Jornal Correio Braziliense

Glauber Rocha

Legado de Glauber Rocha ganha dimensões inéditas

Às vésperas do aniversário do cineasta, dia 14, e do cinquentenário de Deus e o diabo na terra do sol, a repercussão da obra do diretor ganha o país e o mundo



Em novembro de 1965, o cineasta Glauber Rocha foi preso. Participava de um protesto contra o regime militar nas imediações do tradicional Hotel Glória, no centro do Rio de Janeiro. Com ele, também foram encarcerados Carlos Heitor Cony e Márcio Moreira Alves. Cony se tornaria imortal pela Academia Brasileira de Letras. O jornalista Moreira Alves entraria para a história ao proferir em setembro de 1968, no Congresso Nacional, o duro discurso motivador do Ato Institucional n; 5, que recrudesceu ainda mais o regime militar. A Glauber Rocha coube ambas as façanhas: a imortalidade e um (longo) capítulo na história.

O legado do cineasta, cuja expressividade ainda repercute no mundo, foi ampliado. A produção intelectual ; versões inéditas de roteiros, manuscritos, desenhos ; é maior que a imaginada, o Tempo Glauber (principal centro de pesquisa e documentação do artista no Rio de Janeiro, fechado há dois anos) será reaberto, e um filho, fruto de uma das várias relações ocasionais de Glauber, foi descoberto em Brasília. ;O mais importante para mim é chamar a atenção para a obra do meu pai;, revelou Henrique Cavalleiro, durante entrevista exclusiva ao Correio.

Foram mais de quatro décadas até a confirmação da notícia e, posteriormente, chancelada por meio de um exame de DNA (realizado em 2011) que envolveu Henrique, a filha legítima do diretor, Paloma Rocha, e a mãe de Glauber, Dona Lúcia. O resultado é incontestável: reside na capital um dos cinco filhos do mais cultuado diretor nacional. Situação reversa àquela vivenciada em 1998, quando se provou que Daniel Rocha ; conhecido publicamente como filho de Glauber ; era, na verdade, cria do artista gráfico e compositor Rogério Duarte, autor do cartaz do filme Deus e o Diabo na terra do sol, a mais famosa produção de Glauber, de quem era amigo pessoal.

Roteiros
Embora seja mais reconhecido como diretor, Glauber enveredou por distintas vertentes. Os escritos como jornalista são amplamente divulgados e, até hoje, pesquisados e utilizados como referência. Poucos lembram, porém, que enveredou pelo teatro (escreveu a tragédia Jango, em 1965, por exemplo) ou que era um aplicado desenhista ; ferramenta para seus roteiros.

Poema inédito escrito em janeiro de 1980. Glauber morreria 
no ano seguinte.

Fosse qual fosse o ofício, relacionava-se intimamente com o objeto de estudo. A dinâmica de trabalho impressionava e a persistência resultou em uma herança superior àquela conhecida pelo público em geral: ;O processo de criação dele era muito célere. Há projetos de livros, filmes, que ficaram apenas no papel. O potencial dele é inacreditável;, afirma Gabriela de Souza de Queiroz, funcionária do Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca Brasileira.

Em entrevista à revista francesa Positif, o próprio Glauber revelou projetos que nunca decolaram: ;Escrevi diversos roteiros que não foram filmados, nos quais eu tinha dificuldades em criar personagens femininos, que são comigo sempre muito conscientes e têm influência moral ou política;, disse a Michel Ciment, em 1981.

Desde 2010, quando o Ministério da Cultura adquiriu parte do acervo do diretor, a cinemateca (domiciliada em São Paulo) trabalha na digitalização dos documentos e filmes e no consequente acesso pela população. O próprio Glauber, um ano antes da morte (em 1981), teve a iniciativa de procurar a instituição: ;Ele fez uma expressiva doação, composta, principalmente, por materiais de imprensa ; nacional e estrangeira ; que falavam dele;, revelou Gabriela de Souza.

O catálogo com os documentos e manuscritos de Glauber na Cinemateca Brasileira pode ultrapassar 25 mil páginas. ;Muita coisa ainda não chegou ao grande público;, comentou. O cabedal, dividido entre a cinemateca e o Tempo Glauber, soma mais de 50 mil itens. Material suficiente para revelar um cineasta que julgávamos, erroneamente, conhecer.

Trecho do filme , do diretor Silvio Tendler
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