Jovem Guarda

A explosão do iê-iê-iê brasileiro incomodou a turma da bossa nova e da MPB

Os tropicalistas, contudo, trataram de reconhecer o talento dos colegas roqueiros

postado em 25/11/2013 08:00

História reescrita: o tropicalista Caetano e o antes roqueiro Roberto se juntaram, em 2008, para cantar bossa nova

O recente imbróglio envolvendo Roberto Carlos e Caetano Veloso, dois dos principais porta-vozes do movimento Procure Saber, remontou a um tempo em que a música popular brasileira era divida em ;grupinhos;. A turma zona-sul da bossa nova, por exemplo, não se misturava com os roqueiros cabeludos da Tijuca. Quando a nascente MPB fervilhou nos festivais da canção e passou a disputar espaço com a Jovem Guarda nas emissoras de tevê, em meados dos anos 1960, sobraram provocações de ambos os lados.

Os antenados tropicalistas, entretanto, já percebiam naquela sonoridade um quê de inovação e se utilizaram desses artefatos na hora de construírem seu som. Os anos provaram que todos estavam certos: a saudável promiscuidade musical fez do Brasil uma referência mundial no assunto.

Lenha na fogueira: na capa da revista Intervalo, a manchete %u201CErasmo acusa bossa nova%u201D

Nascida no fim da década de 1950, a bossa nova acompanhou de soslaio a explosão da Jovem Guarda. Apesar de ambas serem populares, era impossível competir: o rock falava mais alto e com mais força à juventude. Atacada por todos os lados, a turma do iê-iê-iê se irritou. Termos pejorativos usados contra eles por DJs e críticos fizeram Erasmo Carlos esbravejar em uma entrevista. ;Em primeiro lugar, se a bossa nova continuar esnobe e tão afastada do povo, vai pifar. Eles são sistematicamente contra nós, mas deviam era atiçar fogo numa panelinha que já está esfriando. Como é que têm coragem de nos acusar de cantar versões e músicas estrangeiras, se eles enfiaram o jazz na sua musiquinha nacional?;

Até Wanderléa entrou na briga. A musa da Jovem Guarda, em artigo para a revista Intervalo, mostrou que não era tão ;ternurinha; assim, mas uma artista cheia de personalidade. ;Os jovens têm energia a despender. Como querem que a gaste? Talvez, como antigamente ; voltando de noitadas alegres e atirando tijolos em vidraças para se obrigarem a correr (;) Nós gastamos nossa energia, hoje, de modo muito mais racional e humano, sem destruir coisa alguma: cantamos e dançamos.; O trecho está no livro Jovem Guarda em ritmo de aventura, de Marcelo Fróes.
Uma das cabeças por trás da Jovem Guarda, Carlos Imperial (E) posa com Tom Jobim, ícone da bossa nova, e Roberto Carlos
Em meados da década de 1960, a MPB tradicionalista tomava forma, e, com ela, acirrava-se a disputa. A incendiária Elis Regina (que havia estreado em disco cantando baladinhas roqueiras, vejam só) era uma das críticas mais ferrenhas: ;De volta ao Brasil, eu esperava encontrar o samba mais forte do que nunca. O que vi foi essa submúsica, essa barulheira que chamam de iê-iê-iê, arrastando milhares de adolescentes que começam a se interessar pela linguagem musical e são assim desencaminhados. Esse tal de iê-iê-iê é uma droga: deforma a mente da juventude. Veja as músicas que eles cantam: a maioria tem pouquíssimas notas e isso as torna fáceis de cantar e de guardar. As letras não contêm qualquer mensagem: falam de baile, palavras bonitinhas para o ouvido, coisa fúteis. Qualquer pessoa que se disponha pode fazer música assim, comentando a última briguinha com o namorado. Por que manter essa aberração?;, disse ela em entrevista.

Passeata contra a guitarra


Em 1967, ao lado de nomes como Jair Rodrigues, Edu Lobo, Geraldo Vandré e até Gilberto Gil, Elis marchou em São Paulo contra a guitarra elétrica. Pouco depois, a MPB iria aderir à sonoridade do instrumento símbolo do rock. ;Houve um dia, bem no início da guerra babaca entre a linha dura da MPB e a Jovem Guarda, em que Gilberto Gil me disse que reconhecia os méritos de nosso movimento e de seu efeito avassalador na mudança de comportamento do jovens;, conta Erasmo na autobiografia Minha fama de mau. ;Retribuí dizendo que a Tropicália viera para dar um passo além do nosso, com letras mais inteligentes e gente mais cabeluda e extravagante do que nós. Terminamos a conversa abraçados, desejando sucesso um ao outro.;
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Para Nelson Motta, no livro Noites Tropicais, a rivalidade MPB versus Jovem Guarda era tudo o que a TV Record poderia querer. A emissora musical paulistana abrigava o principal festival da época e os mais importantes programas dos dois gêneros. ;Aquilo gerava polêmica, debates e paixões, num tempo em que música popular era discutida nas ruas de São Paulo como se fosse futebol;, relembra o jornalista.

No mesmo festival que consagrou a MPB de Edu Lobo (Ponteio) e Chico Buarque (Roda viva) e deflagrou o tropicalismo de Caetano Veloso (Alegria, alegria) e Gilberto Gil (Domingo no parque), em 1967, o ;roqueiro; Roberto Carlos classificaria como intérprete, sob vaias, o samba Maria, carnaval e cinzas. O Rei adentrara, enfim, o rol dos grandes.
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;Hoje, quando você vê um encontro entre Roberto e Caetano na tevê cantando bossa nova, a história está sendo reescrita;, opina a historiadora Eleonora Zicari. Da mesma forma, quando Roberto, Caetano, Erasmo, Gil, Chico e companhia se juntam em torno do Procure Saber, a trajetória dos artistas ganham novo capítulo. Só que, neste caso, o descompasso no discurso do grupo e a possível ruptura entre Caetano e Roberto via jornal soam bem menos gloriosos do que as discussões estéticas que pautaram a MPB de outrora.

Eles também entraram na onda do iê-iê-iê


Elis Regina
Os tropicalistas, contudo, trataram de reconhecer o talento dos colegas roqueiros
O álbum de estreia da gaúcha, Viva a brotolândia (1961), entrou com os dois pés na música jovem e abusou das versões de canções estrangeiras. Elis tinha apenas 16 anos na época. Em 1965, ela venceu o Festival da Excelsior com Arrastão e se tornou ícone da MPB.

Jorge Ben

O criador de Mas que nada gostava tanto de rock que tinha o apelido de Babulina, em alusão à música Bop-A-Lena. Ben participou de programas da Jovem Guarda, gravou disco acompanhado do The Fevers e trocou o violão acústico por um amplificado. Os puristas implicaram; ele nem se importou.

Raul Seixas
Os tropicalistas, contudo, trataram de reconhecer o talento dos colegas roqueiros
Com capa inspirada nos álbuns da época, sobretudo dos Beatles, o baiano estreou em disco com o conjunto Raulzito e os Panteras, em 1968, em que assinava a maior parte das canções. Raul é autor de Doce, doce amor, sucesso de Jerry Adriani, e produziu discos dele e também de Leno e Lilian.

Tim Maia

Também Babulina (pelo mesmo motivo de Ben), o maior soulman brasileiro era tijucano e amigo de infância de Erasmo Carlos. Com Roberto, em 1957, integrou o grupo The Sputniks. Roberto o gravaria alguns anos depois. Tim produziu disco de Eduardo Araújo.

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