Antes, só havia cerrado puro, virgem. Depois, vieram as máquinas, os homens, e muito material de construção. Tudo virou um imenso canteiro de obras. E, em meio a esse cenário, ora empoeirado, ora enlameado, prédios enormes, modernos, sendo erguidos a toque de caixa. Essa história, que tem como protagonistas Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Bernardo Sayão, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, está contada em filmes institucionais com duração entre 10 e 25 minutos. Alguns deles, os famosos cinejornais da Atlântida e da Jean Manzon Films, exibidos nos cinemas de todo o país nos anos 1950 e 1960. Originais e cópias dessas relíquias estão guardados no Arquivo Público do Distrito Federal (APDF).
Em breve, as obras, conservadas em películas ou DVDs, sairão dos armários e serão disponibilizadas na internet. Os filmes e outros documentos da construção de Brasília passam atualmente por digitalização. Mas, antes de o serviço ser concluído, o Correio oferece em seu site (www.correiobraziliense.com.br) a íntegra de três desses vídeos.
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Neles, uma das estrelas é Oscar Niemeyer. Hoje, o arquiteto faria 105 anos. Até uma semana atrás, quando morreu no Rio de Janeiro, era o último dos grandes construtores da capital ainda vivo. Os filmes resgatados pelo Arquivo Público e repassados ao jornal mostram o gênio em dois momentos: trabalhando no DF com o amigo Lucio Costa no fim dos anos 1950 e dando um depoimento, em 1981, na área central da cidade já concluída.
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O mais bem produzido desses vídeos surgiu de uma encomenda de JK ao fotógrafo francês Jean Manzon. O então presidente tinha a intenção de mostrar ao país como era a nova capital e calar os críticos do projeto. Para tal, queria um registro das obras em pleno andamento e do estilo de vida dos candangos e dos primeiros moradores de Brasília. O resultado foi a película intitulada As primeiras imagens de Brasília, que, em 10 minutos, mostra, entre outras pérolas, o trabalho conjunto de Oscar Niemeyer e de Lucio Costa em um escritório no Plano Piloto em construção.
Em meio às imagens da supervisão constante de JK e do engenheiro Israel Pinheiro, o filme produzido pela Atlântida e narrado por Luiz Jatobá ; locutor do hitórico Canal 100 e, à época, da Voz do Brasil ; mostra algumas das obras-primas de Niemeyer em construção, como as colunas do Palácio da Alvorada ainda escoradas. Além dos grandes nomes da construção, há inúmeros anônimos, trabalhadores cavando buracos, abrindo sendas na mata, patrolando o chão do cerrado com máquinas gigantescas e ainda construindo a rodovia que ligaria Brasília à Anápolis, a futura BR-060.
Todo em preto e branco e sem a voz dos seus personagens, As primeiras imagens de Brasília termina com cenas de pioneiros chegando em casa, após um dia de trabalho. ;Brasília já existe. As famílias que pra lá se deslocaram irão constituir amanhã a legião comovidamente lembrada dos pioneiros, primeiros homens e mulheres que deram ao Brasil os primeiros filhos de uma nova era;, narra Luiz Jatobá.
Despojado
Outra raridade de Brasília, guardada pelo Arquivo Público, é o filme Novacap, ano 25. Em 26 minutos, mesclando imagens em preto e branco e também em cores, é destacada a importância da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) na construção da cidade. Logo na abertura, aparece Niemeyer, de forma despojada, cabelos desgrenhados, segurando um microfone, no gramado em frente à Torre de TV, tendo a Esplanada dos Ministérios ao fundo. Ele dá um breve depoimento sobre a sua obra. ;Antes, era tudo deserto e solitário;, lembra. Por fim, o arquiteto ressalta que estará sempre disponível a falar sobre a cidade. ;Todas as vezes que me for possível, dirigirei a voz a Brasília.;
Além das autoridades, como diretores da Novacap exaltando o trabalho, o registro mostra a favelização da capital, o surgimento de cidades não planejadas por Lucio Costa, problema que muito incomodou Niemeyer e todos que sonhavam com uma cidade ideal, humana. ;Esses filmes funcionavam como veículo de propaganda e material de convencimento da população e de autoridades contrárias à construção da nova capital. Eles têm um valor histórico inestimável para o país;, ressalta Wilson Vieira Júnior, coordenador do projeto e do Arquivo Histórico do APDF.
Acervo protegido
O maior acervo sobre a história de Brasília começa a ganhar o merecido tratamento. Mais de 6,5 milhões de itens do Arquivo Público do DF serão digitalizados. São fotografias, revistas, jornais, microfilmes, mapas, cartazes de eventos culturais. Material produzido pelo governo local, pelo governo federal, por empresas, entre outros, desde os anos 1950.
Ao custo de R$ 5 milhões, o trabalho de digitalização e indexação dos documentos deverá ser concluído até meados de 2014. De 30 a 40 técnicos de uma empresa especializada farão o serviço nas dependências do Arquivo Público, em um prédio dentro da Novacap. Eles vão copiar e inserir tudo no computador, de forma ordenada, identificada.
O contrato inclui a criação de um portal na internet, pelo qual as pessoas, de qualquer parte do planeta, poderão acessar os textos e as imagens, até então restritos à consulta presencial. Fundado em 1985 para receber toda a documentação referente à história da capital, o órgão nunca teve sede própria, orçamento e equipe ideais para guardar e preservar os textos e imagens. A estrutura predial, de pré-moldados, não garante a adequada segurança capaz de garantir a conservação do rico material.
O acervo também contém cartazes de todos os eventos culturais realizados com apoio do governo local. Entre eles, os primeiros shows de bandas brasilienses, como Capital Inicial e Legião Urbana. Há ainda rolos de filmes em película feitos por renomados cineastas, como Wladimir Carvalho, e outros usados em propagandas oficiais nos anos 1950 e 1960.