As série de reportagens especiais do Correio sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começa com a disciplina base para dezenas de questões que os estudantes encontrarão em 2018. A matemática está em todo lugar. O desafio dos números, desde a chamada matemática básica até a exploração de terrenos complexos da física e química, é sempre um obstáculo a ser ultrapassado na maior prova de ensino médio do Brasil, que, neste ano, soma mais de 5,5 milhões de inscritos. Somente no Distrito Federal, 106.309 candidatos comparecerão aos locais de prova em 4 e 11 de novembro. A prova específica de matemática e suas tecnologias será aplicada no segundo dia.
Para aqueles que vêm sofrendo por antecipação, vale um suspiro de alívio ao lembrar que o desempenho geral na disciplina melhorou nos últimos três anos. Pulou de 467,9 pontos (em 2015) para 518,5 pontos em 2017. Faça as contas: o aumento foi de 9,75% no país e é mais significativo em se tratando do Distrito Federal. Por aqui, a média em matemática foi de 546,6 pontos.
O resultado negativo fica por conta da diferença ainda substancial entre ensino público e particular. Os resultados dos alunos de escolas de mensalidade paga são melhores do que os de escola pública em todas as cinco frentes do exame ; matemática, ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e redação. Em matemática, os primeiros alcançam uma média de 90 pontos a mais do que os do segundo grupo. No DF, 85,1 pontos os separam: a média é de 589,1 entre os alunos de escolas particulares e de 504 nas públicas (distritais e federais). Nas provas de questões objetivas como um todo, a média das particulares na capital do país é de 570,9, contra 509 das públicas.
Fazer a diferença
O desempenho geral em matemática nas instituições públicas de todo o Brasil certamente seria pior sem as escolas técnicas. No Distrito Federal, por exemplo, o Instituto Federal de Brasília (IFB) tem feito a diferença. Na lista das 10 melhores escolas públicas do DF no Enem figuram quatro unidades do instituto (Taguatinga, Gama, Planaltina e Samambaia), que é de administração federal. A média em matemática do IFB foi de 649,4 pontos. O segredo talvez esteja no trabalho de integração ali realizado, que une o ensino médio com o profissionalizante. ;As premissas do Enem vão ao encontro do currículo proposto na IFB;, acredita Thiago Machado, professor do curso médio integrado em alimentos e com longo trajeto no ensino da matemática.
Ele afirma que, ainda que o instituto não realize atividades direcionadas especificamente para o exame, o somatório das atividades integradas prepara o aluno para questões no formato proposto pelo Enem. Para além do popular ;decoreba;, o exame exige domínio da linguagem matemática e elaboração de propostas. ;A prova de matemática e suas tecnologias é muito bem construída a partir das competências ditas no edital. As questões ficam cada vez mais contextualizadas ao longo dos anos, visando mais a interpretação, o raciocínio e capacidade de leitura. O aluno de escola técnica termina naturalmente mais preparado, pois as nossas componentes práticas servem diretamente para isso;, diz Thiago Machado. ;O Enem cobra muita habilidade, trabalha dessa forma, e a consequência natural para nós é ter bom rendimento.;
;As matérias técnicas fazem a gente aprender mil vezes mais. Por isso, quando cheguei ao Enem, não foi nenhum ;bicho de sete cabeças; para mim;, conta Giovanna Bianca Vieira, 18 anos, ex-aluna do IFB, que fez o exame no ano passado e está iniciando o curso de pedagogia nas Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (Faciplac). O dinamismo da abordagem é, para ela, o que pode amenizar a aversão do aluno à matemática. ;Não pode ser monótono. Quando o aluno tem contato com a matéria por obrigação e não vê aplicação dela na vida prática, ele não enxerga o esforço ou a importância daquilo.;
Segundo colocado no ranking do DF no exame, o Colégio Militar de Brasília (CMB) também figura na vice-liderança em matemática. A instituição prepara atividades extras para o Enem no contraturno, preenchendo as tardes daqueles que querem se preparar melhor para o exame. Além disso, mantém grupos de estudos para matemática avançada, buscando ir além do conteúdo direcionado aos vestibulares, e está sempre presente em concursos como as Olimpíadas de Matemática e de Robótica.
;Nossa grade horária é extensa e inclui cursinho opcional, nos quais oferecemos apostilas e trabalhamos em termos de reforço para o aluno;, afirma Waldyria Vidal, professora de matemática do CMB. Atualmente, a escola tem cerca de 2.700 alunos, que chegam até lá por meio de concurso, o que explica, em parte, a qualidade alcançada. ;Além disso, o colégio procura premiar merecimento. O aluno se sente valorizado quando recebe atenção e acompanhamento.;
Camila de Carvalho, 17, conta que cursar o 3; ano não está fácil e, neste segundo semestre, a tendência é afunilar e direcionar o conhecimento. ;Tem sido corrido. No Enem, a ideia é usar a matemática para entender os fenômenos do mundo, não só na prova da disciplina em si, mas nas outras também;, diz. A rotina da jovem passa pelo colégio de manhã e pelo cursinho extra à tarde. ;Chego em casa às 20h e ainda tento estudar mais duas ou três horas.; Para o futuro próximo, ela planeja conciliar a carreira militar com algum curso alcançado por intermédio do Enem, mas ainda tem dúvidas sobre qual. Se áreas de exatas estão no campo de visão da jovem? ;É possível sim, tenho facilidade. Talvez algo relacionado à física.;
Lucas Felippo, 17, também está em dúvida. ;Por agora, minha meta é conseguir a melhor média possível no Enem. Matemática é a disciplina do ensino médio da qual mais gosto. A racionalidade dos números sempre me interessou;, afirma.