A vontade de vencer nas urnas parecia ser a única semelhante entre o ex-líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva e o empresário José Alencar, união formada para disputar as eleições presidenciais de 2002. A escolha do mineiro teve justamente o intuito de conquistar votos num eleitorado ainda reticente à candidatura do petista. A aliança entre trabalho e capital se mostrou fundamental para o apoio de 52,7 milhões de eleitores em 27 de outubro daquele ano ; formaram, nas palavras de Lula, um ;caso de amor profundo, como Romeu e Julieta;. Com o tempo os dois políticos reconheceram semelhanças na biografia e construíram uma amizade ao longo dos oito anos de mandato.
A origem humilde e a ausência de um diploma de ensino superior eram apontadas por Lula como semelhanças na biografia de ambos. A história de um menino que saiu de casa cedo para trabalhar, deixando para trás os pais e 14 irmãos, era associada àquela do pernambucano, que saiu da terra-natal em busca de melhores condições de vida em São Paulo.
A chapa de Lula e Alencar começou a ser desenhada em 2001, quando Alencar deixou o PMDB. Um ano antes, durante comemoração dos seus 50 anos de vida empresarial, o político afirmou, diante dos 2,3 mil convidados, que o país precisava de uma ;alternância de poder;. Mas o petista não foi o único a se interessar pela aliança com o então senador do PL. Os presidenciáveis Ciro Gomes e Anthony Garotinho também cortejaram Alencar.
;Vim a Brasília convencê-lo a ser meu vice e ele tinha convite de muitos outros candidatos. Mas eu acho que a química entre um pernambucano e um mineiro falou mais alto;, afirmou Lula na cerimônia de posse de Alencar no Ministério da Defesa. A chapa com Lula pareceu difícil de ser mantida quando, em 2005, Alencar trocou o PL pelo nanico PRB (Partido Republicano Brasileiro). A dupla foi mantida e o sucesso nas urnas deu início a um segundo mandato.
Outros nomes
Na primeira campanha presidencial de Lula, em 1989, o vice escolhido para formar a chapa com o petista foi o então senador José Paulo Bisol. Seu nome foi confirmado após o parlamentar trocar o PSDB pelo PSB. Antes da decisão, o nome de Fernando Gabeira também foi indicado, durante encontro nacional do Partido dos Trabalhadores. Naquela eleição, Lula conquistou 37,86% dos votos e foi derrotado por Fernando Collor. Em 1994, o candidato à vice seria, mais uma vez, João Paulo Bisol, mas as denúncias de favorecimento em empréstimos de bancos oficiais e de emendas parlamentares em causa própria o fizeram desistir da campanha. O então deputado federal Aloizio Mercadante, também do PT, assumiu seu lugar. Quatro anos depois, após a primeira disputa contra Fernando Henrique Cardoso, Lula formou a candidatura Frente de Esquerda com legendas como o PSB, o PCdoB, o PCB e o PDT. Foi este último que indicou o vice do petista, Leonel Brizola.
A política econômica do governo Lula foi alvo de críticas de Alencar desde o primeiro mandato. O empresário defendeu, em diversas ocasiões, a redução da taxa básica de juros, definida pelo Banco Central. A diminuição da pobreza e melhores índices de crescimento eram argumentos levantados pelo mineiro para sustentar sua tese. Embora os juros altos signifiquem um controle sobre a inflação, Alencar afirmava que a manutenção de altas taxas representava um ;pacto com o diabo;.
Ideias fortes
Enquanto Alencar argumentava que os juros altos representavam ;jogar o dinheiro do povo pela janela;, o Comitê de Política Monetária (Copom) afirmava que o esforço para combater a inflação precisava ser mantido. O discurso sequer foi alterado durante convenção do PT em 2006, quando a chapa Lula-Alencar foi lançada para o segundo mandato. ;A taxa básica praticada pelo Banco Central ainda é muito alta em relação às praticadas no mundo inteiro. Porém, é bem inferior àquela que nós recebemos. Quando chegamos, a Selic era de 25% (ao ano). Hoje é 15,25%, com tendência a cair. E vai chegar a menos do que isso. Isso nos prepara para retomar o crescimento, gerar oportunidade de trabalho e enriquecer o país;, afirmou na ocasião. Apesar de uma posição mais incisiva sobre o tema, Alencar sempre negou haver desentendimentos no governo de que fez parte por conta da questão.
Em janeiro de 2010, o Copom fez o primeiro corte da taxa básica de juros (Selic) desde setembro de 2007. Na ocasião, o valor caiu para 12,75% ao ano, ainda elevado em comparação com juros básicos praticados em outros países. No mês seguinte, após passar por mais uma cirurgia, José Alencar afirmou que não voltaria à questão. ;Eu não falo mais de juros. Nos últimos tempos todo mundo está falando, então eu não preciso mais falar.;
Lealdade
a toda prova
;Se alguém, algum dia, no Brasil, não quis levar à sério o Ministério da Defesa ou achou que era um ministério para não ser levado muito em conta, é importante que vocês saibam: no meu governo ele é levado tão a sério que primeiro foi um embaixador, da qualidade do Viegas, e, segundo, é um homem de importância da República, como o companheiro José Alencar.; Foi com esse discurso que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu posse ao novo ministro da Defesa, em novembro de 2004.
Durante o período em que conciliou o trabalho de ministro com o de vice-presidente, Alencar teve que lidar com temas espinhosos, como a crise financeira da Varig. Embora tivesse bom trânsito entre os militares, a avaliação da Marinha, do Exército e da Aeronáutica era de que Alencar não tinha força o suficiente para liderar assuntos mais polêmicos, como o reajuste salarial dos militares. ;A demanda é muito grande. Isso não significa que não esteja cumprindo meu dever e cumprirei até quando seja da vontade do presidente;, afirmou, na época.
Quatro meses depois de assumir a função, Alencar afirmou que seu perfil empresarial era inadequado para a Defesa e citou o ministro da Educação no governo Figueiredo, Eduardo Portella: ;Eu não sou ministro, eu estou ministro;, disse. Alencar permaneceu no posto por 16 meses. Em janeiro de 2006, pediu demissão, com o argumento de que pretendia concorrer às eleições, em outubro, ao governo de Minas Gerais. Em março daquele ano, foi substituído por Waldir Pires.
Fidelidade
Quando José Alencar assumiu interinamente, pela primeira vez, a Presidência da República, o político decidiu despachar do gabinete de Lula. O titular estava em viagem ao Equador para assistir à posse do presidente Lúcio Gutierrez, em janeiro de 2003. Durante os oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, o vice do tucano, Marco Maciel, despachava na sala do vice, em anexo ao Planalto. Alencar, no entanto, não adotou a mesma postura na ausência do titular. O episódio é apenas um exemplo da diferença de estilo entre o mineiro e o senador pernambuco.
A figura de um vice-presidente quase invisível não se manteve durante o governo Lula. As críticas aos juros e a desenvoltura em abordar a própria doença foram as marcas de Alencar. Aliás, o nome de Maciel era lembrado, em tom bem-humorado, quando Alencar mantinha uma postura mais reservada. Apesar das diferenças, Alencar e Maciel se assemelham em relação à lealdade ao presidente.