Renato Alves
Enviado especial
Porto Príncipe - Duas equipes de bombeiros do Brasil trabalham quase sem parar em busca de sobreviventes sob os escombros dos dois maiores hotéis da capital do Haiti. Mesmo depois de nove dias do terremoto que pôs abaixo cerca de 70% das construções de Porto Príncipe, os brasileiros e centenas de colegas de outros países acreditam haver pessoas vivas embaixo das toneladas de concreto, principalmente no Hotel Montana. Lá, 21 militares do Distrito Federal concentram seus esforços. Tentam encontrar, inclusive, um brasiliense que estava fora da lista oficial de desaparecidos até a última segunda-feira.
A identidade dele não é divulgada a pedido da família, que acionou o Ministério das Relações Exteriores (MRE) depois de não conseguir comunicação com a possível vítima. "Nos informaram que ele estava hospedado no quarto 306 do Montana. É filho de um chinês, tem sobrenome chinês, por isso, pode até ter sido encontrado e não identificado como brasileiro", contou o comandante da tropa brasiliense no Haiti, coronel Rogério Ribeiro Alvarenga, 44 anos. A suposta vítima é amiga de um dos bombeiros que participa das buscas.
Até ontem, a equipe brasiliense havia conseguido retirar dos escombros do Montana três corpos e a dona do hotel, uma espanhola, viva. Nessa operação de sucesso, que começou na última sexta-feira e terminou no dia seguinte, o grupo trabalhou por 36 horas seguidas. "Sem dúvida, foi nossa maior vitória até agora. Isso nos deu muito orgulho e motivação", ressaltou o sargento Paulo César da Silva Cardoso, 35 anos, morador da Colônia Agrícola Arniqueira.
Os bombeiros também se confortam quando conseguem retirar corpos dos escombros. "Claro que lutamos pela vida, mas o encontro do corpo em uma situação dessas ameniza o sofrimento da família, que poderá prestar homenagem ao parente", observou o soldado Robson da Silva, 28 anos, residente no Guará II. Ele e os colegas comoveram-se com o drama de um francês que cavava os destroços com as mãos na tentativa de encontrar a filha que teve com uma brasileira.
"Desesperado, ele gritava ;Olivia, Olivia, Olivia;, sem parar de cavar. Esse é o nome da filha dele. Assim que nos viu, pediu um par de luvas. Não demos porque ele não tinha a menor condição de fazer o serviço, e o local era perigoso. Nós o retiramos dos escombros e começamos a procurar a garota", contou o sargento Paulo César. O corpo da franco-brasileira Olívia Bovillé foi encontrado no dia seguinte. O pai procurou os bombeiros para agradecê-los.
Esperança e risco
Até o fim da tarde de ontem, bombeiros de todo o mundo que trabalham no Hotel Montana haviam retirado mais de 40 corpos do local e salvo três pessoas. Mas há uma estimativa de que pelo menos 150 pessoas, entre hóspedes e funcionários, tenham ficado presas sob os destroços. Apesar de ter passado tanto tempo, os militares ainda acreditam na possibilidade de haver sobreviventes. "Achamos quartos intactos no primeiro pavimento. Os quartos têm água e, alguns, até comida. Por isso, apostamos que possa haver mais alguém vivo", explicou o coronel Alvarenga.
O estabelecimento de cinco andares fica no topo de um morro e era considerado um dos mais luxuosos do país. Agora, a piscin esvaziada serve de abrigo para as equipes de socorro(1). O espaço é considerado o único local seguro em caso de novo terremoto. Desde o dia 12, quando houve o tremor de 7,1 graus de magnitude, ocorreu uma série de abalos sísmicos, como o da manhã de ontem, o mais forte desde então.
Com isso, o trabalho de resgate se tornou ainda mais perigoso. Até um pequeno tremor pode derrubar o que resta em pé das frágeis construções danificadas. "O risco é inerente, mas tentamos fazer tudo com a maior cautela possível", comentou o coronel Alvarenga. "Mas os nossos familiares podem ficar tranquilos. Temos nos cuidado", frisou o tenente André Cota, 28 anos.
PM desaparecido
No outro grande hotel que desabou, o Christopher, trabalham os demais bombeiros brasileiros no Haiti. Entre os 200 hóspedes que estariam no prédio quando ele desabou, os 30 militares do Rio de Janeiro buscam um em especial: o brasiliense Cleiton Batista Neiva, 33 anos. Ex-tenente da Polícia Militar do DF, ele passava o dia no Christopher a serviço da Organização das Nações Unidas (ONU).
O nome de Cleiton integra a lista oficial de brasileiros desaparecidos no Haiti. Ele não é visto pelos colegas na ilha caribenha nem fala com parentes desde o grande terremoto. Aos 33 anos, Cleiton é casado com a jornalista austríaca Irene Hoegl;nger, que também trabalha a serviço das Nações Unidas no Haiti. A união dos dois foi selada em uma cerimônia na Catedral Metropolitana de Brasília, em 2006.
O casal e o filho, Yannick, 1 ano, moram em Porto Príncipe, capital haitiana e cidade mais atingida pelo terremoto. Irene conseguiu entrar em contato com os pais, em Viena, na Áustria, apenas dois dias após o desastre. Logo em seguida, o pai dela ligou para a mãe de Cleiton, Maria Batista Neiva, 60 anos, moradora de Ceilândia. Ele informou que a filha e o neto estavam bem e em local seguro, mas não havia informação sobre o paradeiro do genro. O pai de Cleiton, o juiz arbitral Admilson dos Santos Neiva, 59, mora em Águas Lindas. Todos os dias, telefona para órgãos do governo federal ou vai pessoalmente a repartições como o Itamaraty em busca de notícias sobre o filho.
1 - 17t de material
Os 21 bombeiros do Distrito Federal pertencem ao grupo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas (Brec). Eles desembarcaram em Porto Príncipe com 17t de suprimentos e equipamentos de resgate, como martelos rompedores, motosserras, cabos de aço e macacos hidráulicos. Os quatro cães farejadores que ajudariam os brasilienses no Haiti continuam no Brasil à espera de transporte.
; Em Brasília, familiares lutam contra o medo
Daniel Brito
Os 21 bombeiros do Distrito Federal que ajudam no trabalho de resgate às vítimas do terremoto de 12 de janeiro no Haiti acordaram assustados na manhã de ontem, com o novo tremor, de 5,9 na escala Richter. Os brasilienses estavam dormindo no alojamento dos militares da Marinha do Brasil. Abalos como esse podem ser fatais para os bombeiros, conforme relato do coronel Rogério Soares, comandante operacional do Corpo de Bombeiros Militares do DF (CBMDF). "Eles abrem espaços entre os escombros, às vezes criando um vão usando as próprias vigas derrubadas pelo terremoto para encontrar as vítimas", explicou.
A servidora pública Juliana Nunes, esposa de Deusmar Nunes, um dos bombeiros enviados a Porto Princípe, mal teve tempo de se preocupar com o tremor. Antes de ler a notícia na internet, havia recebido a confirmação do CBMDF de que todos estavam a salvo. "É claro que sempre fica aquela pontinha de ansiedade para saber se está tudo bem. Principalmente depois que ele contou que todos os dias o chão treme", revelou.
Casada há quatro anos com Deusmar, Juliana conversa com o marido pelo telefone todas as madrugadas. As histórias são impressionantes. "Na primeira investida nos escombros, havia 50 vítimas, metade delas soterrada", afirmou a servidora. "Na noite de terça-feira, passou na TV o salvamento de uma senhora em que ele participou", contou, orgulhosa.
O CBMDF não tem previsão para retirar seus homens do Haiti. Aguarda uma definição por parte do governo federal. Até a metade de fevereiro, porém, está prevista a troca dos que foram em 14 de janeiro por outros especializados nesse tipo de busca. Não há previsão, contudo, do embarque dos quatro cães farejadores que iriam no mesmo dia do primeiro grupo de brasilienses. Eles não puderam ir por excesso de peso nas aeronaves e aguardam um chamado da Força Nacional para seguir ao Haiti.