Há 57 anos, desfilavam pelas avenidas da recém-inaugurada capital, candangos vestidos de algodão e brim, sacos nas costas, canivete e copo no cinto. O linho era para os ricos. Hoje, o desfile nas ruas de Brasília é diversificado, tem variados tecidos e muitas cores, além dos clássicos preto, branco e cinza. É cheio de acessórios e atende todos os gostos e estilos. Na etiqueta, uma produção feita por brasilienses empreendedores e criativos. Pessoas que extraíram ora um símbolo, ora um traço da capital, e os transformaram em fonte de inspiração.
Localizada no Conic, a Verdurão Camisetas decidiu, há mais de 10 anos, vestir e vender o estilo de vida brasiliense. O projeto surgiu com um caráter crítico e subversivo, mas, aos poucos, foi caminhando para a vertente Brasília estampada. São as gírias, as imagens, os monumentos, as poesias que nasceram na capital e caracterizam a cidade. ;A coleção Eu falo brasiliês é uma das campeãs de venda;, conta o gerente Felipe Souza, 29 anos. O público é majoritariamente formado por pessoas de Brasília ou que moram na cidade e reconhecem seus símbolos. Os estrangeiros que passam pelo local precisam de uma assessoria particular para entender o universo brasiliense à venda.
A Verdurão Camisetas retrata a Brasília das largas avenidas, dos domingos no Eixão e do Cine Brasília. ;O Pil, um dos donos, desenha grande parte das estampas. Em outros casos, convidamos designers, mas, muitas ideias vêm dos consumidores;, fala o gerente. A linha infantil de camisetas e bodies também foi outra demanda dos clientes da loja. Criada por dois brasilienses, basicamente toda a produção é feita na cidade. ;A malha pedimos no Sul do país, mas as costureiras são do polo de modas do Guará e quem faz a serigrafia é daqui também.; Depois do sucesso da marca, Fernanda Maia e Luiz Henrique Soares, o Pil, abriram outros negócios, também ligados à moda: a Sete Palmos e a Negro Blue
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Da primeira venda no porta-mala do carro, ficaram as lembranças e a nota fiscal da compra das malhas, emoldurada na parede de casa. Os sócios Thatiana Dunice Inneco, 39, e o marido, Raffael Innecco, 36, também avistaram no horizonte do Planalto Central uma possibilidade de empreender. Há seis anos, criaram a etiqueta BSB Memo. Uma loja que leva Brasília no nome e em todos os produtos, além de trazer a palavra memorabília ; fato ou coisas que suscitam memórias. ;É clichê, mas Brasília é um museu a céu aberto. Os elementos daqui chamam a atenção e são universais;, comenta Thatiana.
Tudo começou em um curso de empreendedorismo do Sebrae feito por Raffael. O casal criou 10 camisetas com desenhos da silhueta de monumentos de Brasília. Era apenas um teste. No entanto, o retorno foi maior do que o planejado. ;Vimos uma oportunidade de mercado que fugisse do artesanato típico vendido na Torre de TV.; Das camisetas, saíram cadernos de anotação, copos estampados por cobogós, bonecos do Lucio Costa, Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer, canecas e xícaras de café, guarda-chuvas e outros produtos com a assinatura BSB Memo.
Fazer moda na capital do país tem se tornado atrativo. Os sócios Paulo Augusto Albuquerque, 22 anos, e Caio Monteiro, 25, afastaram-se das carreiras nas áreas de engenharia ambiental e administração, respectivamente, para criar a DOBE Brasil. A etiqueta é brasiliense, mas o desejo dos jovens é atender uma carência do mercado nacional. A marca presa por características como o básico, o elegante, o charmoso, o bonito, o peculiar e, principalmente, o confortável. Na paleta de cores, predominam branco, preto e cinza. É a configuração da tendência minimalista no meio do Planalto Central.
Os sócios apostam em uma Brasília longe dos clichês. ;Os tons crus da escala de Niemeyer e a organização da cidade são as características que mais nos influencia;, comenta Paulo. Quando há uma estampa sobre a capital no meio da coleção, é sempre com um olhar diferente. ;Usamos ângulos e geometrias do dia a dia brasiliense;, explica Caio. O primeiro conjunto de peças saiu em abril de 2015. De 250 peças na primeira coleção, saltou para 1.766 na oitava, a dupla inaugurou um espaço físico e foi além dos limites do quadradinho com as vendas on-line. As roupas são produzidas no polo de modas no Guará com malhas vindas do Sul do país. ;Temos dificuldades com a mão de obra, o maquinário é ruim e o custo para a matéria-prima, alto;, avalia Paulo.
Dentro do setor de ideias, tecidos, criações e tendências, as possibilidades são inúmeras. Até misturar grandes nomes do rock com a modernidade brasiliense. A Muv Shoes levou essa proposta para a São Paulo Fashion Week deste ano. Convidada pelo Sebrae, a marca de tênis participou pela quarta vez do principal evento de moda do Brasil, sendo a única representante do DF. ;Ali, fazemos ponte com fornecedores, ganhamos visibilidade, temos a oportunidade de ver os bastidores dos desfiles. Coloca a gente no circuito; conta Isabella Guimarães, 27 anos, diretora de marketing da marca. Sem falar no aumento das vendas pelo site da empresa.
A Muv Shoes surgiu há cinco anos, criada pelos sócios brasilienses Miguel Marinho, 30, Gabriel Lira, 29, e Vinicius Matteo, 29. Para Miguel, a marca amadureceu, assim como a cidade. Na primeira coleção, por exemplo, os tênis eram customizados com adesivos de artistas do Brasil todo e, entre as imagens, encontrava-se símbolos típicos da capital. Hoje, a pegada ganhou um caráter mais sofisticado, mantendo o tom modernista. ;A inspiração vem do concreto minimalista e da arquitetura da capital. É um design made in Brasília com a produção de Franca (SP);, explica Miguel.
Joias brasilienses
Se dona Sarah e Juscelino Kubitschek estivessem vivos, sem dúvidas, o presidente escolheria uma joia made in Brasília para presentear a esposa em uma data especial. Primeiro, pelo amor com que JK enxergava a capital idealizada por ele. Segundo, porque, aos 57 anos, os traços da cidade levaram a formação de um mercado diversificado e cheio de ousadia na área dos acessórios.
Do quadradinho, a designer Flavia Amadeu, 38, conseguiu ligar comunidades da Amazônia com a efervescência das tendências mundiais em Londres. Em 2004, firmou uma parceria de pesquisa com o laboratório de tecnologia química da Universidade de Brasília (UnB). O grupo desenvolvia uma borracha colorida vinda do Norte do país, mas não sabia o que fazer com o material. A brasiliense, então, criou joias orgânicas que valorizam a matéria-prima. ;Só os brincos têm metal. O objetivo é usar a borracha como borracha;, conta.
A busca por novos materiais sempre foi algo presente no trabalho de Flavia e, associado a esse interesse, ela alia o design sustentável e o empreendedorismo social. Ela atua dentro de diferentes comunidades para formar fornecedores. Em 2011, por exemplo, passou uma temporada na Amazônia em contato direto com as pessoas que fabricavam a borracha nativa usada em suas peças. De lá, seguiu para um doutorado na Inglaterra, levando não só Brasília, mas também a Amazônia. As peças integraram campanhas de moda no Reino Unido, foram destaque no Museu de Design de Londres e expostas na Semana de Design de Milão.
;Quando escolhi trabalhar com a borracha, falei: vou ser especialista nisso. É muita paixão;, comenta aos risos. As coleções, no início, geraram um certo estranhamento por serem diferentes. ;Mas também despertavam curiosidade e, aos poucos, tive aceitação;, conta. Um dos muitos planos da designer é montar um sistema de vendas on-line.
Em um curso paralelo à formação em desenho industrial na UnB, a designer Renata Barros, 27, descobriu-se apaixonada pelo trabalho com joias clássicas. Ao concluir a graduação, decidiu abrir a própria marca e fazer peças sob encomenda e personalizadas. Apesar de se inspirar em grande nomes, principalmente, na também brasiliense Carla Amorim, ela teve receio por acreditar que não encontraria na capital todo o material necessário. ;Ao estabelecer uma rede de relacionamento, conheci profissionais qualificados, caprichosos e delicados.; Ela cria as peças e cinco ourives da capital transformam sonhos e desejos em peças exclusivas e cheias de emoção.
Para Renata, toda joia tem uma história e seu trabalho começa por conhecer o que está por trás da peça desejada. ;Faço uma primeira reunião com o cliente para entender a demanda. Tem pessoas que passam anos imaginando um anel, um colar ou brinco. Ou aqueles que querem presentear alguém especial;, comenta. Em seguida, a designer cria com base no que descobriu. O ponto alto de tudo isso é o momento de aprovar a peça. Como diz o lema da marca, o momento especial só faz sentido se fizer sentir. ;A joia tem que ficar a cara da pessoa, o cliente tem que se identificar. Trabalho com um produto que as pessoas se apegam e acabam passando de uma geração para outra;.