Renato Russo completaria 53 anos no próximo mês. Dificilmente o cantor que liderava bandas punks na adolescência em Brasília estaria à frente de espetáculos catárticos no palco ; ainda que Mick Jagger e Paul McCartney provem que a idade não é impeditivo para um artista pop. A literatura e o cinema, outras duas paixões de Renato, seriam os caminhos mais naturais após o brilhante trabalho com o grupo de rock mais popular do Brasil.
Por essa razão ganha relevância histórica a peça A verdadeira desorganização do desespero, escrita quando o artista contava apenas 22 anos. A dramaturgia e o lirismo sempre fizeram parte da expressão artística de Renato Russo. O próprio batismo de seu sobrenome roqueiro, em homenagem a Rousseau e a outros ídolos, se enquadra no mundo do jovem Manfredini. Também saíram do imaginário e da sensibilidade de Renato os personagens e as metáforas tão conhecidos de todos: João de Santo Cristo, Eduardo e Mônica, soldados que pedem esmola e, por fim, a Geração Coca-Cola.
A verdadeira desorganização do desespero traduz a característica múltipla do artista de origem brasiliense (sim). Se a história de Vulcão e Plateia traz referência a Ésquilo e Beckett, várias músicas do Legião Urbana revelam pistas do acervo para inspiração do cantor: Caetano, Rimbaud, Bíblia, budismo. O universo de Renato cria um diálogo até com artes menos presentes, como a pintura. Basta cantar mais uma vez Acrilic on Canvas, uma obra-prima que transforma um amor perfeito em melancolia de luz e sombra.
Tal qual uma esfinge, Renato Russo sempre guardará enigmas para gerações posteriores. Punk na ditadura, roqueiro brasileiro, fã de Menudos e música italiana, ativista e também autor de teatro. Eis a razão definitiva para Brasília erguer um memorial à altura de um artista que, passados mais de 16 anos da morte, ainda emociona milhões de brasileiros.