/2020 07:00
Gabriela foi uma das que conseguiram gabaritar a provaApenas 53 dos 3,9 milhões candidatos que se submeteram ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 2019, conseguiram atingir a nota máxima na redação. A constatação foi divulgada, nesta sexta-feira (17/1), pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Outro dado negativo: mais de 143 mil estudantes zeraram a redação, número superior ao de 2018, quando 112.559 mil candidatos tiraram zero. De positivo, a média da nota da redação, que aumentou de um ano para outro — em 2018 foi 522,8, enquanto em 2019 atingiu 593,9.

O recorde de participantes com nota zero ocorreu em 2017, quando 309.157 alunos zeraram o exame por diversos motivos. Em 2019, a principal razão pela qual os alunos não conseguirem nota foi por entregar a prova em branco, seguido de fuga ao tema proposto no teste e de cópia do texto motivacional — quando o candidato simplesmente copia trechos do texto de apoio, que é disponibilizado no caderno da prova, para a realização da redação. O tema do ano passado foi “Democratização do acesso ao cinema”.

A média de desempenho no restante da prova diminuiu em todos os segmentos do conhecimento. A maior queda foi em Ciências Humanas, que passou de 559,2 em 2018 para 508, em 2019. Em Ciências da Natureza, caiu de 493,8 em 2018 para 477,8 no exame do ano passado. Em Matemática, a redução da média foi de 535,5 para 523,1 entre um ano e outro. A menor diminuição foi em Linguagens e códigos: de 526,9 em 2018 para 520,9, em 2019.

Segundo o presidente do Inep, Alexandre Lopes, a redução de média entre um ano e outro mostra como está a proficiência dos alunos em relação ao conteúdo da prova no ano de aplicação. Ele explicou que o teste teve o mesmo nível de dificuldade para todos os alunos. A nota do Enem é calculada com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI), ou seja, um conjunto de cálculos que permite a comparabilidade entre as edições do exame.

Qualidade

Na visão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, os resultados do Enem de 2018 e 2019 mostram que os últimos anos de ensino não tiveram a qualidade ideal. “Quem fez o Enem esse ano (2019), se formou no ano passado (2018). Ele foi formado nos últimos 16 anos”, afirma. “Assim como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que foi feito em 2018, é fruto da decisão de eleger o PT (Partido dos Trabalhadores) durante quatro mandatos consecutivos. Tem efeito colateral claro: o ensino não avançou no Brasil”, disse, referindo-se ao período entre 2002 e 2018.

Para o professor do Departamento de Planejamento e Administração da Universidade de Brasília (UnB), Cleyton Hércules, a queda nos resultados pode ser consequência dos comentários sobre a alteração da prova. “O desempenho pode ter sido pior por um descrédito em relação ao gerenciamento da prova por parte do governo, que anunciou diversas vezes que faria alterações. A criação de comissões para gerar as questões talvez tenha deixado os estudantes menos confiantes”, avaliou.

O vice-reitor acadêmico do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), Luiz Cláudio Costa, frisou que os dados mostram o grande desafio do ensino médio que o Brasil precisa enfrentar. “Apenas 54% dos jovens concluem o ensino médio segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Claro que diante desses dados do Enem precisamos levar em consideração que não há o recorte dos concluintes. Têm aí estudantes que ainda não concluíram em treinamento, ou que já terminaram há muito tempo. Mas, esses dados preocupam e apontam que precisamos reforçar, principalmente junto aos estados, que têm responsabilidade nisso”.

Para o professor da UnB Cleyton Hércules, o tema da redação é considerado por grande maioria dos especialistas completamente inusitado. “Os estudantes e professores aguardavam temas da atualidade. Muitas das cidades em que os estudantes fizeram a prova sequer têm cinemas. Então, como tratar disso?”, indaga. “Também não sabemos se a correção teve um viés ideológico em relação aos estudantes que se posicionaram de maneira mais crítica.”

Quem não conferiu a nota ainda pode acessar no site enem.inep.gov.br.

Versão digital

O MEC também anunciou que este ano começará a aplicar o Enem em formato digital. Antes, a meta era a de 50 mil estudantes, de 15 capitais, em modelo-piloto na primeira aplicação. Mas o ministro da Educação, Abrahan Weintraub, aumentou a meta para 100 mil. A adesão dos candidatos será opcional no ato de inscrição e o valor será o mesmo para todos os inscritos. O Inep estima investir cerca de R$ 20 milhões no projeto, em 2020, e não pretende comprar novos computadores, mas sim usar equipamentos de instituições de ensino localizadas nas cidades participantes. Neste ano, o Enem digital será aplicado nos dias 11 e 18 de outubro. Já a prova tradicional, nos dias 1º e 8 de novembro. O MEC prevê ainda que, até 2026, 100% das provas serão aplicadas por meio digital.

Ditadura fica de fora da prova

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, adiantou ontem que a ditadura militar brasileira pode não mais entrar como tema no Exame Nacional do Ensino médio (Enem). O motivo, segundo ele, é que é um assunto “polêmico”, tanto que já não foi abordado nas provas do ano passado.

“Como no Brasil existe ainda uma coisa não pacificada sobre como foi o regime militar, o objetivo do Enem não é polemizar, e sim selecionar as melhores cabeças. Nem fui eu, mas o banco examinador que resolveu não colocar. Não é para ter questão polêmica”, explicou.

Durante coletiva de divulgação do balanço do Enem 2019, o ministro afirmou que o que ocorreu no Brasil não foi uma ditadura. E justificou a afirmativa mencionando os regimes da Venezuela e de Cuba. “Vamos falar, então, da ditadura do Maduro. Para mim, ditadura é isso, uma situação muito pesada”, saiu-se.

O Enem de 2019 foi o primeiro, desde 2009, no qual questões sobre a ditadura não estiveram presentes. Segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída em 2012 para investigar o período, aconteceram 434 mortes e desaparecimentos por perseguição política entre 1946 e 1985.

O ministro assegurou que não interfere nas questões do Enem, nem as vê antes da aplicação do exame. Segundo o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Alexandre Lopes, nem o ministro nem nenhuma outra pessoa orienta como devem ser os temas da prova. “Não há, não houve nem haverá nenhum tipo de orientação para censurar determinados temas”, garantiu Lopes.

Ano passado, o banco de questões do Enem passou por um pente-fino ideológico realizado por uma comissão criada pelo governo. Ao todo, 66 questões foram retiradas do banco por terem sido classificadas como “inadequadas” — e não se sabe quais foram vetadas. O presidente do Inep garantiu que, este ano, uma nova comissão será criada, com foco na validade das questões.

Para o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília, Mateus Gamba, as declarações do ministro são um desrespeito à historiografia e ferem a comunidade científica. “Existem dezenas de pesquisadores competentes que, há anos, estudam o regime. Não só historiadores, como cientistas políticos e sociólogos, que certificaram que houve uma ditadura militar no Brasil. Não é uma questão de opinião ou crença, inclusive por características de um estado de exceção que continuam”, criticou.

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