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Sítio d;Abadia (GO) ; O país que na última década se credenciou ao posto de potência econômica global ainda sente as dores das feridas do passado. A ausência do poder público se faz flagrante diante da falta de trabalho decente, renda e a dificuldade de acesso a serviços básicos universais, como o direito à saúde e à educação. Realidade que exclui milhões de brasileiros dos benefícios trazidos pelo progresso: ;Essas melhorias que o povo diz pela televisão não chegaram aqui;, diz a dona de casa Ana Leles Lopes, 55 anos. ;Dizem que o país está melhor, que estão acabando com a miséria. Mas aqui continuamos pobres, lutando todos os dias para sobreviver;, desabafa.
Ana Leles é moradora do povoado de Mundo Novo, um pequeno e isolado lugarejo localizado na encosta de uma serra, ao nordeste de Goiás. Para chegar até lá é preciso muita disposição, por causa da sofrível estrada de chão que, quando chove, fica intransitável por até 15 dias. Do centro do município de Sítio d;Abadia, ao qual o vilarejo pertence, são cerca de 60 quilômetros ladeira acima, caminho que, de tão remoto, virou motivo de troça. ;Daqui é mais fácil chegar a São Paulo do que ao centro da cidade à qual pertencemos;, provoca o marido de Ana, o lavrador Durval Vieira Lopes, 61.
A complexidade de se chegar até o município administrativo é tamanha, que se tornou comum os moradores de Mundo Novo fretarem mototáxis e carros para fazer coisas simples, como sacar dinheiro em um posto bancário ou procurar um dentista. Para isso, porém, é preciso desembolsar salgados R$ 50, no caso das motos, e até R$ 150, para locar um automóvel. A necessidade de se deslocar até Sítio d;Abadia aumenta porque ninguém no povoado tem endereço formal. ;Se eu tenho que receber alguma correspondência, eu dou o endereço dos Correios, porque o meu mesmo nem eu sei;, diz Durval.
Desespero constante
A dificuldade é ainda maior para quem tem que recorrer, com urgência, a um médico. Edilson Joaquim das Neves, 27, que o diga. Há dois anos, ele teve a rotina revirada pelo avesso, quando fraturou o pé numa partida de futebol. Era por volta de 6h da tarde de um ensolarado sábado de novembro quando se acidentou. Rapidamente, os amigos o colocaram num carro e partiram em direção ao município goiano de Alvorada do Norte, distante cerca de 240 quilômetros de Brasília.
Tão logo deu entrada no posto de saúde, Edilson foi informado pelos atendentes de que nada podiam fazer para ajudá-lo, por falta de equipamentos e de estrutura do lugar. Foi preciso que o prefeito local conseguisse uma ambulância, que só chegou por volta das 11h da noite, para levá-lo até Brasília, onde chegou cinco horas depois.
O tratamento durou cerca de quatro meses, período em que ele mal podia apoiar o pé no chão. Como não tinha como trabalhar, perdeu o único emprego de carteira assinada que teve na vida, como vaqueiro em uma fazenda de gado. ;Meu patrão me enganou. Disse que ia me demitir para eu ganhar os benefícios todos, mas como eu não sei ler direito, acabei assinando um documento que dizia que era eu quem tinha pedido demissão. Aí eu perdi tudo;, conta Edilson, resignado.
Sem emprego, o ex-vaqueiro sobreviveu do auxílio-doença pago pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que durou apenas dois meses. Para completar, a cada retorno ao Hospital de Base, em Brasília, Edilson tinha de desembolsar
R$ 150 para arcar com o combustível do carro que o transportava. Sem dinheiro, vendeu o que tinha em casa. Do cavalo a uns poucos porcos e galinhas. ;Fiquei quebrado. Até papel higiênico, eu tive que pegar emprestado, porque não tinha como comprar;, lembra. Hoje, dois anos depois da lesão e 30 quilos mais pesado, ele sofre para conseguir trabalho. ;Não tenho mais força na perna direita. Se eu caminho muito, dói;, conta.