Vista de perto, a novela é um marco na Globo. Todo esse marketing de ;produto dirigido à classe C; carimbado na embalagem acabou por revelar que o produto saiu melhor do que a encomenda. Ao escrever o folhetim e escolher como fio central o universo suburbano, João Manuel Carneiro tinha tudo para se perder nos estereótipos de violência, miséria ou breguice que tornam desastradamente simplórios outros trabalhos com esse foco. Mas não é isso que acontece. O enredo de Avenida Brasil, em vários momentos, parece adquirir vida própria e crescer diante do autor, que, para acompanhá-lo, embarca em desafios. É o que faz a novela surpreender, em especial nesta última temporada. A escolha pelos contornos que flertam mais com o realismo do que com a caricatura ; sem abrir mão das caricaturas ao redor ; ajudou a compor personagens que vão deixar saudades. A começar por Adriana Esteves, que trabalha em nível de indicada ao Oscar. Sua Carminha é balaco brabo: apesar de ser a bruxa má do folhetim, age com tamanha intensidade humana que caiu na simpatia do público.
Filigranada na má índole, Carminha não é uma megera genérica. Do mesmo jeito que enganou a família de Tufão (Murilo Benício) durante 12 anos, é capaz de emocionar o telespectador ao deixar entrever que os brutos também amam. A cena em que ela se despediu de Max (Marcelo Novaes) após colocar um boa-noite-cinderela na bebida dele e planejar a morte do amante chegou a ser comovente. Em outros contextos emocionais, ela também impressiona. Como esquecer as rosnadas de ódio ou a cara safada de regozijo nas cenas tórridas? Jamais haverá uma mulher como Carminha. Fez parceria de malandragem até com o padre.
[SAIBAMAIS]
A passionalidade é um traço com o qual a direção sensível de Amora Mautner (e seu time de codiretores bem afinados) pegou de jeito outros habitantes de Avenida Brasil. O pranto de Adauto (Juliano Cazarré) ao descobrir que Muricy (Eliane Giardini) o trai com Leleco (Marcos Caruso) foi show de bola. Depois, ele caiu em temporada pastelão, subindo em telhado e comendo fotografias rasgadas. Mas agregou diferencial ao roteiro, ao desenvolver o perfil do cara um tanto burrinho, mas com um coração generoso e braços abertos ao universo.
Adauto não reina sozinho no mundo dos tolos. Boa parte dos homens de Avenida Brasil tem um pé na ingenuidade, para o bem ou para o mal. Ninguém teve tanta oportunidade de pirar como Jorginho (Cauã Reymond), que sofreu com informações desencontradas sobre sua origem durante o tempo todo.Tufão, nem se fala. Max, coitado, só teve ideias que o levaram a se dar mal. Talvez por isso tenha ganhado o prêmio de morrer assassinado por sabe-se lá quem. Momento Agatha Christie. Façam suas apostas. Tecnicamente, são vários os suspeitos a garantir que, nesta semana, a faixa das nove da noite na tevê já tem lugar reservado em nossa casa. Sempre pode rolar uma surpresa.