Dos mais de 3,9 milhões de participantes do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2019, apenas 53 tiraram nota 1.000 na redação, o que demonstra o tamanho do desafio. No Distrito Federal, duas estudantes, de 19 e de 21 anos, conquistaram a façanha.
A de 21 anos é Ana Clara Socha, que se formou em 2015 no Centro Educacional Leonardo da Vinci e deseja estudar medicina. A de 19 anos é Gabriela Lopes Alencar. Ela também fez o ensino médio no Centro Educacional Leonardo da Vinci e deseja cursar medicina.
Gabriela é aluna do cursinho Único Educacional, em Taguatinga. Nas edições do Enem de 2017 e 2018, ela tirou 900 na redação e, em 2019, se dedicou ainda mais parar tirar a nota 1.000. Ana Clara é aluna da Academia das Específicas, na Asa Sul, e, antes disso, passou por outros dois cursinhos.
No outro extremo, 143.736 pessoas tiraram nota zero. O Ministério da Educação (MEC) explica que são zerados as redações em branco, com menos de sete linhas e também as que reproduzem integralmente trechos dos textos motivadores e de itens do Caderno de Questões. Segundo o MEC, página entregue em branco foi o principal motivo de eliminação na edição de 2019.
Esses mais de 143 mil candidatos que tiraram zero não poderão concorrer a nenhum dos programas de acesso ao ensino superior do MEC, como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
Isso porque todos cobram pontuações mínimas na redação como pré-requisito de participação. Entre as 53 redações nota 1.000, 13 são de Minas Gerais e duas do DF. As mulheres se saíram melhor nessa etapa: em todo o país, foram 32 candidatas do sexto feminino gabaritando o texto.
Aprenda com quem chegou lá
As duas jovens campeãs com ótimo desempenho têm em comum o desejo de cursar medicina, a conclusão do ensino médio no Centro Educacional Leonardo da Vinci e o fato de fazerem cursinho.
Ana Clara Socha, 21 anos, e Gabriela Lopes Alencar, 19, treinam para o Enem há alguns anos e atribuem o bom resultado a treino e orientação de professores. Em 2019, Ana Clara fazia no mínimo duas redações por semana. Gabriela tinha a mesma prática no primeiro semestre e aumentou a frequência para três na segunda metade do ano. Ambas as estudantes ficaram surpresas e felizes com o resultado, além de animadas com o impacto que a nota 1.000 pode ter rumo à aprovação em medicina.
“Quanto mais alta a pontuação melhor, qualquer pontinho faz diferença. Na última edição, eu não passei por centésimos. Se eu tivesse tirado 20 pontos a mais na redação, eu teria passado”, conta Gabriela, aluna do cursinho Único Educacional, em Taguatinga. Ana Clara não considerou o tema da proposta difícil. “A gente treina bastante tema cultural. Eu sabia que tinha argumentos para escrever”, relata. A Universidade de Brasília (UnB) — que adota a nota do Enem como forma de ingresso em seleção própria — e a Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs) — que adota o Sisu — estão nos planos das jovens.
Entretanto, elas consideram mudar para outras localidades do país pelo sonho de se tornarem médicas. “Eu vou para onde eu passar”, comenta Ana Clara, que faz cursinho na Academia das Específicas, na Asa Sul. A jovem, que terminou o ensino médio em 2015, se dedica integralmente aos estudos, entrando no cursinho às 8h e saindo às 21h. “Nos horários em que eu não estava em aula, estava estudando (sozinha)”, conta. Nos fins de semana, Ana Clara estudava de manhã e à tarde.
Com relação a dicas para saber construir uma boa redação, ela indica treino e apoio especializado: “Eu acho que fazer muitas redações é essencial, além de ter um bom corretor para te ajudar e procurar sempre repertórios para enriquecer a redação”. Treinar o tempo é outro conselho. “Durante a semana, eu fazia simulado com tempo a menos, pois teve provas que eu não consegui terminar. Treinar assim me ajudou. Então, no dia do Enem, consegui fazer todas as questões.”]
Equilíbrio
Com tradição de notas altas no exame (em 2017 e em 2018, ela tirou 900), Gabriela destaca a importância de fazer simulados. “Nos fins de semana, era o que eu fazia no cursinho. Ou então, eu imprimia prova do Enem para fazer em casa”, detalha. Ela alerta, porém, que apesar de a dedicação ser fundamental, o equilíbrio deve ser valorizado. “Os alunos que estudam para o Enem precisam cuidar da saúde mental. Eu via gente que não dormia direito, que dizia 'vou estudar até morrer' e, às vezes, tinha resultado até pior”, afirma. “Eu priorizei me cuidar.”
Assim, apesar da rotina de estudos, Gabriela dormia até tarde aos domingos, dia em que ficava com a família e ia à igreja, frequentava a academia de ginástica e, no tempo livre, tocava violão, cantava e compunha canções. “A música é minha primeira paixão na vida. Quando eu decidi que queria medicina, fiquei até em conflito”, comenta. “Não dá para só estudar. O segredo para essa minha nota na redação e para as minas notas no Enem, que foram boas no geral, está em focar o exame e descansar.”
Em anos anteriores, Gabriela dividiu a atenção entre o Enem e vestibulares, o que ela avalia que acabou trazendo um resultado pior. “Acho que você deve focar só o Enem. A prova é meio ciumenta”, brinca. Isso também para o texto. Antes, ela era mais acostumada com o modelo de redação cobrado pela UnB, por exemplo no Programa de Avaliação Seriada (PAS) e no vestibular. Em 2019, ela passou a treinar só para o modelo de dissertação do Enem.
Uma dica dela é, além de escrever, corrigir. “Não adianta só fazer. Revisar depois com um professor é o ideal. Muita gente não tem acesso a isso, mas tem alguns canais no YouTube que ajudam muito. Por exemplo, alunos que tiraram nota 1.000 na última edição fizeram vídeos dando dicas muito boas”, aponta Gabriela. Ana Clara costumava ouvir podcasts sobre ciência.
Ela entende a discrepância existente entre pessoas que tiveram acesso à educação de qualidade e a oportunidade de focar os estudos. Afinal, o que falta na educação brasileira para que todos tirem 1.000 na redação? Na opinião da jovem Ana Clara, muita coisa. “A educação pública infelizmente ainda não tem uma gestão adequada, os alunos não conseguem ver o mesmo conteúdo que a gente e falta estímulo”, avalia. “Eu sei que há uma concorrência injusta com alunos de escolas públicas. Eu estava estudando há quatro anos, mas muitos não têm essa chance”, pondera.
Avaliação de mestres
Bruno Borges, professor de sociologia do Centro Educacional Leonardo da Vinci, deu aulas tanto para Ana Clara, na Asa Sul, quanto para Gabriela, na unidade de Taguatinga. A primeira terminou o ensino médio em 2015, e a segunda, em 2017. Bruno não ficou surpreso com o desempenho das alunas. Segundo ele, uma das características principais da redação do Enem é propor que o conhecimento não se restrinja apenas a disciplinas isoladas e que é preciso estabelecer uma conversa entre todas as áreas.
Não faltaram elogios para Gabriela nesse ponto. “Ela era uma excelente aluna, especialmente nessa tentativa de estabelecer um diálogo entre as linguagens e as ciências humanas”, afirma. O professor também destaca o ótimo desempenho das estudantes durante os projetos propostos pelo colégio durante o ensino médio. “A Ana se destacou muito pelo protagonismo no processo de aprendizagem”, relata. Maria da Penha, coordenadora de redação do colégio, diz que é uma tradição da escola ter alunos nota 1.000 no Enem desde 2016.
“Às vezes, eles precisam de um semestre ou um ano para focar mais, mas a base é do Leonardo, com certeza”, enfatiza. Sobre a opção de curso, Gabriela e Ana Clara já comentavam a vontade de estudar medicina nos tempos de colégio. Segundo Gabriela, a professora Adriana Laquis, do Único Educacional, ajudou muito no processo de conseguir a nota 1.000, tanto que se encontrou com ela na véspera da prova para corrigir texto.
Formada em letras e especialista em revisão e correção de texto pela Universidade Católica Dom Bosco, a professora dos plantões de redação do cursinho se diz emocionada com o resultado da aluna. Com 34 anos de experiência em sala de aula, Adriana é considerada uma professora rigorosa. Mesmo assim, nos últimos plantões, Gabriela só obtinha nota máxima. “A gente já estava com essa expectativa. Eu já tinha dito para ela que seria 1.000, não tinha outro jeito”, comemora.
Marcelo Freire, também professor do Único, conta que Gabriela passou a ficar mais atenta à própria saúde mental ao longo do tempo. De acordo com ele, a aluna soube aproveitar as possibilidades do cursinho e aprendeu a estudar com equilíbrio. “De 2017 até agora, ela mostrou uma evolução muito sólida e muito eficiente”, conta.
Os professores Tiago Silva, ou Frajola como é mais conhecido, e Carla Rios ministraram aulas de redação para Ana Clara na Academia das Específicas. Eles relatam que a participante era uma das poucas alunas a tirar nota máxima durante o semestre. “Ela escrevia com frequência e mantinha regularidade nas notas, pois seus textos sempre prezavam por uma linguagem simples e correta, uma estrutura bem definida e bons argumentos”, confirmam.
Saiba mais
Os resultados individuais do Enem foram liberados para consulta pelos candidatos nesta sexta-feira (17/1). Em coletiva de imprensa na sede do MEC, com Abraham Weintraub, a pasta divulgou detalhes sobre o desempenho dos estudantes na prova objetiva. Ciências da natureza foi a área em que os candidatos tiveram menor média: 477 pontos.
A maior pontuação geral foi em matemática: 523 pontos. Em linguagens, a média dos candidatos foi de 520 e, em ciências humanas, de 508 pontos. Quem não conferiu a nota ainda pode acessar no site.
As notas do Enem podem ser usadas para a inscrição em programas de acesso ao ensino superior. Confira o cronograma de inscrição dos principais:
- Sisu (Sistema de Seleção Unificada): de 21 a 24 de janeiro
- ProUni (Programa Universidade para Todos): de 28 a 31 de janeiro
- Fundo de Financiamento Estudantil (Fies): de 5 a 12 de fevereiro
*Estagiárias sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
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