Conversa foi, conversa veio e, em Avenida Brasil, a chave de tudo, os segredos decisivos estavam todos no lixão. Foi assim que João Emanuel Carneiro construiu uma trama ancorada na metáfora-mãe do tesouro que ora habita o lixo e do valor que pode agregar a ;podridão;. Por trás de tanta história cabeluda que durante a maior parte do tempo valia dinheiro a rodo ; por isso foi contada a conta-gotas ; , a engenharia central da novela pegou o telespectador de jeito. Mas não por acaso.
Primeiramente, isso foi possível pela riqueza garimpada no universo suburbano. Exaltado em sua estilização mais arrebatadora, o jeito alegre e malicioso do carioca de subúrbio deixou transbordar outra particularidade: a camaradagem nata, no melhor de sua caricatura. Ampliar o espaço dos diálogos dos personagens do Divino foi um recurso muitas vezes usado para dispersar um argumento central que, em determinado ponto, ficou enfraquecido ; o da vingança de Nina (Débora Falabella), um processo que descarrilou a tenacidade inicial da personagem em vacilos inacreditáveis. Enquanto isso, o tempo passava e a história se enrolava.
Na reta dos preciosos capítulos finais, todavia, Avenida Brasil arrebata a audiência. Não se fala em outra coisa, especialmente desde a semana retrasada, quando a Globo passou a não divulgar os resumos. Acostumado que ficou à cultura do pré-aquecido, muito telespectador nem sabe que, antigamente, as novelas eram misteriosas: ninguém sabia o que iria rolar no dia seguinte. Não havia especulação comercial em cima da teledramaturgia.
Mesmo com o vazamento de palpites sobre os rumos do enredo, Avenida Brasil construiu o perfil diferenciado de outros folhetins do horário nobre por essa característica de, muitas vezes, passar a sensação de que a história está sendo feita por meio de semeaduras aleatórias. É como se o autor plantasse sem ter certeza do que iria brotar, mas excitado pelo comprometimento em fazer aquilo tudo dar bons frutos.
Personagens que aos poucos se revelaram importantes tiveram desfechos dignos de cinema. Nilo (José de Abreu), o que sabia de histórias cruciais, morreu de uísque ;batizado; por Santiago (Juca de Oliveira). A Max (Marcello Novaes), coube a missão de tirar da manga a salvação do lamaçal em que se metera o pouco orientado perfil de Nina. Sem mais nada a perder, ele desenterrou da chácara de Carminha (Adriana Esteves), sua amante, as tais fotos comprometedoras do casal. Deu de bandeja para a família de Tufão (Murilo Benício) e chutou o balde de Carminha. Pagou caro e morreu com outra incumbência: justificar a expectativa do público pela autoria do assassinato.
Santiago será mesmo o mentor de tudo? Hoje é dia de saber. Uma vez descoberto que ele tem parte com tudo de sinistro que rola na história, não será surpresa se o Gepetto de última hora despontar como culpado total. De toda forma, a novela já faz diferença com a composição dos personagens centrais, que, embora nadem de braçada no inverossímel, têm perfil bastante humanizado. E isso, tanto na ficção quanto na vida real, muitas vezes significa que nem tudo é previsível. O impensado para uns não o é para alguns outros.