Histórias como a de Edilson Joaquim das Neves, que, por não ter atendimento médico em sua cidade, precisou tratar o pé quebrado em Goiânia, expõem uma das mais latentes fragilidades do Estado brasileiro. ;A falha do sistema de saúde é geral. Os problemas se repetem todos os dias, o que, infelizmente, pode ter como consequência a morte dos pacientes;, diz o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rafael Guerreiro Osório.
O país que vai sediar dois dos maiores e mais lucrativos eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, ainda tem 2.176 municípios sem qualquer condição para abrigar pacientes que necessitem de cuidados médicos. Isso quer dizer que mais de um terço das cidades brasileiras não possui estrutura médica para abrigar doentes que precisam ser internados. A situação é ainda pior, se levadas em conta apenas as consultas aprovadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda hoje, em 460 municípios, a média de atendimento médico é inferior a um habitante por ano.
Outro problema é a qualidade do atendimento médico realizado nos municípios distantes dos grandes centros urbanos: ;A gente sabe que médico do interior até faz bastante, com muito pouco. Eles têm boa vontade, mas, quando o calo aperta, logo mandam a gente para Brasília ou Goiânia, porque aqui não se resolve nada;, diz o agricultor José de Nemezio, 64.
Ele conta que a mulher, desde que soube do diagnóstico de pedra nos rins, foi aconselhada a se tratar na capital goiana. Todos os meses, desde então, ela encara cerca de 450 quilômetros de estrada. "É um sofrimento danado", lamenta Nemezio. Situação parecida viveu o comerciante Jobno Barros Brito, 56. Há sete anos, ele foi acometido de um súbito mal-estar que paralisou todo o lado esquerdo do corpo. Levado às pressas ao posto médico local, descobriu-se que havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC). ;Para me salvar, fui ao posto de saúde daqui mesmo, mas o tratamento mais sério foi feito em Goiânia, que tem mais recursos", lembra.
Obra superfaturada
Em um estudo publicado em 2011, o Ipea já chamava a atenção para o fato de a presença do poder público em áreas como a saúde mostrar desequilíbrio regional, ;desfavorecendo as regiões menos desenvolvidas do país, com menos presença de profissionais com nível de instrução superior e menor quantidade de leitos disponíveis para internação;. Em lugares como Sítio d;Abadia, de pouco mais de 2,8 mil habitantes, a ausência do Estado é ainda maior. ;Falta tudo aqui, de médico a enfermeiro. O jeito é contar com a sorte e a ajuda de Deus;, diz um morador local, que não quis ser identificado.
No município do leste goiano, 52,66% da população são de pobres, que dependem, basicamente, da ajuda do estado. Pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 52,22% dos moradores recebem o Bolsa Família e 58,16% dos trabalhadores não têm carteira assinada.
;O Brasil avançou de forma importante na redução da desigualdade de renda nas últimas décadas. No entanto, dada a posição inicial muito desfavorável, ainda há muito a ser feito;, avalia o economista Caio Megale, do Itaú Unibanco. ;As políticas públicas, em maioria, são bem desenhadas. Em alguns casos, no entanto, podem ser melhor executadas. É importante criar, ao longo do tempo, condições de desenvolvimento educacional e profissional, para que as políticas sociais sejam gradativamente menos necessárias", complementa.
Na avaliação de Rafael Guerreiro Osório, do Ipea, para atingir o estágio em que as políticas públicas serão menos necessárias, o país ainda precisará percorrer um caminho com suor e lágrimas. ;O Brasil é uma obra em construção. Uma obra em construção superfaturada e com cronograma atrasado;, diz.