Jornal Correio Braziliense

Ser Sustentável

Sustentabilidade na construção civil

Com o aumento da população que vai morar nas zonas urbanas há o consequente aumento do número de carros, veículos e poluição, seja ela sonora, visual ou do ar. E é no incessante ritmo frenético das grandes metrópoles que nascem as construções de concreto que transformam, de maneira errada, a paisagem natural. Para evitar um colapso mundial de cidades cinza e sem qualidade de vida, foram pensadas há décadas e intensificadas há anos projeções paisagísticas e urbanísticas sustentáveis. A chamada arquitetura verde vem para valorizar o que existe de mais antigo no mundo: a natureza.

Conhecida também como construção sustentável, basicamente ela faz uso de eco-materiais e de soluções tecnológicas inteligentes para promover o bom uso dos recursos naturais. Além de promover a economia de água e energia, por exemplo, esses tipos de projetos visam trazer qualidade de vida para as pessoas e transformar ambientes mórbidos, poluídos e nada econômicos em lugares agradáveis e com funcionamento coerente.

O movimento ainda tem muito o que crescer e a mudança de mentalidade das pessoas e de grandes construtoras é gradativa, mas alguns projetos ecológicos já se mostram economicamente viáveis e têm conquistado cada vez mais espaço na arquitetura moderna. Alguns trazem diversas alternativas para tornar espaços como escritórios, ainda mais otimizados e sustentáveis. A busca por opções de estruturas que ofereçam maior ventilação e aproveitem melhor a iluminação natural, dá origem a construções com aberturas maiores e pátios internos, favorecendo a circulação do ar.


Para explicar mais sobre a evolução das construções verdes e comentar fenômenos presentes nas cidades, como as ilhas de calor, o ser Sustentável entrevistou o arquiteto paisagista Benedito Abbud. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), Abbud trabalha há 40 anos na área e defenda uma maior interação entre a natureza e o homem no nas cidades. Pelo seu escritório em São Paulo já passaram mais de seis mil projetos paisagísticos, inclusive o Estádio Mané Garrincha, em Brasília.

1) Como surgiu o seu interesse pelo paisagismo?


Comecei a entender que paisagismo não era apenas a flor na frente da casa de uma pessoa, mas sim que podia mudar o clima de uma cidade, melhorar a qualidade ambiental, visual e a dignidade das pessoas. Comecei a perceber isso há 44 anos e hoje eu tenho certeza disso. Vejo o paisagismo como a profissão do futuro. Porque a arquitetura paisagística ela trata da relação do homem com o seu ambiente e as qualidades que a natureza pode trazer para melhorar substancialmente a loucura que os grandes centros estão se tornando.

2) O projeto do Estádio Mané Garrincha prevê que 100% do consumo de águas nos vasos sanitários e na irrigação do estádio sejam provindas da chuva. Como foi projetar algo tão grande e que vai gerar um impacto ambiental positivo na cidade?

Foi um desafio enorme. Nós temos ali cerca de 7 mil vasos sanitários e a exigência da certificação era de que toda a água fosse filtrada. O terreno perto do estádio tinha muito asfalto e estava muito impermeabilizado por isso, todo o desafio foi transformar essa impermeabilidade em permeabilidade. Nós fizemos o que a gente chama de manejo sustentável das águas e isso inclui: o uso de pisos parcialmente permeáveis e outros totalmente permeáveis; canteiros que são jardins de chuva; biovaletas e um lago para reter toda a água e depois ser reabastecido para o estádio. Além disto, nós também propusemos que um bosque fosse plantado, o que seria praticamente um parque densamente arborizado.

3) O senhor sabe da perspectiva de encaminhamento do projeto?


Nós fizemos o projeto e já existe uma empresa que ganhou a licitação e me parece que o projeto vai sair sim. Mas não sei quando as obras vão começar ou serão concluídas.


4) Como o senhor acha que a arquitetura verde pode impactar diretamente na vida das pessoas e quem mais sofre com as consequências do caos urbano?


Na verdade são os humildes que mais sofrem. Em geral nós temos um clima muito quente e temos cidades muito áridas também. Tirando algumas cidades como Brasília e outras poucas que foram planejadas, a vegetação e a arborização não foram previstas para acontecer dentro das cidades. Os nossos urbanistas quase esqueceram que a vegetação só pode existir se houver espaço, tanto que em cidades como São Paulo, você observa que o bairro Jardins é muito vegetado, ou seja, onde existe planejamento o verde foi incluído. O verde minimiza as ilhas de calor -- fenômeno essencialmente urbano porque o Sol esquenta as construções, os pavimentos, os muros e isso aquece muito rapidamente. É aí que aparecem os problemas como inversão térmica e poluição. A vegetação ajuda a quebrar isso porque ela minimiza a variação da temperatura, além de melhorar a paisagem e harmonizar as interações do homem com a cidade. A arborização traz beleza e a beleza traz dignidade ao cidadão. Quando eu disse que as classes menos privilegiadas são as que mais sofrem é porque quanto mais humilde é o bairro que a pessoa mora, percebe-se que tem menos vegetação ali. Tem mais concreto, as calçadas são estreitas e em uma paisagem dessa como você vai se dar ao luxo de ter árvores? Então tem um aquecimento violento e um variação de temperatura muito grande ao longo do dia, além do adensamento da poluição de ar. Então tudo de ruim acaba ficando nesses bairros menos favorecidos. Foi feita uma pesquisa que mostra que entre os dez melhores bairros de uma cidade, oito são arborizados. E dentre os dez piores, somente dois tem uma arborização relativa.

5) Qual o cenário atual com relação à arquitetura sustentável?


Existem as arquiteturas certificadas e os órgãos certificadores. Mas hoje no Brasil eu diria que poucas construções têm essas certificações, até porque quando você se compromete com a certificação, você tem que mantê-la depois. O que eu quero dizer é que hoje o mais importante que a a gente busca não são as certificações e sim as atitudes sustentáveis. Por exemplo: minimizar a questão da permeabilidade, ter menos paredes ou áreas expostas à insolação usando paredes verdes, como o uso de uma trepadeira. As trepadeiras são ótimas porque no verão elas estão folheadas quando as pessoas precisam de sombra e no inverno ficam despidas, quando as pessoas precisam de calor. Elas são uma espécie de ar-condicionado natural, à custo zero e sem uso de energia.

6) Que tipo de dicas o senhor poderia dar para quem tem interesse em melhorar um espaço de forma sustentável?

Eu recomendo o uso da vegetação porque elas têm um custo muito baixo. Nós temos trepadeiras ótimas que podem crescer nos muros das casas e amenizar as ondas de calor na cidade, temos também a aplicação do teto verde e o uso de materiais permeáveis. O meu escritório criou um piso permeável que quando chove a água penetra no solo, escorre e dessa forma não contribui pras enchentes. São pequenas coisas que fazem a diferença, não acredito em coisas de mega tecnologia porque acho que são as atitudes simples que funcionam. A gente tem buscado muito nas cidades lugares para plantar mais árvores e lugares para as pessoas conviverem e se encontrarem mais. Há algum tempo as cidades vivem muito em função dos carros, do transporte e hoje existe uma busca internacional para resgatar os cidadãos nas cidades. É importante que as cidades voltem a ser das pessoas e não dos veículos.