Para ao menos duas famílias de Brasília, já são mais de 72 horas de angústia. Três dias sem notícia do pai, do marido, do irmão. Militares em missão de paz no Haiti. Morador da 102 Norte, o coronel João Eliseu Souza Zanin é um dos quatro oficiais brasileiros da lista de desaparecidos divulgada pelo Exército. Já o tenente da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Cleiton Batista Neiva está fora da contagem oficial, mas não é visto pelos colegas na ilha caribenha nem fala com parentes desde o terremoto de terça-feira.
Aos 33 anos, Cleiton é casado com a jornalista austríaca Irene Hoeglïnger, também a serviço das Nações Unidas no Haiti. A união do dois foi selada em uma cerimônia na Catedral Metropolitana de Brasília, em 2006. O casal e o filho, Yannick, de 1 ano, moram em Porto Príncipe, capital haitiana e cidade mais atingida pelo terremoto. Irene conseguiu entrar em contato com os pais, em Viena, na Áustria, apenas na madrugada de quinta-feira. Logo em seguida, o pai dela ligou para a mãe de Cleiton, Maria Batista Neiva, 60 anos, moradora de Ceilândia. Ele informou que a filha e o neto estavam bem e em local seguro, mas não havia informação sobre o paradeiro do genro.
Com isso, ontem foi mais um dia de peregrinação para o pai de Cleiton, o juiz arbitral Admilson dos Santos Neiva, 59. Ele esteve até na Polícia Federal pedindo ajuda na busca pelo filho. Mesmo doente, fazendo hemodiálise duas vezes por semana, Admilson sai de casa cedo, em Águas Lindas (GO), desde quarta-feira. Sempre atrás de informação sobre o filho. Foi ao Quartel General do Exército, ao Palácio do Itamaraty, ao Ministério da Defesa e a outros órgãos do Governo Federal. Em vão. "Dizem apenas que ele não está na lista de mortos e desaparecidos. Então, onde está?", cobrou.
Mesmo dizendo ter esperança em reencontrar o filho vivo, Admilson não segura o choro ao lembrar de Cleiton. Em casa - num bairro sem asfalto nem calçadas, típico de Águas Lindas -, Admilson tem a companhia do filho caçula, Pedro Henrique Araújo Neiva, 13 anos. O garoto fala com uma firmeza incomum à idade."Eu estou ajudando o meu pai na parte emocional. No começo, ele dizia que tinha perdido o filho. Mas coloquei na cabeça dele que temos de ter esperança. Acredito que o meu irmão está vivo", afirmou.
A cada reportagem sobre a catástrofe no Haiti, Pedro senta ao lado do pai em frente à TV na tentativa de identificar Cleiton entre os militares que trabalham no resgate das vítimas. Ontem, o menino passou o dia com a camiseta azul com um desenho e o nome do país caribenho, presente do irmão. Cleiton foi para o Haiti em 2004 como integrante da polícia internacional do país, cedido pela PMDF. Mesmo após o fim da missão, continuou na ilha. Por isso, licenciou-se da polícia brasiliense. Virou membro do contingente da ONU. Ele viria a Brasília no fim do mês, com o filho.
Silêncio
Um dos quatro militares brasileiros dados como desaparecidos no Haiti pelo Exército, o coronel Zanin havia acabado de desembarcar na ilha. A autorização para a viagem a serviço saiu publicada ontem no Boletim do Exército. Segundo o órgão, o oficial passaria "cerca de um mês" no país. Ele e os outros três colegas não encontrados até a noite de ontem estavam no Hotel Cristopher, sede da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah), que veio abaixo.
Os familiares de Zanin não dão entrevista. A mulher dele, Cely Zanin, apenas escreveu uma carta à imprensa. Pediu a todos que rezem pelo marido e pelos outros três militares desaparecidos. "A dor é grande, a angústia, sem fim, mas ainda tenho fé de que eles serão encontrados com vida e que voltarão para nossas famílias", declarou. Ela tem passado a maior parte do dia trancada no apartamento funcional, localizado na 102 Norte, uma quadra de militares de alta patente.
Antes de ir para o Haiti, Zanin trabalhava no gabinete do comandante do Exército brasileiro, em Brasília, como o tenente-coronel Marcus Vinícius Macedo Cysneiros, outro morador do DF. Cysneiros ocupa uma das casas da vila militar do Setor Militar Urbano (SMU). A mulher e as duas filhas dele se mudaram para o Rio de Janeiro no meio do ano passado, quando o oficial foi transferido para o Haiti. Terceiro militar morador do DF dado como desaparecido, o major Francisco Adolfo Vianna Martins Filho trabalhava no Departamento-Geral do Pessoal do Exército, também no SMU.