Austeridade e um domínio absoluto da exposição de um painel do Brasil colônia estão entre os predicados da diretora Daniela Thomas, à frente do longa Vazante. A exemplo do recente filme Joaquim (de Marcelo Gomes), vale a expressão do autêntico e da representação de uma realidade estudada a fundo e embasada por dados históricos. Sem relativizar (ou atualizar posturas dos tipos descritos), Thomas desvia do descalabro: organiza, com o tempo necessário de cada plano, a vida como se deu no passado.
O melancólico personagem Antonio (Adriano Carvalho, excepcional, e com os olhos embotados) percebe, inerte, a extensão da derrocada do sistema de garimpo e de exploração humana que sempre o sustentou. A queda de um império, numa casa grande fantasmagórica, descamba para a desilusão do protagonista que conquista a graça da jovem Beatriz (Luana Nastas). No filme, Thomas revela a porta aberta para a miscigenação nacional (com trânsito entre a senzala e a casa grande), demarcando ainda a violência contra as mulheres.
O grande arrebatamento da fita está na texturizada fotografia apresentada por Inti Briones (de O pequeno segredo). Num certo sentido, Vazante traz algo de um Lavoura arcaica (2001) diluído pela presença de uma despreparada menina à la Inocência (do clássico de Walter Lima Jr.). Entre horrores expostos, o longa traz o desentendimento acalorado entre patrões e escravos (com personagens negros tolhidos até na compreensão da linguagem). Sob um mundo governado por tirania e condutas sociais indignas, com escravos ;amansados; em árvores, Vazante retrata um universo em que até o poder de vida e morte é objeto de empoderamento, aos sabores de mandos e desmandos.
Cotação: Muito bom