Jornal Correio Braziliense

O Brasil Que Ninguem Ve

Em alguns locais não existem bancos, lotéricas nem posto dos Correios

%u201CAqui também não tem emprego%u201D, diz Abel. Por isso, quando os filhos cresceram, o jeito foi migrar para Brasília


Há 80 quilômetros de Flores, no povoado de JK, município de Vila Boa, Lenita Paz de Souza, 66 anos, e Abel Paz da Cosa, 82, ressaltam que quase nada mudou desde que se entendem por gente. O local onde o casal de aposentados mora é tão pequeno que não tem banco, lotérica ou posto dos Correios. ;Por isso, para receber a aposentadoria e pagar as contas, temos de ir para Formosa ou Vila Boa. É muito desgastante na nossa idade;, afirma Lenita. ;Aqui também não tem emprego;, diz Abel. Por isso, quando os filhos cresceram, o jeito foi migrar para Brasília, ;um eldorado;, na visão do aposentado.

Jacenilde dos Santos Rabelo, 27, ainda está longe de se dizer beneficiada pelas oportunidades oferecidas pela capital do país, diante das dificuldades que enfrenta para sustentar os três filhos em Ceilândia, cidade do entorno do Distrito Federal. Ela fugiu da miséria há pouco mais de um ano. Nascida em Central do Maranhão, município próximo de São Luís, veio atrás do marido, Jacson Douglas Costa, que havia atravessado 2 mil quilômetros de estrada para tentar um emprego em Brasília, onde conseguiu uma vaga de pintor. ;Lá em Central não tinha emprego, não tinha nada;, lamenta, não sem motivos.

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[SAIBAMAIS] Em Central do Maranhão, 60,13% da população é considerada pobre. Na cidade, o Bolsa Família é a única renda para 67,48% das residências. ;Passei muita fome, situação que só começou a mudar depois que a minha sogra conseguiu um terreno na quadra QNR, em Ceilândia;, conta. No local, três barracos foram levantados. ;Minha vida, agora, é outra. Tenho uma casa e meu marido, uma ocupação.; Ela apenas saiu da miséria total no interior do Maranhão para um lugar um pouco menos pobre. Até bem pouco tempo, a energia elétrica da QNR vinha por meio de ;gatos; na rede oficial. As correspondências só passaram a ser entregues pelos Correios há um mês.




A pouco mais de 15 quilômetros da QNR, depois da divisa entre Goiás e o DF, fica a cidade de Águas Lindas. A região é uma das mais perigosas do país e, constantemente, sofre intervenção da Força Nacional de Segurança, pois a polícia local não consegue proteger plenamente a população. Em um dos bairros, o Jardim América II, falta tudo. Não tem água encanada e o posto de saúde está sempre fechado. ;Para pegar ônibus, tenho que ir até à BR, já que não há paradas por aqui;, explica a diarista Rosimere Maria do Nascimento, 30.


Mãe de cinco filhos. Ela vai ao DF uma vez por semana para trabalhar em um apartamento em Águas Claras, bairro de classe média alta. ;Se tiver de pagar conta ou fazer qualquer coisa, tem de ir para o Jardim Brasília (parte mais urbanizada de Águas Lindas)", diz. Para Rosimere, porém, o maior problema da região é a segurança. "Depois que escurece, acabou a paz. Todo mundo se tranca em casa. Para trabalhar, as mulheres que vão muito cedo se juntam em grupo e caminham até a parada de ônibus;, afirma.

No entender dos especialistas, o tamanho do Brasil não pode ser uma desculpa para a falta de políticas públicas. ;O país é territorialmente grande, mas tem uma estrutura de poder público igualmente extensa. O Estado está aparelhado para atender mesmo os municípios distantes;, observa Caio Megale, economista do Itaú Unibanco. ;Nos Estados Unidos, que são mais extensos que o Brasil, o poder público funciona melhor. Portanto, é possível avançar aqui também;, sentencia. Basta ter vontade.