;Sempre foi minha vontade tocar esse processo em um ritmo compatível com presteza e segurança. Se não puder proclamar o resultado, não será um problema. O ministro Joaquim Barbosa o fará e isso não me frustra em nada;, disse Britto, acrescentando que ;é um processo emblemático;. Antes de assumir a presidência do STF, havia previsão de que o julgamento do caso duraria apenas um mês. Britto assumiu em abril como sucessor de Cezar Peluso.
O mensalão chega hoje a sua 46; sessão, com a definição de penas aos 25 condenados. Na última segunda-feira, o relator Joaquim Barbosa, próximo presidente do STF ; que assume interinamente na semana que vem porque a posse está marcada somente para o dia 22 ; surpreendeu o plenário e mudou a ordem da apreciação. O previsto era que ele votasse o tempo de prisão e multa do núcleo financeiro, mas o ministro começou pelo núcleo político. A mudança causou a mais dura discussão com o revisor Ricardo Lewandowski durante o julgamento.
[SAIBAMAIS]Em sua última sessão à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ontem, Britto recebeu a homenagem de colegas e fez forte defesa à categoria. ;O Poder Judiciário é o mais cobrado, mais exigido e o menos perdoado;, afirmou, acrescentando que seus integrantes não podem fazer greve, não podem se filiar sindicalmente, não têm hora extra e cargo comissionado. ;No Judiciário, é inconcebível o desmando e o desgoverno. No entanto, não é tratado remuneratoriamente ; e não é corporativismo ; à altura de sua dignidade, imprescindibilidade, superlatividade.;
Britto criticou ainda a comparação salarial de integrantes do Poder Judiciário no Brasil e outros países, citando os Estados Unidos. ;Mas (no exterior) o sistema de saúde é pago. O sistema de educação é pago. O valor de um carro é menor do que no Brasil. Com salário de US$ 10 mil (fora do Brasil), tem-se alta qualidade de vida;, avaliou, completando que ;o Judiciário é o fiador da Constituição;.
A última reunião no CNJ ocorreu em clima de despedida, com direito à emoção de parte dos presentes. Vários conselheiros e integrantes de associações usaram o microfone para desejar boa sorte na nova trajetória a Britto. Ao falar para o ministro que promete se dedicar à poesia após deixar o Supremo, a maioria citou pensadores e poetas em seus discursos e destacaram a serenidade como a maior qualidade de Britto. Ele respondeu: ;Aprendi que derramamento de bílis não combina com produção de neurônios;.
Compulsória
A aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo aos 70 anos é um assunto controverso. Muitos defendem que a maioria dos magistrados dessa idade ainda tem vigor físico e intelectual. Cezar Peluso, por exemplo, criticou a exigência quando deixou a Corte, em setembro. Ontem, Britto preferiu não tecer comentários contra a regra. ;O marco dos 70 anos é bom. Quem aos 70 anos não cumpriu sua missão de servir bem não será depois que há de fazê-lo.; Tramita no Congresso uma proposta de emenda constitucional, PEC da Bengala, que eleva a idade limite das aposentadorias compulsórias de 70 para 75 anos.
Perfil
Ayres Britto - O poeta do São Francisco
Inspirado pela calma com que as águas do Velho Chico percorrem quase 3 mil quilômetros até desembocarem no Oceano Atlântico, ali bem perto de sua terra natal, Carlos Ayres Britto é conhecido por sua serenidade e veia poética. O presidente do Supremo Tribunal Federal nasceu em Propriá, município sergipano a poucos quilômetros da foz do Rio São Francisco. Na infância, o jurista e poeta brincava na beira do curso d;água e, até hoje, gosta de sentar às margens do rio para contemplá-lo em silêncio quando visita a cidade. No pequeno município a 95 quilômetros da capital, Aracaju, ele é o grande orgulho dos conterrâneos, que acompanham com interesse a trajetória do filho mais ilustre de Propriá.
Carlos Ayres Britto morou em sua terra natal até os 27 anos. O pai, João Fernandes de Britto, foi juiz em várias comarcas da região. A mãe, Dalva Ayres de Freitas Britto, acompanhou de perto a criação dos 11 filhos do casal. Motivado pela paixão do pai pelo universo jurídico, Carlinhos, como é conhecido pela família, foi estudar direito na Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju. Diariamente, ele percorria de ônibus a distância entre Propriá e a capital e ainda dividia o tempo entre os estudos universitários e o trabalho como escriturário do Banco do Brasil.
Britto se formou em 1967 e passou a atuar como advogado em Aracaju. Fez mestrado e doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo antes de se tornar professor universitário. Em seu estado, trabalhou como consultor jurídico do governo, procurador-geral de Justiça e procurador do Tribunal de Contas de Sergipe. Em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva o escolheu para integrar o Supremo Tribunal Federal, na vaga aberta com a aposentadoria do ministro Ilmar Galvão. Em abril deste ano, ele assumiu a presidência do STF.
O jeito calmo, o tom de voz baixo e as atitudes conciliadoras transformaram o ministro Ayres Britto em uma figura querida na Corte. Além de votos permeados por muita poesia, ele ficou marcado por posições de perfil liberal. Relatou processos importantes, como a liberação das pesquisas com células-tronco, a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol e a admissão da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Na sessão em que o Supremo reconheceu o valor dos relacionamentos homoafetivos, Ayres Britto emocionou quem acompanhava a votação no plenário. ;Pede-se que este tribunal declare que qualquer maneira de amar vale a pena. Ninguém deve ser diminuído nessa vida pelos afetos e por compartilhar os seus afetos com quem escolher;, disse à época.
Sobrinho do ministro, o funcionário público João Fernandes Britto, 38 anos, fala com orgulho do tio. Ele mora em Propriá e não recebe a visita do ministro desde que começou o julgamento do mensalão. Foram meses de muita sobrecarga de trabalho. ;Ele esteve aqui em julho para visitar a família e os amigos. Meu tio é o filho que mais se parece com o meu avô, herdou dele o gosto pela leitura e tem esse jeito sereno, que transmite uma paz enorme. Ele é o protetor, o conselheiro da família;, comenta.
Ayres Britto é casado com Rita de Cássia Pinheiro Reis de Britto, com quem tem cinco filhos. Quando tomou posse como presidente do STF, ele fez uma declaração de amor à companheira. ;Ponho meus olhos nos olhos de Rita, mulher com quem durmo e acordo, e que também é a mulher dos meus sonhos;, disse o apaixonado ministro, diante de um lotado plenário. Além do jeitão zen, quem convive com Britto também sabe de suas restrições alimentares. Vegetariano há quase duas décadas, ele costuma se alimentar no seu gabinete ou em casa antes de ir a eventos. Deixou de comer carnes principalmente por piedade dos animais.
Isenção
Três dos nove irmãos de Carlos Ayres Britto ainda vivem em Propriá. Dona Dalva, matriarca da família, morreu em janeiro deste ano, aos 94 anos. Irmão mais novo de Carlos Ayres, o bancário aposentado João Freitas Britto, 67, diz que a isenção do ministro é um dos grandes orgulhos da família. ;Ele age com esse distanciamento, até mesmo quando as decisões são contrárias ao PT, que é o partido de origem dele. Ele sempre foi petista, até assumir o cargo de ministro. Chegou a ser o segundo mais votado do estado, quando se candidatou a deputado;, conta o irmão. Britto só não conquistou o mandato por causa do coeficiente eleitoral.
O irmão do ministro revela que Carlos Ayres Britto era bom de bola. ;Ele já dirigiu o América Futebol Clube e também foi um exímio jogador de futebol de salão. Já defendeu o time da Escola Técnica de Comércio de Propriá;, relembra João. ;Enquanto morou na nossa cidade, ele participava ativamente da vida cultural de Propriá, frequentava o Grêmio Cultural Monsenhor Soares e sempre gostou de divulgar os versos nos jornais locais.;. Carlos Ayres Britto já publicou seis livros de poesia, uma de suas grandes paixões. O ministro se despede a Corte com a admiração de funcionários e colegas. Na noite da última segunda-feira, sua equipe organizou um jantar em um restaurante italiano da Asa Sul para homenageá-lo. Além dos servidores, que lhe ofereceram como presente um quadro do artista Athos Bulcão, também participaram do evento os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
"Pede-se que este tribunal declare que qualquer maneira de amar vale a pena"
Ayres Britto, durante julgamento que reconheceu uniões homoafetivas