Motoristas
Rotina flexível
Motorista particular não tem trajeto definido. Quem dirige para os outros precisa estar disposto a se enquadrar em rotinas bastante flexíveis. O trabalho dificilmente se resume ao vaivém dentro do carro. Entre uma carona e outra, pode haver uma parada para pagar contas do patrão no banco, levar roupas na lavanderia ou fazer compras no supermercado. Contemplados pela aprovação da PEC n; 66/2012, esses empregados domésticos esperam ter a vida melhorada. Querem pontuar melhor as funções que exercem, mesmo cientes do intrínseco caráter imprevisível da atividade.
Nascido e criado na roça, no interior de Minas Gerais, Antonino Ferreira dos Santos fixou-se em Brasília 20 anos atrás, quando acabou conseguindo um emprego de caseiro em uma casa no Lago Norte. ;Fazia de tudo. Eu era tipo um escravo;, define ele, relembrando que chegava a trabalhar aos domingos e feriados, sem ganhar nada a mais por isso. Hoje, aos 45 anos, ele se sente mais valorizado como motorista de uma família do Sudoeste. Considera o patrão um amigo e torce para que a PEC das Domésticas seja, de fato, aplicada.
Casado, pai de dois filhos, Antonino estudou até a 5; série do ensino fundamental. Foi o emprego atual que deu a ele a chance de financiar o primeiro carro e arcar com as despesas da família, que mora em Planaltina. O motorista não esconde o medo de perder a vaga, mas está animado com a lista de direitos adquiridos. ;Trabalho desde os 10 anos e nunca tive esses benefícios;, comenta Antonino, que está disponível para os patrões de segunda a sexta, das 8h às 15h, em tese.
Jardineiros
Garantia de poupança
Natural de Urucuia (MG), o jardineiro Uelton Barbosa de Brito, 25 anos, mantém uma rotina de trabalho em contato com a natureza. A partir das 7h, começa a percorrer os 20 mil metros quadrados da chácara na qual foi contratado no Setor de Mansões Park Way (SMPW). Com bastante cuidado, rega as plantas, limpa a horta, apara o gramado e ainda tem tempo de alimentar os cachorros da casa. Há três meses em Brasília, deixou a cidade natal em busca de uma melhor remuneração.
O salário em Minas Gerais era de pouco mais de R$ 600. Agora, passou a receber R$ 800. Atento às mudanças que a PEC das Domésticas trará para ele, está ansioso para ter direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). ;Vou ter direito a uma poupança. Isso é um avanço grande;, festeja. Ele, que estudou até a 8; série, diz gostar do que faz. E já faz planos. ;Quero comprar um lote para construir uma casa na cidade em que nasci. Ainda tenho planos de voltar para lá. Mas somente em boas condições;, completa.
O jardineiro Jair Pinto de Oliveira, 47, ainda tem dúvidas sobre como será calculada e controlada a jornada de trabalho e as horas extras. Mesmo sem uma resposta imediata, está contente com a igualdade de direitos conquistados, uma vez que deixará de ser motivo de comentários entre os vizinhos em Ceilândia. ;Muitos me perguntavam como me sentia sem ter direito a FGTS e a horas extras. Agora, esses questionamentos vão acabar. Meu patrão já me disse que vamos nos sentar nos próximos dias para conversar sobre um contrato;, ressata.
Passadeiras
Orgulho do que faz
A passadeira Luzia Maciel, 58 anos, chega a prestar serviços para cinco famílias. Há 11 anos na profissão, afirma gostar do que faz. ;Amo passar roupas. Acho que as pessoas ficam satisfeitas com o resultado;, comenta. O valor da diária varia entre R$ 80 e R$ 90, mas sente falta de benefícios. ;Não tenho 13;, FGTS nem férias. E, se o patrão viaja ou dispensa o serviço do dia, fico sem dinheiro;, ressalta.
Ela, que gostaria de ter mais direitos como passadeira, vê a PEC das Domésticas um avanço para a classe de trabalhadora doméstica. ;É mais do que merecido. Nós sempre prestamos um serviço até melhor do que nas nossas próprias casas;, afirma. Apesar das dificuldades enfrentadas, Luzia não lamenta a opção de trabalho escolhida desde quando começou a vida de diarista em Brasília, há 22 anos.
;A casa onde moro construí com o meu trabalho de diarista. Só tenho a agradecer a Deus por isso;, vibra ela, que mora no bairro Areal, em Taguatinga. No primeiro emprego, Luzia ganhava cerca de R$ 35 por dia trabalhado. O valor, segundo ela, era maior do que o pago a outras diaristas. ;Minha patroa reconhecia o meu trabalho;, admite.
Nascida em Caratinga (MG), chegou a Brasília em 1981. Mãe de duas mulheres e de um rapaz, orgulha-se de ter ajudado na formação do filho. ;Ajudei a pagar a faculdade dele. Hoje, ele é administrador em uma empresa de tecnologia;, conta. Com sentimento de realização, ela tem como sonho reformar a casa. ;Com certeza, vou conseguir, com trabalho duro e muita dedicação;, enfatiza.
Cuidadoras
Doação é absoluta
Pagas para se dedicarem integralmente a doentes ou idosos em casas de família, as cuidadoras exercem um serviço de doação absoluta. Também consideradas empregadas domésticas, essas profissionais conquistaram todos os direitos trabalhistas contidos na PEC n; 66/2012, aprovada na última semana.
As mulheres são maioria nesse mercado. Geralmente, atuam em regime de plantão: trabalham 24 horas seguidas ; quase sempre dormindo na residência ; para folgar um ou dois dias, a depender do acordo com os patrões. Os salários variam entre R$ 800 e R$ 2,2 mil mensais. Antes de procurarem oportunidades, as cuidadoras costumam passar por treinamentos específicos. Muitas estudam para virarem técnicas em enfermagem. A rotina pode incluir atividades de cozinheira, de passadeira e mesmo de motorista.
Há oito meses, Silvana Motta largou o escritório de advocacia onde era secretária para dividir a vida com uma senhora de 87 anos, em uma mansão no Park Way. Dia sim, dia não, ela deixa marido e três filhos para se juntar a uma outra família, que também passou a ser dela. ;Não é fácil, mas faço por amor. Aqui, também me sinto como se estivesse em casa;, comenta ela, entre carinhos e beijos com a pessoa com quem conversa, passeia pelo jardim, almoça, janta e até dorme na mesma cama.
Silvana, que tem ensino médio completo, já foi tachada de louca por abraçar uma profissão que exige tanta paciência e perseverança. Mas ela não se vê fazendo outra coisa. É assim desde que a irmã sofreu um acidente vascular cerebral, a mãe morreu de câncer e o filho mais velho quase ficou paraplégico após um acidente de carro.
De jaleco branco, a cuidadora, de 49 anos, nascida no interior de Minas Gerais, acredita que a PEC das Domésticas dará mais respeito a ela e as colegas. ;Muita gente ainda menospreza nosso trabalho;, afirma. Nos próximos dias, Silvana vai se sentar com a patroa para conversar sobre os direitos adquiridos com a nova legislação, e o salário, de quase R$ 2 mil, poderá aumentar.
Mabel Ventura de Araújo, 46, é cuidadora desde setembro, mas por ser funcionária de uma empresa, já tem a maior parte dos pontos da PEC atendida. Mesmo assim, comemora a aprovação da emenda constitucional. ;Agora, temos um alicerce, uma estrutura para trabalhar;, define ela, que cuida de um senhor de 74 anos no Jardim Botânico.
Satisfeita com a relação de confiança construída com a família para a qual trabalha, Mabel diz que se dedicar ao outro sob pressão ou se sentindo explorada é algo praticamente impossível. Por isso, sustenta, os direitos conquistados podem até dar um novo sentido ao serviço.
Caseiros
Dignidade diária
Manter a área verde da casa impecável, com a grama aparada e as plantas e folhas secas das árvores podadas. Alimentar, dar banho, passear com os cachorros e deixar o canil limpo. Fazer a manutenção do deck de madeira, das calhas e dos ralos externos. Essa lista de tarefas é cumprida religiosamente pelo caseiro Ivan Carlos dos Santos, 33 anos, de segunda a sexta-feira, na casa em que trabalha, no Setor de Mansões Park Way (SMPW).
Há três meses no Distrito Federal, ele abandonou a profissão de taxista em Aracaju (SE) com medo da violência que tirou a vida de pelo menos dois colegas. ;Saía de casa todos os dias e não sabia se voltaria. Os R$ 800 que ganhava todo mês não compensavam o estresse;, relembra, sem saudades. A tia que já morava na capital do país o incentivou a deixar o Nordeste e conseguiu para ele o emprego na casa de uma família em que ela passa as roupas.
O batente começa às 7h30 e, às 12h, é interrompido para o almoço. Após uma hora de descanso, Ivan retoma as atividade, que só terminam as 17h. Ele diz que não tem do que reclamar. O salário passou para R$ 1,2 mil, tem folga todos os fins de semana e já recebeu do empregador um sinal positivo de que terá todos os direitos garantidos com a aprovação da PEC n; 66/2012. ;Estou muito satisfeito. Todos me tratam bem e sou respeitado;, diz.
Além de se sentir confortável no ambiente de trabalho, Santos não se envergonha da profissão. Com o segundo grau completo, ele acredita que tem um trabalho digno e honesto, mas sabe que há preconceito. ;As pessoas não querem colocar a mão na massa e receber no fim do mês. Deveriam ter vergonha disso;, completa.
O também caseiro Antonio Carlos dos Santos, 59, está em êxtase com a aprovação da PEC. Há 39 anos na profissão, tem a carteira assinada, mas nunca teve acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Natural de Aquidauana (MT), espera fazer uma poupança para o filho único, que mora na cidade natal. ;Com esse dinheiro que vou passar a poupar, além das economias que tenho, sonho em comprar uma casa própria para ele;, ressalta.
Na chácara em que trabalha, em Águas Claras, o patrão garantiu que ele não será demitido e receberá todos os direitos. Com um salário mensal de R$ 900, ele trabalha de segunda a sábado e dorme na propriedade. ;Tenho casa, comida e sou tratado com dignidade. Ninguém me explora e não quero receber nada do que não tenha direito.;